Quadrilhas usam chips para alterar volume em bombas de combustível

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Ficar de olho no combustível na hora de abastecer nunca foi tão importante. E a preocupação não se resume à qualidade da gasolina e do álcool: vêm aumentando as fraudes nas bombas, que marcam um volume de combustível maior que o efetivamente colocado no tanque do automóvel. O alerta é da Fecombustíveis, que reúne os cerca de 42 mil postos do país, preocupada em combater empresários inescrupulosos e, principalmente, quadrilhas que agem na adulteração das bombas de combustíveis.

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Os esquemas de fraude acompanharam o avanço da tecnologia, tornando-se mais sofisticados. Especialistas em informática violam o lacre da bomba e instalam um microprocessador (chip) que altera o seu giro e, consequentemente, o valor a ser pago. De acordo com a Fecombustíveis, essa fraude costuma girar em torno de 10% do volume fornecido, ou seja, o consumidor recebe 10% a menos de combustível do que o informado na bomba. Assim, se ele colocar 50 litros de gasolina a R$ 3,572 o litro, pagará R$ 178,60 — mas receberá apenas 45 litros. Um prejuízo de R$ 17,86.

Já os ganhos de um posto médio, que venda cerca de 300 mil litros de gasolina por mês, podem passar de R$ 100 mil — considerando-se que ele cobrou, sem vender, cerca de 30 mil litros.

PIORA NA CRISE ECONÔMICA

Dados exclusivos da Agência Nacional do Petróleo (ANP) apontam que, só no primeiro trimestre deste ano, em 2.764 ações de fiscalização feitas pelo órgão em postos revendedores, foram lavrados 833 autos de infração por diversas irregularidades. Destes autos, 49 se referiam a irregularidades nas bombas, ou seja, 5,9% das autuações. No mesmo período do ano passado, haviam sido detectadas 46 bombas irregulares nos postos. Ainda segundo os dados da ANP, em 2016 foram lavrados 4.009 autos de infração em postos, dos quais 172 se referiam a bombas com irregularidades na medição, ou seja, 4,3% do total.

Mas os números das fraudes são bem maiores. As bombas são lacradas e sofrem vistorias anuais do Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro), por meio dos Institutos de Pesos e Medidas (Ipems) estaduais. A ANP não tem autorização legal para abrir as bombas a fim de verificar se há alguma irregularidade. Nas operações de fiscalização, a agência faz os testes da bomba por meio de um balde aferidor lacrado, que tem capacidade de 20 litros. O problema é que, quando chegam os fiscais da ANP, esse mecanismo de fraude na bomba pode ser desligado por controle remoto.

Balanços das inspeções

Então, uma fiscalização mais rigorosa das bombas e a identificação dessas fraudes eletrônicas fica nas mãos dos Ipems. Os estados de São Paulo e Paraná têm registrado uma quantidade maior desse tipo de fraude, feita não só por empresários que agem de má-fé, mas também por quadrilhas.

De acordo com dados do Ipem de São Paulo, de janeiro a abril deste ano, em 3.844 postos fiscalizados, foram inspecionadas 46.063 bombas, das quais 2.742 foram reprovadas por irregularidades e fraudes. Em todo o ano passado, foram vistoriadas 129.473 bombas de combustíveis no estado, das quais 8.325 foram reprovadas por irregularidades. Em 2015, o total de bombas reprovadas foi de 7.241.

O Ipem do Estado do Rio também tem encontrado bombas com fraudes, mas em número bem menor. Segundo dados do Ipem-RJ, no ano passado foram identificadas entre 35 e 40 bombas fraudadas com chips, em três postos de combustíveis nos bairros da Zona Norte do Rio — Méier, Jacarepaguá, e Pilares —, de uma vistoria em cerca de 25 mil bombas em todo o estado. Este ano, no entanto, foram encontradas fraudes em 30 bombas em dois postos (em Duque de Caxias e Jacarepaguá) com adulteração eletrônica. Já nas fiscalizações realizadas pela ANP este ano, dos 49 autos de infração por fraude em bombas, 13 eram no Estado do Rio.

— É impressionante, mas parece que nos momentos de crise várias coisas pioram. A partir de 2015, sentimos uma piora nos números. Nós percebemos, principalmente em São Paulo, que, em função da crise, muitos postos foram vendidos e agora estão nas mãos do crime organizado, que usa pessoas como laranjas — afirmou Paulo Miranda, presidente da Fecombustíveis.

