De quando em vez nos surpreendemos com eventos, fatos ou personagens que pertencem ao imaginário, mas que surge por diversos meios capazes de se dar vida ao irreal.
Assim é a Momo, uma figura mitológica mordaz, fraudulenta e aterrorizante que atualmente permeia as redes sociais incentivando desafios de terror e prometendo maldições entre os freqüentadores do “ZAP”, como num jogo assemelhado ao da Baleia Azul (Correio do Estado em 9/08/2017) que se camufla em uma conta de origem duvidosa (Japão, Colômbia e México), se apresenta como um confronto, encaminhando mensagens preocupantes para quem com ela se relaciona, dando a entender que possui informações, dados pessoais para controlar os passos do contato.
Analistas informam por vezes que se trata apenas de um jogo de terror, de controle mental e psicológico, onde são divulgados vídeos e fotos assustadoras, mas alertam que existe a possibilidade de ser um elemento viral com objetivos de extorquir incautos, incentivar ódios e ressentimentos represados, assediar mentalmente debilitados, ou mesmo “raquear” informações para fins ilícitos.
Embora o fato seja investigado em diversos países, no Brasil ainda é pouco disseminado, mas leva as autoridades a afirmar que uma vez viralizado, inúmeros contatos já tomaram conta da rede, assustando e aumentando o medo dos “ligados”.
A verdadeira e inquietante Momo brasileira faz suas aparições diárias quando nos conectamos, não propriamente na rede, mas nas emissoras de televisão que fazem questão, por conta dos índices de audiência, privilegiar a violência, disseminando o medo e a incerteza na sociedade.
Ao concentrarem seus objetivos nas más noticias, temos a impressão que apenas elas existem.
Quando não são os desastres climáticos, acidentes imprevistos, crises nacionais (ou internacionais), envolvendo a política, o social, a economia ou o aspecto legal sempre voltado à punição, são as opiniões de ancoras fazendo proselitismo do pensamento e dos interesses da direção das empresas que representam. Os editoriais censuram aquilo que consideram idéias oposicionistas aos objetivos articulados com o poder do qual negociam suas agendas de sobrevivência.
Por vezes as explanações sobre a economia parecem noticias alvissareiras, no entanto antecedem alguma preocupação a seguir. Na política, apenas alguns premiados tem vez ao serem consultados sobre determinado fato, enquanto outros apenas ilustram matérias sobre a corrupção, sem qualquer liame claro sobre o que se quer divulgar.
Com a proximidade das eleições essa inquietante figura grotesca se apresenta como uma Samara Morgan de “O Chamado” propagadora do terror, do medo, da insegurança ou incerteza, se traveste ora em justiceiros, ora em vingadores. Por vezes ela é convidada a fazer parte de uma candidatura presidencial; em outras ocasiões se antecipa a dar pareceres, pitacos, palpites sem sentido, atemporais, inadequados para determinada ocasião, sobre assuntos que não lhe diz diretamente a propriedade, mas que levam as pessoas à apreensão no desenrolar da questão. Quando muito, de modo a influir no andamento da história, fazendo declarações extemporâneas, com a intenção de tumultuar os princípios democráticos.
Para o pensador A. Noam Chomsky existe uma relação estreita, perniciosa e velada entre manutenção do poder, política do medo, manipulação das massas, e controle social. Já o filosofo e sociólogo Z. Baumamn descreve o que chama de “medo líquido” como resultante das perspectivas negativas da sociedade quanto ao futuro (incerteza econômica), a exclusão social e a perda de identidade, e a privação da integridade individual, o que me atrevo a identificar como “cidadania”.
Essa Momo que nos visita diariamente por meio de um “ecran”, um celular, um ZAP, cria a desconfiança, reforça o individualismo, e o receio sobre a garantia da proteção, tirando da população sua livre escolha, o objetivo de felicidade, e o medo de ser feliz.
É preciso desarticular esse cenário, evitando a aceitação de regimes autoritários, combatendo a desigualdade, torcendo pela distribuição saudável da riqueza, eliminando os conflitos, a intolerância, o preconceito e principalmente dissipando o ressentimento, deixando de lado a ingenuidade e o desinteresse, participando e assumindo o jogo político honesto, e, sobretudo, ler, estudar história para não ficar refém do medo inculcado pelos interesses alheios.
Artigo publicado na página do jornal Correio do Estado (MS) – disponível na internet 09/08/2018
Nota: O presente artigo não traduz a opinião do ASMETRO-SN. Sua publicação tem o propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.