Acusada pelo Ministério Público, presidente afastada corre risco de processo por crime de obstrução de Justiça. Respondendo por crime de responsabilidade, petista teria sua vida fora do Planalto transformada em um labirinto cuja saída pode ser condenação por crime comum.
Perder os direitos políticos por oito anos com o impeachment poderá ser o menor dos problemas para a presidente afastada Dilma Rousseff. Hoje ela já é investigada pela Procuradoria-Geral da República (PGR) e pela Polícia Federal como suspeita de tentar obstruir o trabalho da Justiça na Operação Lava Jato. O ministro Teori Zavascki, do Supremo Tribunal Federal (STF), aceitou o pedido do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, que pretende comprovar não só a ação de Dilma, mas também do ex-presidente Lula, de dois dos seus auxiliares diretos e de outros dois ministros do Superior Tribunal de Justiça para tirar da cadeia empreiteiros acusados de pagar propina para obter contratos com a Petrobras e, em troca, financiar ilegalmente as campanhas eleitorais do PT e de partidos aliados.
Se confirmado o impeachment, o que parece provável diante das declarações de voto de um número expressivo de senadores, Dilma voltará para casa em Porto Alegre para se dedicar ao que mais gosta mesmo de fazer – suas leituras e cuidar do neto, e não a política partidária com cargo eletivo. Mas não vai escapar de prestar depoimentos, de buscar provas da sua inocência para as acusações de Janot e de elaborar teses para sua defesa com a ajuda de bons advogados, sempre caros.
Como ex-presidente e já sem o foro privilegiado, Dilma cairá nas mãos do juiz Sérgio Moro, responsável na 13ª Vara Criminal Federal de Curitiba pelos julgamentos da Lava Jato e seus desdobramentos na primeira instância. Quando isso ocorrer, a defesa política que fará na próxima semana no Senado, de que não cometeu crime de responsabilidade ao editar decretos para abrir créditos suplementares ao Orçamento da União, parecerá amena diante de um juiz com ganas de botar no currículo a devassa que diz estar fazendo na antiga estrutura corrupta que sempre financiou as eleições brasileiras.
A acusação do PGR contra Dilma é técnica. Envolve delito previsto no Código Penal – Crimes contra a administração da Justiça (artigos 338 e 359 do CP), que prevê pena de um a três anos de reclusão. Ou pode ser enquadrada no artigo 2, parágrafo primeiro da Lei 12.950/13, que prevê pena de três a oito anos de cana mais multa. Ela não responderá mais pelo descumprimento da Lei de Responsabilidade Fiscal, como acontece hoje no Senado.
Dilma é acusada pelo PGR de tramar a nomeação do ministro Marcelo Navarro para o STJ com a ajuda do então presidente daquela corte, ministro Francisco Falcão, e a intermediação política dos ex-ministros Aloizio Mercadante (Casa Civil) e José Eduardo Cardozo (Justiça) para que Navarro atuasse para conceder habeas corpus e libertasse os empreiteiros pegos pela Lava Jato. Todos do grupo também são investigados como suspeitos do mesmo crime de obstrução de Justiça.
Na semana passada, o ministro Teori anulou a utilização da gravação, feita em dia 16 de março, do telefonema em que Dilma avisa a Lula que está enviando ao seu padrinho político o documento que o nomeava chefe da Casa Civil, com o objetivo de livrá-lo de um possível pedido de prisão. O ministro alegou que o prazo para o grampo autorizado pela Justiça já tinha expirado.
O vazamento do conteúdo do grampo, momento antes da posse de Lula na Casa Civil, atingiu o objetivo de criar confusão política e jogar Dilma e Lula contra a opinião publica e o Congresso. Naquele dia, um grupo de deputados que ainda tinham dúvidas decidiu votar pela admissibilidade do pedido de impeachment, por considerar a conversa criminosa. No telefonema Dilma avisa a Lula: “Seguinte, eu to mandando o Bessias junto com o papel pra gente ter ele e só usar em caso de necessidade, que é o termo de posse, tá?”.
Mesmo assim, Janot argumentou com Teori, na semana passada, que tem outras provas de que tanto Dilma quanto Lula, Mercadante, Cardozo, Navarro e Falcão tentaram mesmo atrapalhar a Lava Jato. O PGR utilizou como argumento o conteúdo da delação premiada que fez o senador cassado Delcídio do Amaral, também acusado de atrapalhar a Justiça ao organizar a fuga do ex-diretor da Petrobrás Nestor Cerveró, com o objetivo de evitar que o depoimento do ex-executivo da estatal atingisse Dilma, Lula e empreiteiros envolvidos em corrupção na empresa, além dele mesmo. Janot quer provar que a nomeação de Navarro para o STJ fez parte do plano para salvar a turma toda e, para isso, conta com a ajuda de Delcídio.
Para quem nunca quis disputar um cargo eletivo e foi ministra e presidente sem a menor paciência com as características do setor público, o inquérito que Janot quer transformar em processo pode jogar Dilma, seus ex-ministros, o ex-presidente Lula, Navarro, Falcão e Delcídio em um labirinto que tem a cadeia como uma das saídas.
Leonel Rocha é Editor daRevista Congresso em Foco, tem mais de 30 anos de atividade profissional como jornalista. Passou por algumas das principais redações do país (entre elas, as revistas Época e Veja e o jornal O Estado de S. Paulo).
Crédito: Artigo publicado dia 20/08/2016 no Congresso em Foco – disponível na web 23/08/2016
Nota: O presente artigo não traduz a opinião do ASMETRO-SN. Sua publicação tem o propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.