Dez anos depois de crise mundial, dívida global soma US$ 247 trilhões.

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 A economia global na década que se seguiu à quebra do banco americano Lehman Brothers, em setembro de 2008, foi marcada pela exceção. Para resgatá-la da maior crise financeira em 80 anos, que ficou conhecida como a Grande Recessão, bancos centrais de todo o mundo injetaram US$ 11,8 trilhões nos mercados na última década e chegaram a instaurar juros reais negativos. Dez anos depois do abalo internacional desencadeado justamente no mercado de crédito dos Estados Unidos, o estoque de dívida no planeta continua a crescer. Saltou 43%, para US$ 247,1 trilhões — mais que três vezes a economia global —, enquanto as bolsas de valores cresceram 36%, alimentando suspeitas de bolha. Iniciada a retirada gradual de estímulos, especialistas temem que essa expansão origine novas crises, com impactos principalmente sobre países emergentes, como o Brasil.

Desde 2008, a dívida total no mundo — abrangendo famílias, empresas e governos — subiu de 291% para 318,1% do Produto Interno Bruto (PIB) global, segundo o Instituto Internacional de Finanças (IIF). Enquanto esse endividamento ficou quase estável nas economias desenvolvidas — subiu de 376,8% para 382% do PIB no período —, entre emergentes o salto foi de 147,3% para 211,1%. Paralelamente, um sistema financeiro não bancário cresce à sombra da regulação e alcançou US$ 45 trilhões no mundo.

Na última semana, o ex-presidente do Banco Central Europeu (BCE) Jean-Claude Trichet afirmou que o cenário global atual é tão perigoso como o da véspera da quebra do Lehman, por causa do alto endividamento nas economias desenvolvidas. Em relatório recente, o Banco de Compensações Internacionais (BIS, na sigla em inglês) avaliou que o acúmulo global de dívida tende a reduzir o ritmo médio do crescimento mundial e torna as economias mais vulneráveis a mudanças nos juros.

Para Carlos Langoni, ex-presidente do BC e professor da FGV, a redução dos juros pelos BCs no pós-crise contribuiu para o alto endividamento:

— Fomos longe demais no easy money (dinheiro fácil). E é um paradoxo, já que a crise foi causada pela falta de regulação e por uma política monetária acomodativa. A resposta foi justamente uma política monetária frouxa.

‘ZUMBIS DA DÍVIDA’

Um dos economistas que previram a crise, Steve Keen, da Universidade Kingston, observa que a China experimentou a mais rápida expansão de dívida já registrada na História, especialmente entre suas empresas. Em dez anos, praticamente quintuplicou, aumentando em US$ 31,6 trilhões, o equivalente a 15 PIBs brasileiros. Dois terços são nova dívida corporativa, que já soma 202% do PIB chinês.

Keen considera inevitável que, até 2020, uma nova crise surja no que ele chama de “futuros zumbis da dívida” — economias em que o endividamento privado cresce mais rapidamente que o PIB nominal. São economias que terão dificuldade para manter seus níveis de atividade e renda caso o crédito engasgue:

— Esses países, que conseguiram evitar grande parte do impacto em 2008, continuaram emprestando e estimulando uma bolha imobiliária. Isso aconteceu particularmente no Canadá e na China, mas também na Coreia do Sul e na Austrália. Pelo menos três deles devem atingir o limite de expansão do crédito em três anos e experimentar uma crise financeira.

Fonte: “Global Debt Monitor”, do Instituto Internacional de Finanças (IIF)

Keen pondera, porém, que a proporção dessa turbulência será inferior à da crise de 2008, dado o tamanho das economias envolvidas, embora a China desequilibre a conta. Eventual crise nesses mercados deve frear o crescimento econômico global. O economista não inclui Brasil, Turquia ou Rússia nesse grupo porque suas dívidas ainda não chegaram ao que chama de “zona de perigo”. Mesmo assim, já são afetados pela retirada de estímulos dos BCs e, em casos como o brasileiro, pela elevação da dívida — principalmente a pública.

Silvio Campos Neto, da Tendência Consultoria, lembra que o Brasil foi vítima do uso exagerado de políticas anticíclicas, que protegeram o país logo após a crise, mas acabaram gerando distorções ao se prolongarem. A marolinha, como o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva classificou o efeito da crise no Brasil, acabou ganhando força com erros do governo de Dilma Rousseff:

— Foi um erro não ter tirado o pé do expansionismo quando a economia já tinha se recuperado. Isso levou a um aumento muito grande dos gastos e a uma deterioração fiscal.

Para Agnès Bénassy-Quéré, da Escola de Economia de Paris, a maior regulação sobre o setor bancário no pós-crise só atenua parte dos riscos:

— É preocupante a expansão do crédito em instituições não bancárias, que não são reguladas como os bancos.

Crédito: Rennan Setti e Ana Paula Ribeiro /O Globo 10/09/2018

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