Ele ressaltou que o setor está em entendimento com os Ipems para que estes passem a separar os autos de infração dados a bombas que eventualmente apresentaram algum defeito daquelas que foram efetivamente fraudadas com a instalação de um chip, ou algum outro equipamento para adulterar seus resultados.

O superintendente do Ipem-SP, Guaracy Fontes Monteiro Filho, conta em detalhes como funciona o esquema fraudulento. Um chip instalado na bomba faz com que o visor desta marque mais combustível do que o que realmente está sendo colocado no tanque. Os infratores costumam fazer isso nas bombas mais utilizadas pelos consumidores, ou apenas em alguns bicos, para despertar menos suspeitas. O sistema é acionado à distância, por meio de aplicativos em celulares ou por controle remoto. Monteiro Filho explicou que, em São Paulo, as fiscalizações detectaram uma média entre 10% e 12% menos combustível do que o informado na bomba. Ele disse que às vezes o chip é instalado dentro da bomba, no pulser — equipamento que faz o giro da quantidade que está sendo colocada no tanque do automóvel. Em outras, é colocado dentro da fiação (chicote) existente entre a placa e o pulser.

— Eles variam para dificultar a sua descoberta. Não é uma coisa simples, mesmo os fiscais dos Ipems no Brasil não conseguem pegar. São poucos que conseguem identificar, por isso estamos capacitando mais técnicos do Brasil inteiro, no laboratório em São Paulo. E uma fraude da ordem de 10% a 12% do combustível é imperceptível para o motorista — disse Monteiro Filho.

Todo posto tem o balde medidor especial, lacrado pelo Inmetro, e é obrigado a fazer o teste caso algum consumidor peça. O superintendente do Ipem-SP explicou que, em geral, a pessoa que faz a fraude é alguém que já trabalhou nas fábricas ou oficinas autorizadas que consertam bombas, ou é alguém com conhecimento de eletrônica.

EM SP, AÇÃO CONJUNTA

Para combater o crime, o estado de São Paulo acaba de sancionar uma lei para cassar a inscrição estadual dos postos que forem pegos com fraudes nas bombas. O Ipem-SP criou, no fim do ano passado, a operação Olhos de Lince, feita em conjunto com outros órgãos, como a Secretaria estadual de Fazenda, o Procon, a Polícia Civil e a ANP.

— Acredito que esse tipo de fraude esteja espalhado pelo Brasil, não é restrito a São Paulo, já se detectou no Paraná — destacou Monteiro Filho.

O Sindicom, que reúne as distribuidoras, lançou a campanha Combustível Legal, que reúne todos os órgãos envolvidos no combate às fraudes do setor, desde sonegação de impostos e adulteração de combustíveis à manipulação das bombas.

O presidente do Ipem-RJ, Manuel Rampini, contou que, para fazer frente à sofisticação cada vez maior dos fraudadores, os técnicos do instituto têm feito treinamentos constantes no laboratório do Inmetro em Xerém e no novo laboratório do Ipem-SP.

Rampini aconselha que os consumidores desconfiem se o preço do combustível for muito inferior ao dos demais postos. E, se forem abastecer em um posto de bandeira branca — que não é vinculado a nenhuma distribuidora —, que optem por aqueles já conhecidos, ou que peçam para testar o combustível.

— Quando tem bandeira de uma distribuidora, a própria empresa nos auxilia na fiscalização. Quando não tem bandeira, o posto compra combustível de qualquer um, fica mais complicado — afirmou o presidente do Ipem-RJ.

NECESSIDADE DE POLÍTICA DE GOVERNO

Os setores de revenda e distribuição têm feito um esforço concentrado com órgãos de fiscalização para combater a fraude nas bombas. No mês passado, o Ipem-SP inaugurou um laboratório voltado para fraudes eletrônicas, cada vez mais sofisticadas, e treinar os técnicos na identificação dessas irregularidades.

O presidente do Inmetro, Carlos Augusto de Azevedo, disse que, como as fraudes estão evoluindo na esteira dos avanços tecnológicos, o seu combate também tem de se sofisticar, com laboratórios específicos e treinamento intensivo dos técnicos.

— A fraude nas bombas de combustíveis está em cerca de 3% a 5% do total, estimado em torno de 90 mil unidades em todo país. Hoje, as fraudes têm um grau muito grande de sofisticação. Na medida em que se aperta a fiscalização nas bombas de gasolina, eles correm para cigarros, e daí correm para a fraude nos remédios. São profissionais da fraude. É preciso ter uma política de governo para combater a fraude em todas as áreas — afirmou Azevedo.

Crédito: Ramona Ordoñez/O Globo – disponível na internet 26/06/2017

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