A Virada de Bill Gates no Debate Climático para a COP30.

0
92
@reprodução internet

A Virada de Bill Gates no Debate Climático para a COP30; Entenda

Nas últimas semanas antes da COP30 que começa nesta segunda-feira (10), Bill Gates pediu à comunidade global que concentrasse seus esforços principalmente em melhorar o bem-estar humano, a saúde e a agricultura nos países em desenvolvimento.

Essa mensagem representa uma mudança significativa em relação à sua visão anterior, segundo a qual as mudanças climáticas são uma ameaça existencial urgente que exige que a comunidade global priorize grandes investimentos imediatos em tecnologias de redução de emissões.
COP30 Inicia em Belém com Incerteza Sobre Acordo Final
As duas visões de Gates, a anterior e a atual, correspondem, respectivamente, às posições articuladas pelos economistas William Nordhaus e Sir Nicholas Stern em um famoso debate ocorrido em 2007. A visão atual de Gates está mais próxima da posição defendida por Nordhaus, enquanto sua visão anterior se aproxima da de Stern. As conclusões extraídas desse debate sugerem que é preciso grande cautela ao interpretar a nova mensagem de Gates.

Se a nova visão de Gates estiver correta — e esse é um grande “se” —, a análise econômica subjacente ao debate Nordhaus-Stern oferece algumas conclusões contundentes. Especificamente, essa análise sugere o seguinte:

Mantendo as atuais taxas de emissões, até o final do século as temperaturas atmosféricas se aproximarão de 4 °C acima dos níveis pré-industriais; porém, devido aos avanços tecnológicos, os padrões de vida serão 3,91 vezes maiores do que hoje.   

Seguindo as taxas de emissões recomendadas por Nordhaus, até o final do século as temperaturas atmosféricas ultrapassarão 3 °C acima dos níveis pré-industriais; contudo, os padrões de vida serão 3,93 vezes maiores do que atualmente. 

Seguindo as taxas de emissões recomendadas por Stern, até o final do século as temperaturas atmosféricas ultrapassarão 2 °C acima dos níveis pré-industriais; entretanto, os padrões de vida serão 4,27 vezes maiores do que hoje. 

Esses três pontos partem do pressuposto de que a nova visão de Gates está correta, e as implicações são monumentais para as políticas de emissões. Uma das principais conclusões da análise é que, sob essa premissa, os avanços tecnológicos superariam os danos causados pelas mudanças climáticas.

Nesse cenário, a política de emissões teria apenas efeitos menores sobre o padrão de vida no final do século. Por essa razão, as premissas que sustentam a nova visão de Gates são cruciais. É importante notar que essas premissas são controversas e, portanto, é essencial compreender as nuances do debate entre Nordhaus e Stern.

Modelos de Avaliação Integrada e o Histórico Debate Nordhaus-Stern
Um modelo econômico de avaliação integrada combina modelos de ciência climática e de análise econômica. Em 2018, Nordhaus recebeu o Prêmio Nobel por seu trabalho no desenvolvimento do primeiro modelo IAM.

Seu modelo fornece uma estrutura coerente para analisar diferentes perspectivas, como as de Nordhaus e Stern, e as visões atual e anterior defendidas por Gates.

O modelo IAM de Nordhaus gera trajetórias projetadas para várias variáveis básicas, como emissões, produto interno bruto, consumo per capita, concentração atmosférica de carbono e temperatura atmosférica. Assim, o IAM é fundamental para analisar como diferentes políticas podem impactar a coevolução do crescimento econômico e da temperatura atmosférica ao longo deste século.

Em 2007, Nordhaus e Stern apresentaram recomendações fortemente divergentes para as trajetórias futuras de emissões e as previsões associadas de aumento da temperatura atmosférica. A trajetória de emissões preferida por Nordhaus previa um aumento de 3,5 °C, enquanto a trajetória preferida por Stern previa um aumento de 2,3 °C.

