Mais de 1 mil postos de combustível estariam sob controle do crime; PF investigará elo com facções
Ministério da Justiça apura denúncia de que bandidos também comandam refinarias e usinas de produção de etanol
A Polícia Federal abrirá inquérito para investigar a atuação do crime organizado no setor de combustíveis. A medida foi definida após reunião com o ministro da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Lewandowski, na tarde desta quarta-feira, 5.
O ministro participou da primeira reunião do Núcleo Estratégico de Combate ao Crime Organizado, que reúne representantes do Ministério da Justiça, da Polícia Federal, da Polícia Rodoviária Federal, entre outros órgãos.

O encontro do grupo tratou sobre a inserção do crime organizado no setor de combustíveis. De acordo com o ministro, há relatos de controle de organizações criminosas até mesmo em refinarias de petróleo, o que tem preocupado autoridades estaduais e federais.
Lewandowski afirmou que este tópico específico foi trazido à pasta pelo governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), que afirmou que quatro usinas de etanol em recuperação judicial teriam sido adquiridas pelo crime organizado.
“O número mais exato que nos foi transmitido é de 1.100 postos (de combustíveis), mas é um número a ser apurado. Temos informações que também há controle de refinarias, e usinas de produção de etanol estariam também sendo controladas pelo crime organizado. Essa é uma preocupação que o governador do Estado de São Paulo nos transmitiu”, disse.
Como o Estadão mostrou, quadrilhas têm diversificado os modelos de negócio e expandido sua atuação. No setor de combustíveis, por exemplo, há elo do Primeiro Comando da Capital (PCC) e outras facções na adulteração de combustíveis.
Em 2023, a Agência Nacional de Petróleo emitiu 187 autos de infração relacionados à adulteração de combustível por metanol. O número recorde representou um aumento de 73,5% em comparação com 2022. Quando se compara com períodos anteriores, a diferença é ainda maior. Em 2020, por exemplo, foram somente 37 casos desse tipo contabilizados pela agência.
O ministro anunciou também a criação de um subgrupo específico para estudar medidas normativas para coibir a atuação de facções no setor de combustíveis.
Além de autoridades da área de segurança, participaram da reunião representantes da Receita Federal, do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), e do Ministério de Minas e Energia.
“O Cade já identificou a possibilidade de cartéis, tanto de cartéis que diminuem os preços como aqueles que fazem subir os preços para eliminar a concorrência”, relatou.
Sonegação e fraudes operacionais
Estimativa do Instituto Combustível Legal (ICL) aponta que cerca de R$ 30 bilhões são desviados por ano no setor, sendo metade em sonegação e outra metade em fraudes operacionais, como adulteração de etanol e chips na bomba (usados para ludibriar o cliente quanto ao valor a ser pago). Alguns dos prejuízos a consumidores, porém, são difíceis de mensurar, uma vez que muitos sequer associam problemas no carro ao abastecimento do tanque.
São cerca de 43 mil postos de gasolina no País, segundo levantamento do setor. Há postos que, mesmo não apresentando combustível adulterado ao consumidor, sonegam impostos ou realizam processos fraudulentos para obter os insumos vendidos. Segundo autoridades, há quadrilhas que se aproveitam, por exemplo, de o álcool etílico hidratado, conhecido como carburante (usados nos veículos), ser basicamente o mesmo álcool para fins de indústria, só que normalmente com alíquota maior de imposto.
Diante disso, esses grupos criam empresas fantasmas para importar esse segundo tipo de álcool, supostamente para usar na indústria. Quando as cargas chegam, porém, usam para abastecer redes de postos, de forma a multiplicar os lucros.
Crédito: Paula Ferreira / O Estado de São Paulo – @ disponível na internet 7/7/2025
Álcool tóxico e elo com PCC: como agem quadrilhas que adulteram combustível
Para driblar fiscalização, grupos diversificam estratégias e ganha força o uso do metanol para mudar composição do produto. ANP, polícias e Ministério Público atuam contra criminosos
Em um posto de Niterói (RJ), o etanol vendido nas bombas não estava só “batizado”, como composto por 92,1% de metanol, uma substância tóxica – o limite permitido pela lei é de 0,5%. Flagrantes de uso irregular e adulteração com o produto, como esse feito pela Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) em julho de 2023, ficaram mais comuns no último ano.
“Era tão alta a porcentagem que o metanol era praticamente o combustível vendido”, diz o promotor Pedro Simão, responsável por oferecer a denúncia pelo Ministério Público do Rio (MP-RJ). As investigações indicaram que o esquema se estendeu pelo menos de março até o fim do ano passado.
Os autos de infração relacionados a metanol emitidos pela ANP atingiram, no ano passado, o recorde desde que começaram a ser contabilizados, em 2017. Foram 187 registros, alta de 73,5% ante os números de um ano antes (108). Quando se compara com períodos anteriores, a diferença é ainda maior. Em 2020, por exemplo, foram somente 37 casos desse tipo contabilizados pela agência.
Para driblar a polícia, quadrilhas diversificam as estratégias pelo País, em esquemas chegam a envolver grandes facções criminosas, como até o Primeiro Comando da Capital (PCC). De um ano para cá, além do Rio, houve operações que miram adulterações em combustíveis em vários Estados, entre eles São Paulo, Bahia, Maranhão e Paraná.

Conforme a ANP, diante da “incidência incomum de contaminação por metanol” entre abril e setembro do ano passado, foram adotadas medidas. A agência, por exemplo, indeferiu 67 pedidos de importação de metanol em 2023, o que evitou a entrada de cerca de 63 mil m³ do produto para possível uso irregular no País — muitas vezes, o esquema só se revela fraudulento na distribuição.
Cinco suspeitos foram denunciados ao Tribunal de Justiça do Estado do Rio e tornaram-se réus no fim do ano passado. Entre eles, o empresário Carlos Eduardo Fagundes Cordeiro, de 49 anos, foragido desde então. Segundo a denúncia, a qual o Estadão teve acesso, ele é descrito como “mentor intelectual e responsável por todas as fases da empreitada delituosa”.
Procurada pela reportagem, a defesa de Cordeiro afirmou que o empresário provará inocência ao final do processo. “Ele segue ausente da prisão, mas, desde o primeiro momento, se fez presente por advogado nos autos e terá o seu direito de exercer sua autodefesa”, disse o advogado Jairo Magalhães.
Crédito: Ítalo Lo Re / O Estado de São Paulo – @ disponível na internet 7/7/2025