O dragão acelera: o que explica invasão chinesa no mercado automotivo

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Não é preciso ser um observador tão atento ou um aficionado por carros para constatar o aumento expressivo do número de veículos chineses nas ruas de alguns dos principais centros urbanos do Brasil nos últimos anos. 
 

O que antes era raridade foi se tornando cada vez mais comum, e hoje já não é difícil encontrar veículos de marcas como BYD, Chery, GWM e JAC. Outras empresas do chamado “dragão asiático” vêm se preparando para vender no mercado brasileiro, entre as quais Omoda, Jaecoo, Neta, Zeekr e Riddara. A invasão chinesa no setor automotivo já é uma realidade não apenas no Brasil, mas em todo o mundo.

Líder global na produção e exportação de veículos, além de dominar amplamente a transição para os carros elétricos, a China registrou um crescimento de 12,9% em sua produção de automóveis entre janeiro e abril deste ano, na comparação com o mesmo período de 2024.

Pela primeira vez, os números de unidades produzidas e vendidas superaram a marca de 10 milhões no quadrimestre, de acordo com dados da Associação Chinesa de Fabricantes de Veículos Automotores (CAAM, na sigla em inglês).

Os números que envolvem o mercado de Veículos de Nova Energia (“New Energy Vehicles”, os NEVs) são ainda mais impressionantes. A alta na produção entre janeiro e abril foi de 48,3% (para 4,4 milhões de unidades), enquanto as vendas dispararam 46,2%.

Expansão dos carros NEVs

  • Os NEVs são carros que utilizam fontes de energia alternativas aos combustíveis fósseis, como eletricidade e hidrogênio, em vez de gasolina ou diesel.
  • São veículos totalmente elétricos (movidos a baterias carregadas por meio da rede elétrica), híbridos plug-in (podem ser carregados pela rede elétrica, mas também usam motor de combustão interna) ou movidos por células de combustível que produzem eletricidade a partir da combinação de hidrogênio e oxigênio.
  • Nos quatro primeiros meses do ano, os NEVs responderam por 42,7% das vendas totais de carros novos na China.
  • Em 2024, ainda segundo os dados da CAAM, os chineses produziram 31,3 milhões de veículos (alta anual de 3,7%) e venderam 31,4 milhões (+4,5%). Esse contingente equivale a 12 anos de produção e vendas do mercado brasileiro.
  • A força da China se reflete no setor de exportações, no qual o país cresceu 19,3% no ano passado, mandando ao exterior cerca de 5,9 milhões de veículos. Deste montante, pelo menos 1,3 milhão de unidades foram de NEVs. Para 2025, a projeção dos chineses é de 32 milhões de veículos vendidos, dos quais 26 milhões devem ser destinados ao mercado interno.

O que explica o domínio da China

Segundo economistas e especialistas na indústria automobilística ouvidos pelo Metrópoles, uma combinação de fatores levou a China ao topo da cadeia no setor, entre os quais um pesado investimento do Estado, o mercado interno gigantesco, a abertura das empresas locais às joint ventures (união de duas ou mais empresas para executar um projeto) e o foco número 1 em investimento e tecnologia.

“Outro fator é a utilização das joint ventures para um aprendizado produtivo, em um primeiro momento, e algum aprendizado técnico. O terceiro ponto é uma competição muito grande e intensa entre as empresas locais na China, inclusive entre as estatais regionais. Isso acelerou o processo de aprendizado”, completa.

Para Diegues, os chineses se aproveitaram de uma “mudança de paradigma” para avançar nos elétricos. “É onde o mercado ainda não está consolidado. Você só consegue avançar se tiver capacidade inovativa acumulada, e os chineses tinham isso, como consequência da indústria eletrônica”, explica. “Em paralelo a tudo isso, houve grande incentivo das políticas públicas, com crédito, incentivos para consolidação de empresas e criação de novas startups.”

Atualmente, as principais marcas ocidentais do setor automotivo se voltaram à China para não ficarem para trás nas inovações do mercado. A Ford, símbolo da indústria automobilística dos Estados Unidos e que produz veículos com sua marca de luxo Lincoln na China, anunciou que pretende exportar esses carros para o mercado norte-americano.

Em abril, a alemã Volkswagen confirmou um investimento de 1 bilhão de euros (cerca de R$ 6,34 bilhões, pela cotação atual) na construção de um centro de pesquisas para desenvolvimento de carros elétricos e automação, na cidade chinesa de Hefei. A norte-americana Tesla, empresa do bilionário Elon Musk, inaugurou na China, em 2019, sua maior unidade fora dos EUA.