A diferença nas recomendações de Nordhaus e Stern pode ser atribuída, essencialmente, a três fatores:

Bill Gates @ getty images

o peso que a geração atual atribui ao bem-estar das gerações futuras; a magnitude dos danos que temperaturas mais altas impõem à produção econômica; as melhorias na produtividade decorrentes dos avanços tecnológicos.   

No debate, Stern enfatizou os dois primeiros fatores. Em comparação com Nordhaus, ele atribuiu muito mais importância aos danos futuros que as emissões atuais causariam em razão das mudanças climáticas.

Já Nordhaus deu mais ênfase aos ganhos futuros de produtividade, incluindo avanços em tecnologias de redução de emissões e remoção de dióxido de carbono da atmosfera. Ele previa que, até o fim do século, os avanços tecnológicos fariam com que as pessoas estivessem em situação muito melhor do que em 2007, apesar das mudanças climáticas. 

Os avanços tecnológicos são um componente essencial dos modelos IAM. Segundo as premissas de Nordhaus sobre os danos climáticos, seu modelo implica que, no fim do século, as pessoas estarão em situação melhor do que atualmente.

Com as mesmas premissas, o padrão de vida seria um pouco mais alto sob a política recomendada por Stern do que sob a de Nordhaus. No entanto, a diferença entre as duas é pequena, porque os avanços tecnológicos superam os danos climáticos. Mais importante ainda: manter as atuais taxas elevadas de emissões produziria, no modelo, aproximadamente o mesmo padrão de vida no final do século que as políticas recomendadas tanto por Nordhaus quanto por Stern.

Premissas Fundamentais do Novo Argumento de Gates
Tendo isso em mente, é possível analisar a nova visão de Gates. Os trechos entre aspas abaixo são declarações feitas por ele em seu blog, onde explicou essa nova visão.

A nova posição de Gates se baseia em “três verdades”:   

As mudanças climáticas são um problema sério, mas não significarão o fim da civilização, mesmo que o aumento da temperatura global (em relação ao período pré-industrial) chegue a 3 °C até o fim do século. “Entre agora e 2040, ficaremos muito aquém das metas climáticas globais. Uma razão é que a demanda mundial por energia está aumentando — mais que dobrará até 2050.”   

A temperatura não é a melhor forma de medir o progresso climático. Uma métrica melhor é a qualidade de vida.     

Saúde e prosperidade são a melhor defesa contra as mudanças climáticas. Gates afirma: “A qualidade de vida pode parecer um conceito vago, mas não é. Uma ferramenta útil para medi-la é o Índice de Desenvolvimento Humano das Nações Unidas…   

Os 30 países com as pontuações mais baixas concentram uma em cada oito pessoas do planeta, mas produzem apenas cerca de um terço de 1% do PIB global. Eles têm as maiores taxas de pobreza e, tragicamente, os piores resultados de saúde.”
Risco Climático Catastrófico     

A situação descrita nas três verdades é consistente com as características do modelo IAM de Nordhaus (2016), especialmente no que se refere aos danos climáticos e ao progresso tecnológico. A ideia do “fim da civilização”, citada na primeira verdade, está relacionada a suposições de danos climáticos muito maiores do que os incorporados ao modelo de 2016.

O falecido economista ambiental Martin Weitzman apresentou talvez a crítica mais importante ao debate Nordhaus-Stern. Ele sustentou que reduzir as emissões está menos relacionado ao padrão de vida e mais ao gerenciamento de riscos climáticos catastróficos. Nordhaus tinha grande respeito por Weitzman e chegou a declarar publicamente que, antes de receber o Nobel de Economia, pensou que Weitzman poderia compartilhar o prêmio com ele.

