Governo anuncia trégua após dia tenso, mas fim da greve de caminhoneiros é dúvida

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Eram quase dez horas da noite quando os ministros Eliseu Padilha (Casa Civil), Eduardo Guardia (Fazenda), Carlos Marun (Secretaria de Governo) e Valter Casemiro (Transportes) anunciaram ter chegado a um acordo com representantes dos caminhoneiros para suspender, pelos próximos 15 dias, as manifestações e as greves da categoria.

O acordo foi assinado por algumas entidades representativas, incluindo a Confederação Nacional dos Transportadores Autônomos (CNTA). Outros grupos, como a Associação Brasileira de Caminhoneiros (Abcam) e a União Nacional dos Caminhoneiros (Unicam) rejeitaram a proposta. A CNTA disse que levará a proposta aos motoristas, para apreciação.

Fruto de sete horas de reuniões no Palácio do Planalto, o acordo para a trégua inclui a promessa do governo de atender 12 reivindicações dos caminhoneiros, mas deixa de fora a principal demanda dos trabalhadores: a isenção do PIS / Cofins sobre o óleo diesel. Por este motivo, não é possível saber se o acordo negociado pelo governo será efetivo.

Manifestantes ateiam fogo em pneus para fechar via em Brasília nesta quinta-feiraDireito de imagemFABIO POZZEBOM / AGÊNCIA BRASIL
Image captionManifestantes ateiam fogo em pneus para fechar via em Brasília nesta quinta-feira

Esta sexta-feira pode representar o quinto dia de greve dos caminhoneiros. Além do desabastecimento de gasolina e alguns alimentos perecíveis, o movimento também resultou numa onda de notícias falsas e alarmistas nas redes sociais.

Ministros dos Transportes, da Secretaria de Goveno, da Casa Civil e da FazendaDireito de imagemVALTER CAMPANATO / AGÊNCIA BRASIL
Image captionMinistros passaram o dia reunidos com representantes dos caminhoneiros no Palácio do Planalto

As principais promessas do governo para os caminhoneiros são zerar a alíquota de um dos impostos cobrados sobre o óleo diesel, a Cide; manter a redução no preço do diesel anunciada pela Petrobras nos próximos 30 dias (a companhia petroleira já tinha prometido 15 dias de redução); assegurar que os preços do óleo só sejam reajustados de 30 em 30 dias; e reeditar periodicamente uma tabela de referência (sem força de lei) para os preços dos fretes. Esta última medida custará ao governo R$ 4,9 bilhões até o fim de 2018 – a Petrobras será compensada pelas perdas.

Mas nem todos os líderes dos caminhoneiros ficaram satisfeitos: o presidente da Abcam, José Lopes da Fonseca, deixou a reunião no meio da tarde, dizendo que só pararia a greve depois de obter a isenção de PIS e Cofins sobre o diesel: o tributo representa 12% do preço do combustível, enquanto a Cide (cuja isenção foi oferecida pelo governo) responde por 1%.

“Eu não vou assinar (o acordo) com a categoria toda parada. O que eles querem é desmobilizar a greve. A greve não é dos caminhoneiros, é da sociedade toda. Muitas outras categorias aderiram. O que temos até agora são só promessas. Então, não assinei e não me arrependo. Acho que fiz certo”, disse à BBC Brasil o presidente da Unicam, José Araújo da Silva, o China.

Além da isenção de PIS e Cofins, os caminhoneiros que são contra o acordo também querem esperar até terça-feira, quando o Senado pode votar um projeto de lei que cria um valor mínimo para o frete (diferente da tabela de referência oferecida pelo governo).

Posto em Brasília sem gás de cozinha
Posto em Brasília sem gás de cozinha. Posto de gasolina em Brasília ficou sem gás de cozinha nesta quinta-feira. Direito de imagem FABIO POZZEBOM / AGÊNCIA BRASIL

Principal reivindicação ainda é dúvida e depende do Senado

O presidente do Senado Federal, Eunício Oliveira (MDB), tinha planejado ontem um dia de “agendas positivas” em seu Estado de origem, o Ceará. No começo da manhã, pegou um voo de Brasília para Fortaleza. Lá, se encontraria com o governador do Estado, Camilo Santana (PT) e o ministro Alberto Beltrame (Desenvolvimento Social), e anunciaria a liberação de dinheiro federal para a construção de cisternas.

Mal pousou na capital cearense, o emedebista se irritou ao conhecer os detalhes da votação ocorrida na madrugada de quarta para quinta-feira, na Câmara dos Deputados: numa rebelião contra o governo do presidente Michel Temer, os deputados aprovaram em votação simbólica (quando há consenso entre todos os partidos) a isenção de PIS e Cofins sobre o óleo diesel.

