Em meio a ‘apagão’ na fiscalização de velocidade, rodovias têm alta de acidentes com vítimas nos sete primeiros meses do ano pela primeira vez desde 2011
— O desligamento dos radares coloca em risco quem vive à margem das rodovias. Na prática, estamos sem controle de velocidade nas rodovias federais porque sequer os policiais podem atuar. Os radares que estão operando funcionam por decisão judicial ou contratual — diz Rizzotto, ponderando que os dados não contabilizam o período após a proibição de que a PRF use radares portáteis.
Procurado para comentar o crescimento dos acidentes graves e dos feridos nas estradas, o Ministério de Infraestrutura não respondeu.
Perito em acidentes de trânsito, Rodrigo Kleinübing diz que os efeitos da mudança na política de fiscalização começam a ser contabilizados, mas só serão robustos em períodos de maior movimento nas estradas.
— Os motoristas estão começando a pisar mais no acelerador. As pessoas ainda têm dúvida sobre onde tem e onde não tem radar, estão em uma fase de adaptação. A tendência é se acostumarem e correrem mais. O reflexo por enquanto é pequeno. É possível que, com a chegada do verão e das festas de fim de ano, tenhamos aumento dos casos — afirma Kleinübing.
Aparelhos previstos
Segundo o Dnit, há previsão de instalação de 1,4 mil aparelhos, após um acordo firmado com o Ministério Público Federal (MPF), homologado pela Justiça Federal. No início do ano, o governo suspendeu a instalação de novos radares, prevista para os próximos cinco anos, em oito mil pontos. Em abril, a 5ª Vara Federal do Distrito Federal determinou que a União não retirasse radares e renovasse contratos prestes a vencer. O acordo para a instalação de novos equipamentos foi firmado em julho e prevê prazo de dois meses para a apresentação de estudos técnicos.
Ainda assim, mesmo com os novos equipamentos, as estradas federais contarão com quase mil radares a menos que o registrado no início do mandato de Bolsonaro — em 4 de janeiro, havia 2.830 —, além dos 414 aparelhos em operação nas estradas concedidas à iniciativa privada, que compreendem somente 9,6 mil quilômetros dos mais de 120 mil quilômetros da malha federal e onde, segundo a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), não houve retirada de radares.
Por enquanto, em 16 estados, entre os quais Rio e São Paulo, não há radares em operação nas estradas sob responsabilidade do Dnit. Minas Gerais, que registra o maior número de mortes nas estradas federais, foi o estado que mais perdeu equipamentos (388) e conta com 64 em operação, de acordo com o Dnit. A previsão é que mais 138 sejam instalados.
A BR-101 foi a rodovia federal com maior número de radares fixos desligados em 2019, de acordo com dados do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) obtidos pelo GLOBO por meio da Lei de Acesso à Informação. Foram desativados 398 equipamentos na estrada que atravessa boa parte do litoral brasileiro, do Nordeste ao Sul do país, — 63 só no trecho que passa pelo Estado do Rio, onde, segundo o órgão, não há nenhum radar em operação.
Hoje, os 4.650 quilômetros da estrada têm o monitoramento de 87 equipamentos e outros 209 devem ser instalados pelo governo, após acordo com o Ministério Público. A BR é a rodovia federal com maior número de acidentes graves no país, ainda que, entre 2014 e 2018, os casos tenham despencado 21%.
O GLOBO percorreu na semana passada o trecho da estrada que vai da cidade do Rio a Mangaratiba, na Costa Verde. Logo após a saída da Avenida Brasil, um aplicativo que monitora as condições do trânsito a partir de informações dos motoristas alertou que os radares à frente não estavam mais em operação. No trecho próximo ao shopping Pátiomix Costa Verde, em Itaguaí, foram encontrados suportes vazios, sem câmeras. Por outro lado, ao menos em quatro pontos até Mangaratiba, aparelhos que, segundo o Dnit, foram desligados continuam na estrada. Procurado, o departamento não explicou o motivo de permanecerem na rodovia e não confirmou se de fato os radares estão desativados.
Moradores dos bairros do Engenho e Coroa Grande, em Itaguaí, cidade na rota entre a capital fluminense e Santos, no litoral paulista, convivem com os acidentes. Maria Lúcia Teodoro conta que, há cerca de dois anos, o trecho em frente à sua casa passou a ser fiscalizado com um radar. O equipamento, segundo a costureira, facilitou a travessia na pista e reduziu o número de mortes e acidentes. O pardal continua na região. Por enquanto, os motoristas ainda desaceleram, intimidados pela câmera detectada por aplicativos de trânsito, e, por isso, moradores do entorno relatam que ainda não perceberam mudanças nos últimos meses. Maria Lúcia torce para que não esteja desligado. Antes de o equipamento chegar, ela perdeu a poucos metros dali o pai, José Teodoro, atropelado aos 61 anos, quando saía para trabalhar.
— Sem radar, vai piorar. Mesmo com ele, já tem muito acidente — alerta.
Alessandra Travaglia, inspetora da Escola Municipal Vereador Americo Amorim, em Itaguaí, diz que houve redução dos acidentes em frente ao colégio após a instalação do equipamento, mas pondera que se sente insegura quando precisa reduzir a velocidade na rodovia, conhecida pela alta incidência de assaltos. O radar que fiscaliza o trecho em Coroa Grande também consta na lista de contratos encerrados pelo governo, mas permanece na pista.
— Sei que os radares ajudam, mas, em certos horários, me sinto insegura, principalmente no verão.
Crédito: Marlen Couto/ O Globo – disponível na internet 22/09/2019