Aos 80 anos e com um tumor no fígado, Antônio Teixeira foi recusado por uma operadora quando tentou trocar a Unimed Sergipe por outro plano de saúde, na tentativa de tratar sua doença em São Paulo. O “não” veio sem justificativa, apesar de Antônio cumprir as regras para migrar de plano sem precisar de um “prazo mínimo” para isso, pela chamada portabilidade de carências (entenda as diferentes portabilidades abaixo).
TIPOS DE PORTABILIDADE
O mecanismo permite trocar de plano de saúde sem precisar cumprir carência (tempo mínimo para usar o plano), desde que dentro das regras exigidas. Veja quem pode usar:
Portabilidade de carências
Podem migrar todos os clientes insatisfeitos com o plano atual, seja individual, familiar, ou plano coletivo por adesão.
Portabilidade especial
Pode ser usada em três casos: se a operadora teve o registro cancelado pela ANS ou faliu; em caso de demissão ou exoneração do cliente sem justa causa ou aposentadoria; dependentes que perderam o vínculo com o titular do plano por morte ou perda dessa condição de dependência.
Portabilidade extraordinária
É decretada em situações excepcionais, quando há intervenção para garantir opções ao beneficiário, como quando os planos no mercado são insuficientes ou incompatíveis com o plano de origem.
Dados fornecidos ao G1 via Lei de Acesso à Informação (LAI) mostram que mais da metade dos clientes de 2 operadoras de pequeno e médio porte com problemas financeiros (SMS e Viva Planos de Saúde) ficaram sem plano de saúde mesmo com a portabilidade extraordinária decretada pela Agência Nacional de Saúde (ANS). Esses dados vão do período anterior à portabilidade até julho deste ano.
Ângela, filha de Antonio, decidiu pedir a portabilidade meses após o plano do pai ter perdido a cobertura de vários procedimentos. Após a recusa, ela procurou um advogado e conseguiu transferir o pai para um plano de outra operadora pelo mecanismo, oito meses depois, por meio de uma liminar. Mas o plano ficou bem mais caro que o antigo: passou de R$ 800 mensais para cerca de R$ 6 mil.
Não havia opções mais baratas no mercado, lembra Ângela. “Era tudo muito básico”. Ela conta que o novo plano é um pouco melhor, mas também negou alguns procedimentos médicos ao pai. “Meu pai sempre pagou plano de saúde e quando mais precisou da portabilidade foi negado. Tem que entrar na Justiça mesmo”, desabafa.
Segundo o advogado especializado em direito da saúde do escritório Vilhena e Silva Advogados, Marcos Patullo, a portabilidade é uma “arma importantíssima para o consumidor”, mas acaba não sendo muito cumprida pelas operadoras.
Solução só com dinheiro e advogado
Carmen Falcão (o nome foi trocado a pedido da personagem), de 94 anos, também teve problemas quando tentou trocar de plano sem precisar cumprir carência (entenda as diferentes portabilidades no quadro abaixo). Cliente da Golden Cross – que teve a carteira comprada pela Unimed-Rio – Carmen passou a ser atendida em 2013 pela Unimed Paulistana, da mesma rede credenciada, por ser moradora de São Paulo. A operadora faliu no ano passado.
Nessa transição, ela tinha uma cirurgia marcada para colocar um suporte no fêmur, mas só conseguiu fazer um mês depois, após obter uma liminar. Insatisfeita com a nova operadora, sua filha Débora (nome fictício) recebeu um “não” quando tentou transferir a mãe para outro plano de saúde pela portabilidade de carências. “Liguei mais de 40 vezes pedindo uma orientação e ninguém me deu uma resposta sequer”, diz.
Decidiu então ir à Justiça para não deixar a mãe sem atendimento. “Ela não era doente, só tinha idade avançada”, conta. Uma liminar garantiu a portabilidade para o plano da operadora. “Se você for idoso e não tiver dinheiro para pagar um advogado, não consegue mudar de plano de saúde”, comenta Débora.
Se o beneficiário cumprir os requisitos e prazos da portabilidade, a operadora é obrigada a aceitá-lo no plano. Em geral, ele precisa comprovar que pagou todas as mensalidades, estar há mais de dois anos neste plano e procurar um plano compatível com o anterior em cobertura.
“Mesmo estando dentro dessas regras, a negativa em razão da idade ou doenças pré-existentes é muito comum, mesmo que as operadoras não deixem isso por escrito, porque é proibido por lei negar o beneficiário por esses motivos”, explica Patullo.
Os planos de saúde perderam 1,64 milhão de clientes entre junho do ano passado e o mesmo mês deste ano, passando para 48,48 milhões de beneficiários, segundo dados da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS).