André Galhardo, consultor econômico da Remessa Online, diz que “a China sabe que a disputa pela hegemonia econômica global passa por ter um parque fabril moderno e competitivo”. “Eles investiram pesado em tecnologia, pesquisa e desenvolvimento ao longo dos últimos anos, o que ajuda a explicar esse sucesso. Além disso, a China está sob diversas jazidas de materiais estratégicos na produção de baterias e componentes eletrônicos. Esta é uma vantagem geográfica e geológica”, aponta.

“Também há componentes macroeconômicos como a taxa de câmbio sobredesvalorizada, que confere ampla competitividade aos produtos chineses de modo geral. Ela dá capacidade para que empresas chinesas entrem em praças com preços muito competitivos”, completa.

J. R. Caporal, CEO da Auto Avaliar, avalia que a China rapidamente entendeu a importância dos carros elétricos em um momento de transição global e se deu conta de que ali poderia se diferenciar de outras potências econômicas. “No caso dos veículos a combustão, eles [chineses] ficavam no mesmo nível dos outros. Nos veículos elétricos, conseguiram sair muito na frente. O fato é que demorou para as outras marcas tradicionais se adaptarem à produção de veículos elétricos. Houve muita resistência”, afirma.

A invasão chinesa no Brasil

Um levantamento realizado pela Bright Consulting revelou a dimensão do crescimento das marcas chinesas no mercado automotivo brasileiro. Em janeiro deste ano, as montadoras do gigante asiático ampliaram sua participação no Brasil e representaram 8,82% das vendas totais do setor, ante 7,63% em dezembro de 2024. Esse avanço da China impactou diretamente o segmento de eletrificados, que contabilizou 15.921 emplacamentos no primeiro mês de 2025, uma alta anual de 34,9%.

A BYD é a chinesa que mais vendeu no Brasil em 2024, com 76.402 veículos comercializados (a 10ª marca mais vendida no país). Na sequência, aparecem a Chery (50.398 unidades, em 11º) e a GWM (29.218 veículos vendidos, um crescimento de 154%). Com a entrada iminente de novos “players” no mercado, 16 marcas da China devem estar atuando em território brasileiro até o fim de 2025.

Recentemente, a BYD adquiriu a antiga fábrica da Ford em Camaçari (BA), na qual deve iniciar a produção local até o fim deste ano. A GWM, por sua vez, comprou a fábrica da Mercedes-Benz em Iracemápolis (SP) e também deve começar a produzir ainda em 2025. Entre março de 2024 e março deste ano, as buscas por modelos das fabricantes chinesas na plataforma brasileira Webmotors saltaram 51,4%.

“O mercado chinês, por si só, é muito grande. A BYD, sozinha, produz 50% a mais do que todo o mercado brasileiro. Eles precisam se internacionalizar para criar marcas e se posicionar no mercado internacional. O Brasil é um mercado relevante em termos de dimensão e guia a América Latina”, explica Antônio Carlos Diegues, da Unicamp.

“Os EUA estão se fechando cada vez mais para o mercado chinês. A Europa, com mais nuances, também. Na Ásia, provavelmente quem vai dominar é a China. Na África, também. A América Latina ainda está em disputa. Então, eles querem vir para cá para consolidar marcas, tecnologias e mostrar ao Ocidente, no médio e longo prazo, que são confiáveis e têm qualidade”, completa Diegues.

Em 2024, o Brasil importou cerca de 192 mil veículos da China – foi o quarto principal destino global dos carros chineses, atrás apenas de Rússia, México e Emirados Árabes –, totalizando US$ 3,3 bilhões. O crescimento foi de mais de 200% em relação ao ano anterior.

No último dia 12, durante o encerramento do Fórum Empresarial Brasil-China, em Pequim, empresas chinesas anunciaram investimentos de cerca de R$ 27 bilhões no país. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) esteve reunido com o CEO da montadora GAC, Wei Haigang, que confirmou o objetivo de investir de US$ 1,3 bilhão (R$ 7,39 bilhões) na produção de carros elétricos e híbridos em Goiás, além da construção de um centro de pesquisa e desenvolvimento na região Nordeste.

Crédito: Fábio Matos / Metrópoles – @ disponível na internet 17/5/2025

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