Era uma tentativa do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), de baixar o preço do combustível e debelar a greve dos caminhoneiros, que teve na quinta-feira o seu 4º dia. Maia é pré-candidato pelo DEM à Presidência da República. A isenção do PIS e do Cofins é a principal reivindicação da maioria dos grevistas.

Posto de gasolina desabastecido em Teresopolis
Neste posto de Teresópolis (RJ), gasolina e etanol já acabaram: só sobrou o diesel. Direito de imagem FERNANDO FRAZÃO / AGÊNCIA BRASIL

“Essa votação (da Câmara) não estava prevista e não foi combinada com ele (Eunício). E detalhe: com um erro de cálculo de R$ 10 bilhões”, disse uma pessoa próxima a Eunício, sob condição de anonimato. Na hora do almoço, o presidente do Senado já estava voando de volta para Brasília – ele disse não ter saído nem do aeroporto em Fortaleza.

O emedebista tinha também suavizado o discurso: de manhã, Eunício disse a jornalistas que era “impossível” votar a isenção de impostos para o diesel nos próximos dias – no meio da tarde, disse que vai retomar as negociações para tentar aplacar a greve.

Eunício também determinou ao seu gabinete que ligasse para os senadores, convocando todos a Brasília. Outro que passou a tarde ligando para os colegas foi o vice-presidente do Senado, Cássio Cunha Lima (PSDB-PB), que defende que o Senado vote o tema e aprove a isenção do PIS e Cofins já nesta sexta-feira.

Após reunir-se com os líderes de alguns partidos no Senado, ontem à noite, Eunício foi chamado ao Palácio do Planalto para conversar com o governo e com os líderes dos caminhoneiros. “Se (a aprovação da isenção fiscal) for a condição para que o Brasil tenha tranquilidade, nós teremos que buscar uma solução”, disse o senador cearense no começo da noite, mas sem entrar em detalhes.

O cálculo de Rodrigo Maia que fez água

Era quase uma hora da manhã de quinta-feira quando os deputados votaram de forma simbólica um projeto de lei, enviado pelo governo, que acabava com a isenção de impostos sobre a folha de pagamentos de vários setores da economia. Votações simbólicas ocorrem quando todos os partidos da Câmara estão de acordo com o tema. O consenso só foi possível porque o relator do projeto, deputado Orlando Silva (PC do B-SP) incluiu em sua proposta a isenção dos impostos PIS e Cofins para o óleo diesel.

Os elementos do preço do diesel
Os elementos do preço do diesel – Segundo a própria Petrobras, o tributo que mais pesa no diesel é o ICMS, cobrado pelos governos estaduais. Direito de imagem PETROBRAS / REPRODUÇÃO

Silva e o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), estimaram que a perda do governo com a isenção da PIS e Cofins sobre o diesel até o fim de 2018 seria de cerca de R$ 3 bilhões, valor menor que os ganhos com o fim da isenção sobre a folha de pagamentos.

O problema é que o cálculo estava incorreto: a própria Consultoria de Orçamento (Conof) da Câmara informou a alguns deputados, informalmente, que o impacto seria de R$ 12 bilhões até o fim do ano, e de mais de R$ 20 bilhões ao longo do ano de 2019. A Receita Federal sustenta que o rombo é de R$ 14 bilhões em 2018.

“A gente (deputados governistas) estávamos dizendo que era de R$ 14 bilhões, e ele (Rodrigo Maia) teimando nos R$ 3 bilhões. Vai ter que arquivar (o projeto) no Senado e voltar para a Câmara. Redução de impostos quem pode fazer é o governo, porque é ele que está com a conta na mão”, disse à BBC Brasil o deputado Beto Mansur (PRP-SP), um dos mais fiéis a Michel Temer na Câmara.

Caminhoneiros parados em Santana do Livramento (RS)
Caminhoneiros parados em Santana do Livramento (RS). Há dúvidas sobre se os caminhoneiros levantarão ou não os piquetes nesta sexta-feira. Direito de imagem MARCELO PINTO / APLATEIA

Mais tarde, na entrevista a jornalistas no Palácio do Planalto para anunciar a trégua, o ministro Carlos Marun (Secretaria de Governo) disse que a desoneração de PIS e Cofins poderia ser discutida “em outro momento”.

Na tarde de hoje, o próprio Maia reconheceu que sua estimativa inicial estava errada. Mas disse que, com a alta dos preços do petróleo, o governo terá uma arrecadação extra de royalties do produto, o que compensaria a perda com os impostos.

A Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) e a emenda constitucional do Novo Regime Fiscal (o chamado “teto de gastos”) também exigem que qualquer projeto com impacto orçamentário venha acompanhado de uma estimativa de gastos – o que não ocorreu na Câmara.

Crédito: BBC Brasil – disponível na internet 25/05/2-018

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