Muitos críticos indicaram que a honra, na verdade, é de um anglo-neozelandês – Ernest Rutherford (1871-1937), nascido na Nova Zelândia. Ele fez a descoberta científica em 1919, na então chamada Universidade Victoria de Manchester, no Reino Unido.
Grosso modo, esta afirmação é correta. Mas, para os especialistas neste campo, a resposta mais completa sobre quem foi o primeiro a dividir o átomo é quase tão complexa quanto a ciência envolvida no processo.
Afinal, nas palavras do físico de partículas Harry Cliff, a própria expressão “dividir o átomo” é “problemática”.
Os átomos são blocos de construção de todos os tipos de matéria, compostos de um núcleo e uma série de elétrons em órbita dele.
Seu nome se deriva do termo em grego clássico para “indivisível”.
Em 1803, a teoria atômica de John Dalton (1766-1844) trouxe o átomo para a análise científica. Mas o cientista de Manchester deixou claro que concordava com os gregos antigos. Ele também acreditava que os átomos não poderiam ser decompostos em partículas menores e mais simples.
Quase um século depois, em 1897, Joseph John Thomson (1856-1940), também de Manchester, descobriu o elétron. Ele trabalhava na Universidade de Cambridge, no Reino Unido. Com isso, Thomson comprovou que o átomo tem partes componentes menores.
Esta descoberta abriu as portas para as hipóteses e experimentações subatômicas.

O que fez Rutherford?
Rutherford fez uma série de descobertas sobre a natureza do átomo. Trabalhando em conjunto com seus colegas Hans Geiger (1882-1945) e Ernest Marsden (1889-1970), ele apresentou um modelo planetário do átomo em 1911.
O modelo mostrava que os átomos possuem um núcleo central, com carga positiva, e elétrons em órbita, como planetas em volta de uma estrela.
Posteriormente, ele e sua equipe realizaram experimentos em Manchester, entre 1914 e 1919. Estes experimentos foram descritos como sendo os primeiros a “dividir o átomo”.
Rutherford lançou feixes de partículas radioativas sobre gás nitrogênio, que se transformou em oxigênio ao “cuspir para fora” um núcleo de hidrogênio.

Cliff afirma que os cientistas encontraram “o que, hoje, chamamos de próton”, uma partícula de construção presente em todos os átomos.
Ele explica que Rutherford mostrou pela primeira vez “que é possível realizar este tipo de reações nucleares, fazendo uma coisa colidir na outra e produzindo algo novo. Isso nunca havia sido feito antes.”
Rutherford não usou o termo divisão. Ele chamou o processo de “desintegração”.
Ele escreveu, em dezembro de 1917, que acreditava que seus experimentos “em última análise, seriam de grande importância” e “ajudariam muito a desvendar o caráter e a distribuição das forças próximas ao núcleo”.
“Também estou tentando romper o átomo com este método”, acrescentou ele. “Em um caso, os resultados pareceram promissores, mas será necessário muito trabalho para ter certeza.”
O que aconteceu em seguida?
O professor de história James Sumner afirmou que o trabalho de Rutherford certamente foi “um desenvolvimento conceitual fundamental”, mas foi menos sobre “divisão” e mais sobre como “transformar um elemento em outro”.
Mas Rutherford estava longe de encerrar seus experimentos com o átomo. Ele retornou à Universidade de Cambridge em 1919 como diretor do Laboratório de Cavendish, mantido pela instituição. E supervisionou as primeiras tentativas deliberadas de “dividir” o núcleo do átomo.

Cliff conta que, sob a liderança de Rutherford, os alunos John Cockcroft (1897-1967) e Ernest Walton (1903-1995) construíram, em 1932, um dos primeiros aceleradores de partículas do mundo – uma máquina poderosa que “literalmente dividiu o átomo ao meio”.
Ele declarou, para compreensão geral, que “um ser humano como Prometeu esmagou o átomo em pedaços, foi o que aconteceu”.
Mas Sumner afirma que aquele “não foi o tipo de divisão do átomo que levou à energia nuclear e às bombas atômicas”. Isso, segundo ele, “viria ainda um pouco mais tarde”.
Por que os cientistas americanos talvez tenham razão?
O conhecimento de muitas pessoas sobre a ciência atômica passa pela lente do ultrassecreto Projeto Manhattan, principalmente depois do filme vencedor do Oscar que tratava do projeto e de uma das suas figuras mais proeminentes, J. Robert Oppenheimer (1904-1967).
O projeto de pesquisa e desenvolvimento americano foi criado em 1942. Seu objetivo era produzir as primeiras armas nucleares a utilizar a potência atômica.
Sumner explica que, embora fosse sediado e financiado nos Estados Unidos, o projeto era composto por cientistas de todo o mundo, que “atravessaram as fronteiras nacionais para colaborar”.
Entre os recrutados por Oppenheimer para a equipe, estava o físico italiano Enrico Fermi (1901-1954). Afirmava-se que ele teria sido o primeiro a dividir o átomo durante seus experimentos em Roma, na Itália. Ele partiu um núcleo em duas ou mais partes menores em 1934.

Os químicos alemães Otto Hahn (1879-1968), ex-aluno de Rutherford, e Fritz Strassmann (1902-1980), repetiram seus experimentos pelos quatro anos seguintes. E, em 1938, perceberam que Fermi havia descoberto a fissão nuclear.
A fissão ocorre quando o núcleo de elementos instáveis, como urânio e plutônio, se divide, liberando grandes quantidades de energia.
Fermi fugiu da Itália em 1939. Ao chegar a Chicago, nos Estados Unidos, ele construiu o primeiro reator nuclear. O aparelho induziu e controlou uma reação nuclear em cadeia, fazendo com que átomos de urânio se dividissem continuamente.
Este trabalho e os anteriores de Rutherford formaram a base para a criação de armas atômicas, que aproveitariam o processo de fissão nuclear com efeitos devastadores.
Para Cliff, o Projeto Manhattan foi “uma espécie de industrialização daquela ciência para produzir algo que realmente trouxe enorme impacto para o planeta”.
Qual foi o resultado?
Independentemente de quem dividiu o átomo primeiro, o trabalho de Rutherford, Walton, Cockcroft, Oppenheimer, Fermi, Geiger, Marsden e uma série de outros cientistas pioneiros abriu o caminho para a era nuclear e o maior experimento científico da história da humanidade.
O Grande Colisor de Hádrons (LHC, na sigla em inglês), um enorme acelerador de partículas, foi construído sob os Alpes entre 1998 e 2008, para esmagar átomos e estudar os resultados.
Ele trouxe descobertas como o bóson de Higgs, a chamada “partícula de Deus”. E continua a permitir que os cientistas investiguem cada vez mais o mundo subatômico.

Cliff trabalha na sede do Cern (sigla em francês que designa a Organização Europeia para a Pesquisa Nuclear) no LHC. Ele afirma que o trabalho se dedica a descobrir as “partículas fundamentais que compõem o universo e que ainda não descobrimos”.
Um exemplo é a matéria escura, uma substância invisível que representa 80% de toda a matéria e “para a qual todos adorariam encontrar uma explicação”.
Para ele, estes esforços “são herança direta” dos primeiros experimentos de Rutherford, agora “em uma escala que ele nunca poderia ter imaginado”.
Crédito: Ewan Gawne : BBC News em Manchester (Inglaterra) – @ disponível na internet 25/2/2025