Uma armadilha contra os serviços públicos, os servidores e a população brasileira. A constatação permeou praticamente todas as breves falas das 18 entidades que tiveram voz na audiência pública realizada, na manhã da terça-feira (17), pelo Grupo de Trabalho que discute a reforma administrativa na Câmara dos Deputados.
A audiência teve duras críticas à falta de tempo para o debate, apenas três minutos para cada entidade falar, à pouca transparência nesse processo e à tentativa de criar um ambiente que permita aprovar às pressas uma proposta que poderá ter impactos profundos nos serviços públicos.
Já na abertura do evento, o coordenador do Grupo de Trabalho, deputado Pedro Paulo (PSD-RJ), tentou passar a ideia de que a proposta de emenda constitucional e os projetos de lei que podem ser elaborados pelo colegiado referem-se à modernização e eficiência do setor público e não afetarão direitos dos servidores e servidoras.
Disse que ainda “não há texto produzido” para o relatório do Grupo de Trabalho. E fez transparecer incômodo com a inevitável associação do GT à PEC32, a proposta de emenda constitucional que o então presidente Jair Bolsonaro, hoje réu no STF por tentativa de golpe de Estado, não conseguiu aprovar em 2021. O parlamentar nomeado pelo presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), para presidir o Grupo de Trabalho, porém, não conseguiu convencer as representações sindicais do funcionalismo.
Rejeição
Nos criticados escassos três minutos reservados a cada uma das 18 entidades que falaram, não houve uma única mensagem de confiança ou apoio à reforma administrativa. “Refutamos qualquer tentativa de usar a reforma administrativa para inviabilizar aquilo que diz a Constituição Federal, que [prevê] um Estado garantidor de direitos sociais”, disse o servidor Dão Real, do Sindicato Nacional dos Auditores-Fiscais da Receita Federal do Brasil.
Servidores e servidoras ressaltaram que o funcionalismo já ‘conhece os precedentes’ de todas as discussões, entre elas a da PEC32, sobre reforma administrativa no Congresso Nacional. Invariavelmente, disseram, elas acabam em propostas de redução do Estado, menos serviços públicos oferecidos à população, precarização das relações de trabalho e fim da estabilidade.
Representando a Coordenação de Seguridade da Fenajufe, a servidora Arlene Barcellos citou entrevista do deputado Pedro Paulo no qual ele defende proposta de redução de salários e jornadas de servidores – admitida por ele sob a alegação de que seria de ‘forma voluntária’. Outro aspecto destacado criticou propostas de terceirização via regulamentação da flexibilização das formas de contratação nos serviços públicos, como contratos temporários via Pessoa Jurídica (PJ). “Vocês estão destacando que não se mexerá na estabilidade, mas o sistema de contratações temporárias mexe sim na estabilidade”, disse Elizabeth Hernandes, da Anesp (Associação Nacional dos Especialistas em Políticas Públicas e Gestão Governamental).
Também se criticou a pressa com que se tenta aprovar uma matéria de possíveis impactos tão profundos nos serviços públicos e na vida da população brasileira. A intenção dos articuladores do Grupo de Trabalho é que no dia 14 de julho, após 45 dias de funcionamento, apresentar uma proposta de reforma. “É um tempo ínfimo diante dos impactos estruturais que se pretende nessa elaboração”, disse Gustavo Seferian, presidente do Andes-SN, sindicato nacional de docentes do ensino superior, mencionando o desastre que representou para a classe trabalhadora a reforma trabalhista aprovada às pressas em 2017.
‘Dourando a pílula’
A coordenação do Grupo de Trabalho tenta sustentar a ideia de que não se tocará na estabilidade dos servidores e servidoras. Também é evidente o esforço em desvincular a iniciativa da PEC de Bolsonaro e do seu então ministro da Economia, Paulo Guedes, conhecido do funcionalismo por se vangloriar de ter posto uma “granada no bolso dos servidores” ao congelar salários.
O que se percebe, e de certa forma o próprio deputado Pedro Paulo deixa transparecer isso, é que eles temem uma reedição do vitorioso movimento que uniu as entidades sindicais dos servidores em 2021. Naquele ano, uma campanha com sucessivas manifestações em Brasília foi decisiva para deter a PEC32, que, aprovada nas comissões, não chegou a ir a voto no Plenário da Câmara.
Se pela manhã o esforço em ‘dourar a pílula’ foi explícito, como mencionou um representante sindical, na audiência realizada à tarde, agora com associações de setores patronais da economia, não houve parcimônia: a defesa da redução do Estado e de direitos esteve estampada nas falas das entidades empresariais.
Frente Parlamentar contra a reforma
Na noite do mesmo dia, dezenas de dirigentes sindicais participaram de uma reunião por vídeo da Frente Parlamentar Mista do Serviço Público, na qual avaliaram o resultado da audiência, identificada como um debate de fachada. A atividade teve a presença de José Celso Cardoso Jr., secretário da Gestão de Pessoas do Ministério da Gestão e Inovação nos Serviços Públicos. O representante do ministério expôs dados sobre o que defendem para os serviços públicos, afirmando que a posição do governo é contrária à PEC32 e a qualquer ataque à estabilidade.
No entanto, após ser cobrado, evitou firmar compromisso em torno de uma posição firme do governo de oposição ao que se articula no Grupo de Trabalho. Alegou que o governo Lula não tem como intervir numa instância da qual não é integrante e que envolve outro poder da República. No dia 2 de julho, pela manhã, está prevista a participação da ministra Esther Dweck, do MGI, numa audiência pública da reforma administrativa.
Não houve tempo nem espaço na reunião para se aprofundar nesse debate em torno do papel do governo Lula/Alckmin nesse processo. Ao final, a coordenação da Frente Parlamentar propôs a realização de um grande seminário em Brasília sobre o tema no dia 8 de julho e que outras atividades similares, ou audiências públicas, fossem realizadas nos estados.
São articulações que miram a retomada do movimento unificado para enfrentar mais essa ameaça sobre os serviços públicos. Na reunião da Frente Parlamentar, uma frase do deputado Pedro Uczai (PT-SC), que integra o Grupo de Trabalho e esteve nas audiências, resumiu o que esperar deste movimento conservador na Câmara, articulado sob um verniz inofensivo de modernização, caso os servidores não respondam com uma forte e urgente mobilização: “A gente só não sabe o tamanho da porrada que vem, mas a porrada é certa”.
Preocupação que precisa ganhar corpo e movimento, defende o servidor Ciro Manzano, da direção do Sintrajud e que já representou a entidade em reuniões da Frente Parlamentar Mista do Serviço Público. Para ele, está em curso uma tentativa de legitimar propostas ilegítimas e antipopulares. “A revolta é geral contra o fato de que estão decidindo o relatório do Grupo de Trabalho na surdina. Existem documentos que todo mundo sabe que existem, como o da Fiesp e outros, e que nem no no site oficial do GT na página da Câmara aparecem”, critica, ao constatar a necessidade urgente de uma grande mobilização em defesa dos serviços públicos e dos direitos de quem neles trabalha.
Crédito: Helcio Duarte Filho / SINTRAJUD – @ disponível na internet 23/6/2025