Dificuldades da portabilidade extraordinária
Em situações mais graves, como falência ou crise financeira de uma operadora, a ANS pode decretar a portabilidade extraordinária. Esse tipo de migração possui regras mais brandas que a portabilidade comum (entenda no quadro) para tentar facilitar a transferência dos clientes para outros planos.
A operadora SMS, de médio porte, passou por três portabilidades extraordinárias e uma especial desde setembro de 2014, quando tinha mais de 36 mil beneficiários, segundo a ANS. Até julho deste ano, apenas 22% deles estavam em outros planos de saúde.
Segundo a agência reguladora, 70% dos beneficiários da SMS tinham contrato coletivo empresarial quando foi decretada a portabilidade. “Assim, se durante o período analisado não ocorreu uma nova contratação de plano empresarial pelo empregador ou estes beneficiários perderam o emprego, eles podem não ter restabelecido a cobertura por plano de saúde, a não ser que o tivessem feito por um plano individual ou coletivo por adesão”, explicou.
Este mês, a ANS decretou um novo período de portabilidade para dar “mais uma chance a esses consumidores para fazerem uso do instrumento na transferência para outras operadoras”. A operadora terá liquidação judicial decretada em novembro.
Já a Viva Planos de Saúde, uma operadora de pequeno porte que está em liquidação judicial desde julho, tinha nesse período 61% de seus 4.859 beneficiários sem um plano de saúde, após passar por três portabilidades.
Quase 20% dos clientes da Unimed Paulistana ficaram sem plano
O G1 também levantou dados da Unimed Paulistana, que faliu no ano passado. Segundo a ANS, 81,2% dos clientes (566 mil pessoas) da operadora migraram para outro plano de saúde entre setembro de 2015 e março deste ano, quando foi encerrada a portabilidade extraordinária.
Os outros 18,8% (106 mil) não tinham registro em nenhuma operadora neste período – mesmo após um acordo assinado por várias entidades que criou novos planos para receber esses beneficiários e que, segundo a ANS, serviu para “acelerar o processo de proteção desses consumidores e garantir sua assistência”.
Depois, a agência estendeu a portabilidade dos planos da Paulistana para qualquer outra operadora.
O Ministério Público de São Paulo (MP-SP), que participou do acordo, informou ao G1 que a Unimed se obrigou a comunicar seus clientes, por carta, sobre o prazo e os documentos para fazer a portabilidade, que não é obrigatória.
“A Promotoria do Consumidor, contudo, irá verificar se houve a efetiva comunicação retro mencionada e se esta deu-se na forma pactuada no respectivo TAC [acordo]”, informou o promotor Fernando Cechi por nota.
Ao G1, a Unimed do Brasil, que representa o Sistema Unimed, informou que a portabilidade dos clientes da Paulistana foi cumprida por suas operadoras conforme as normas e prazos da ANS. “Em 2015, ano em que foi iniciado este processo de portabilidade, o mercado de planos de saúde começava a enfrentar dificuldades, sendo fortemente impactado pela diminuição do número de beneficiários, em razão do aumento do desemprego no país”, informou a empresa por nota.
Antes de falir e ter decretada a portabilidade, a Paulistana já havia perdido 23,9% de sua carteira de clientes em dois meses (julho a setembro), o equivalente a 178 mil clientes.
Barreiras para a portabilidade
Segundo a ANS, vários motivos podem impedir a portabilidade para um novo plano de saúde, que não é obrigatória. O próprio beneficiário pode desistir da migração se julgar as condições desfavoráveis, como preço ou cobertura do plano.
No caso das três operadoras (SMS, Viva Planos de Saúde e Paulistana), diz a agência, alguns beneficiários podem ter optado por recusar as opções existentes de planos no mercado, escolhendo um plano sem ter o benefício de não precisar cumprir carência.
Segundo o advogado Patullo, mesmo cumprindo todos os requisitos da portabilidade, muitos beneficiários podem simplesmente não ter condições de pagar os valores cobrados pela nova operadora, ainda que a cobertura seja semelhante.
Em caso de planos empresariais, diz a ANS, a empresa pode ter cancelado o contrato e não renovado a plano de seus funcionários ou o consumidor pode ter perdido o emprego e, consequentemente, ter ficado sem plano, ainda que sua empresa tivesse contratado outra operadora para os empregados.
Os usuários cadastrados em novos planos também podem não ter sido identificados na busca dos dados, segundo a ANS, como possíveis inconsistências no cadastro preenchido pelas operadoras, entre elas “erro na grafia dos nomes ou incorreção no número do CPF”.
Em 2016 até março, a ANS decretou a portabilidade extraordinária de 15 planos de saúde no país. Ao todo, 117 operadoras tiveram seus planos afetados pelo mecanismo por dificuldades financeiras. No dia 6 de junho, a ANS autorizou o reajuste de até 13,57% nos planos de saúde individuais e familiares.
Crédito: portal G1 – disponível na web 12/09/2106