“Recall” à brasileira.

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O cenário vivido na política brasileira tem dado inspiração a diversas ideias para a solução de crises institucionais. A possibilidade de substituição do presidente da República é uma discussão latente nesse momento, não só no meio político, mas também na sociedade.

Nesse contexto, o Senado analisa uma proposta de emenda à Constituição (PEC) que visa instituir o mecanismo do recall presidencial. Trata-se da possibilidade de destituir o presidente da República mediante solicitação popular. Embora seja previsto na legislação de outros países, não é muito comum ser utilizado na figura presidencial.

A PEC nº 21 de 2015, aprovada na semana passada na Comissão de Constituição e Justiça, prevê que 10% dos eleitores que compareceram ao último pleito, distribuídos em pelo menos 14 estados, com pelo menos 5% em cada um deles, possam propor ao Congresso Nacional a revogação do mandato presidencial.

Satisfeito o requisito formal de iniciativa da propositura, a Câmara e o Senado terão que aprovar a solicitação por maioria absoluta em cada Casa (257 deputados e 41 senadores). Após a aprovação, a decisão ainda teria que ser ratificada por referendo popular. Ainda de acordo com o texto, proíbe-se a proposta de revogação durante o primeiro e o último ano de governo e a apreciação de mais de uma proposta de revogação por mandato.

A proposta constitui um instrumento de aperfeiçoamento democrático que aprofunda o princípio da soberania popular. Diferentemente do impeachment, que concentra muito poder nas mãos dos parlamentares, o recall, na forma proposta, alça o povo à condição de protagonista do processo ao lhe atribuir tanto a prerrogativa da iniciativa quanto a palavra final sobre a medida solicitada.

Outro diferencial é que o impeachment constitui uma medida extrema, no qual se imputa ao presidente um crime de responsabilidade que não só enseja a destituição do cargo, como também a perda dos direitos políticos por oito anos a partir do fim do mandato para o qual foi eleito. Dessa forma, pode funcionar como um banimento da vida pública. Já no caso do recall, o governante perde o mandato preservando o direito à atividade política, não havendo impedimento legal para se candidatar novamente ou assumir cargo público na sequência.

Por conferir um aspecto de maior legitimidade popular, a eventual inclusão do recall no ordenamento jurídico tende a ganhar a preferência da opinião pública. As recentes experiências dos dois impeachments presidenciais no Brasil com apoio da sociedade estimulam ainda mais a utilização de expedientes revogatórios desse tipo. Sendo assim, uma possível banalização do recall representaria um perigo.

A (necessária) rigidez dos procedimentos e as dificuldades operacionais demandam um espaço considerável de tempo para sua consecução, o que pode levar o país a um quadro de instabilidade enquanto perdurar o processo.

A coleta de um número elevado de assinaturas (superior a 10 milhões) juntamente com a conferência e validação por si só já são obstáculos complexos. Atualmente não há logística para tal. Basta lembrar que os projetos de iniciativa popular apresentados à Câmara dos Deputados, que requerem uma quantidade bem menor de apoios (1% do eleitorado) até então nunca tiveram a devida certificação de autenticidade das assinaturas. Recentemente, a Câmara realizou apenas a contagem das assinaturas do projeto do Ministério Público Federal, conhecido como “10 medidas contra a corrupção”, mas não atestou serem todas autênticas.

O processo de deliberação legislativa é outra etapa morosa e que depende de uma regulamentação interna. A seguir o princípio dos processos que norteiam a análise de denúncias por crimes de responsabilidade ou comuns, a matéria deverá ser submetida a instrução prévia em comissões para só depois irem a votação em Plenário nas duas Casas.

E por fim a realização do referendo, que demanda um prazo antecedente de preparação e divulgação.

Durante todo esse período a grande preocupação do governo em questão deverá ser em derrotar a proposta revogatória, ficando o país mergulhado em incertezas e consequente crise política.

Portanto, a adoção do recall é uma ideia saudável à nossa democracia, mas de tormentosa implementação, dada a ausência de maior institucionalização para lidar com um processo dessa natureza.

Artigo publicado na página do DIAP – disponível na internet 28/06/2017

Nota: O presente artigo não traduz necessariamente a opinião do ASMETRO-SN. Sua publicação tem o propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo

 

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