A tese de Weitzman, de que a redução das emissões é uma questão de gestão de riscos, é consistente com a visão de cientistas climáticos como Tim Lenton, diretor fundador do Global Systems Institute da Universidade de Exeter. Lenton enfatiza há muito tempo os riscos de ultrapassar pontos críticos perigosos do clima, como os ligados à Floresta Amazônica ou às calotas polares. Ele tem sido incisivo ao criticar a comunidade internacional por não tratar as mudanças climáticas como uma questão de avaliação de riscos.

Lenton critica Nordhaus por não incluir esses pontos de inflexão na parte de danos climáticos do seu modelo IAM e, em especial, por ter usado suas (de Lenton) pesquisas para justificar essa omissão.

A questão dos pontos de inflexão catastróficos levantada por Weitzman e Lenton é a preocupação mais séria em relação à trajetória de emissões recomendada por Nordhaus — e, por consequência, à nova visão de Gates. Levar em conta o risco catastrófico muda o peso do argumento da posição de Nordhaus para a de Stern. Da mesma forma, desloca a lógica da nova visão de Gates de volta para sua visão anterior.

Reduzir emissões é uma estratégia de gerenciamento de risco para lidar com a possibilidade de danos climáticos catastróficos. Não reduzir as emissões aumenta o risco de sofrer danos significativos e reduz drasticamente as expectativas de padrão de vida no final do século. Por outro lado, ajustar as emissões de acordo com as recomendações dos modelos IAM, considerando o risco de pontos de inflexão, ainda leva à seguinte previsão: os padrões de vida no final do século serão muito mais altos do que os atuais, apenas não tão altos quanto os supostos por Nordhaus originalmente.

Se a nova visão de Gates for válida, então as taxas de emissões, os impostos sobre o carbono e os subsídios aos combustíveis fósseis são questões relativamente menores. Mas se essa visão for inválida, em razão do risco catastrófico, então essas mesmas questões tornam-se críticas.

A nova posição de Gates está centrada em sua afirmação de que “as pessoas poderão viver e prosperar na maioria dos lugares da Terra no futuro previsível”. Essa é uma crença baseada na confiança de que os avanços tecnológicos superarão os danos climáticos. No entanto, é uma crença subjetiva de Gates, apresentada sem respaldo identificável da comunidade científica climática. Ignorar a perspectiva de gestão de riscos apresentada por especialistas como Weitzman e Lenton é uma fragilidade séria em seu argumento. O autor entrou em contato com Gates para obter uma resposta, mas não recebeu retorno.

Conclusão até aqui
A ideia de “fim da civilização” representa uma suposição extrema sobre os danos climáticos. No modelo de Nordhaus, é possível adotar danos mais severos do que os do IAM de 2016 sem necessariamente implicar o colapso civilizacional. Passar de uma suposição extrema para outra, portanto, pode ser perigoso.

É importante destacar que melhorar o bem-estar humano, a saúde e a agricultura nos países em desenvolvimento são metas legítimas e valiosas. A recomendação de Gates para investir em tecnologia como meio de alcançar esses objetivos é sustentada pelos modelos IAM — mas apenas até certo ponto, o ponto em que é necessário gerenciar o risco climático catastrófico. As afirmações de Gates sobre prosperar em um mundo 3 °C mais quente exigem respaldo de cientistas climáticos reconhecidos. Gates não menciona a existência desse apoio e, até o momento, a reação da comunidade científica tem sido majoritariamente negativa.

Na ausência de evidências de que a comunidade científica tenha revisado substancialmente sua posição sobre os riscos do aquecimento elevado, é prudente tratar com cautela a nova visão adotada por Gates.

Leia mais em: https://forbes.com.br/forbesesg/2025/11/a-virada-de-bill-gates-no-debate-climatico-para-a-cop30-entenda/

Crédito: Hersh Shefrin / FORBES – @ disponível na internet 12/11/2025


Em carta à COP 30, Bill Gates critica ‘visão apocalíptica’ sobre o clima  www.conjur.com.br/2025-nov-07/em-carta-a-cop-30-bill-gates-critica-visao-apocaliptica-sobre-o-clima/

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui