O garçom José Roberto Lima, de 28 anos, não sabe se terá emprego depois de amanhã. É que o restaurante em que ele trabalha já demitiu 10 pessoas e antecipou as férias de vários outros empregados desde o início da pandemia do novo coronavírus. E, ainda assim, convocou para amanhã uma nova reunião de funcionários. “A gente não pode ficar parado, mas, com a doença, não tem jeito. Não pode se arriscar”, diz o garçom, que admite estar com medo de ser demitido.
O jovem trabalhador de Sol Nascente, contudo, não é o único brasileiro que está preocupado em perder o emprego. Afinal, a Covid-19 abalou o sistema de saúde, mas também bateu forte na economia brasileira. Economistas calculam que o Produto Interno Bruto (PIB) nacional pode cair até 4,4% neste ano. E lembram que esse baque vai afetar diretamente o mercado de trabalho brasileiro, que já não andava bem. O Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (FGV Ibre) calcula que a taxa de desemprego do Brasil pode pular dos atuais 11,6% para 16,1% já neste trimestre. Isso significa que 5 milhões de pessoas podem entrar na fila do desemprego em apenas três meses, elevando de 12,3 milhões para 17 milhões o número de pessoas sem trabalho no Brasil.
Se confirmada, essa previsão levará o mercado de trabalho brasileiro ao pior momento da série histórica, pois, nem no auge da recessçai de 2015 e 2016 tanta gente ficou sem emprego. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o recorde foi registrado em março de 2017, quando a taxa de desocupação bateu 13,7%, com 14,1 milhões de brasileiros sem trabalho. “É de se esperar que tenhamos a maior taxa de desemprego da história, porque, por mais que o governo tente ajudar e que haja uma expansão do crédito, nem todas as empresas conseguirão manter suas atividades nesse quadro de paralisia da economia. Há muitos custos fixos para as empresas”, explica o pesquisador da área de Economia Aplicada do Ibre, Daniel Duque.
Empresários admitem que a perda de receita causada por esse momento de pandemia vai levar ao fechamento de inúmeros postos de trabalho, mesmo depois das medidas de socorro anunciadas pelo governo federal. Afinal, milhões de negócios precisaram fechar as portas por conta da necessidade de isolamento social e, por isso, tiveram uma queda de quase 100% da receita. Alguns dizem que as demissões já começaram. O setor de bares e restaurantes, justamente o que José Roberto trabalha, por exemplo, calcula 150 mil desligamentos no país. Mas analistas alertam que é só o começo.
O Ibre calcula que a taxa de desemprego brasileira, que já subiu de 11,2% para 11,6% no trimestre encerrado em fevereiro, antes da pandemia, pode subir para 12,9% em março, diante do primeiro choque da crise do coronavírus. Isso elevaria de 12,3 milhões para 13,6 milhões o número de desempregados em apenas um mês. Mas, como a paralisação de boa parte dos negócios brasileiros vai se estender por abril, o Ibre calcula a taxa em 16,1% no segundo trimestre, com 17 milhões de desempregados.
Passada a necessidade de isolamento social, o instituto acredita que haverá certo nível de recontratações. Por isso, espera que a taxa de desemprego caia para 15,7% no terceiro trimestre e para 14,7% no fim do ano. A projeção coincide com os cálculos de outras instituições financeiras.
Medidas são insuficientes
Mesmo que a retomada das atividades econômicas ocorra no segundo semestre, cerca de 15,5 milhões de pessoas devem acabar o ano sem emprego no Brasil. Serão 3,2 milhões de desempregados a mais do que havia antes da pandemia. As projeções são da XP Investimentos e da ModalMais. Isso mostra que as medidas anunciadas pelo governo serão insuficientes para reduzir o baque da Covid-19 na economia.
“É um aumento mais rápido do que o da crise de 2015, porque essa retração foi muito mais abrupta e isso impeliu as empresas a tomarem uma decisão no curto prazo. Se, em 2015 e 2016, o PIB caiu 3,5% por ano e a taxa de desemprego subiu três pontos percentuais, é razoável pensar que, se houver uma retração de 2% do PIB neste ano, o desemprego suba três pontos percentuais”, explica o economista sênior da XP, Marcos Ross. Ele lembra que essa retração de 2% do PIB ainda pode estar subestimada, o que pode fazer com que o crescimento do desemprego seja ainda maior do que os 14% estimados para o fim deste ano. “É uma taxa histórica grave”, admite.
“Nunca vivenciamos um período de parada abrupta da economia a nível global como este. Então, as projeções ganham um grau de incerteza muito grande. Mas é certo que nós vamos vivenciar um período de crise na economia real e o ajuste disso vai ser, em parte, via desemprego”, reconhece o estrategista-chefe do banco digital ModalMais, Felipe Sichel.
Ele explica que o mercado de trabalho vai sofrer um “choque severo” e uma “rápida deterioração” porque, nesse cenário de fechamento dos negócios, muitas empresas não terão caixa para se sustentar durante todo o período necessário de isolamento social. “As empresas, sobretudo as pequenas, que têm menos capacidade de caixa, infelizmente vão começar um processo de redução de custo. E, dado que o grande componente do custo das empresas, cerca de 45%, é folha, haverá demissão.”
Pequenas mais afetadas
Um dos segmentos mais impactados pela crise da Covid-19 deve ser o das micro e pequenas empresas, responsável por 55% dos empregos do país. O presidente do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), Carlos Melles, admite que a situação não é fácil nos negócios de menor porte, apesar não estimar qual será o impacto no nível de empregos. “Não temos valores, mas sabemos que 100% das micro e pequenas empresas estão sendo afetadas pela pandemia, em maior ou menor escala. Além disso, pesquisa realizada pelo Sebrae mostra que 89% já observaram queda no faturamento em março”, revela Melles. A redução nas receitas das empresas chegou a 69%, acrescenta.
Responsável por outra parcela importante dos empregos brasileiros, o setor de comércio e serviços também prevê perdas. “O comércio vem sofrendo bastante com essa pandemia, porque depende das pessoas que estão na rua para consumir. E vai ser difícil o setor se recuperar depois, porque até as pessoas que vinham motivadas a consumir, por conta dos juros baixos e do estímulo ao crédito, podem ficar mais receosas depois disso, sobretudo as autônomas, sem saber como vai ser o futuro”, afirma a economista da Confederação Nacional do Comércio (CNC) Catarina Carneiro da Silva. Segundo ela, a perda de receita chegou a R$ 25,3 bilhões nas quatro unidades da federação, que correspondem a 52% do comércio nacional: São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Distrito Federal.
Catarina diz que os comerciantes devem fazer uso da maior parte dos mecanismos disponíveis para tentar evitar um número grande de demissões. Recentemente, por sinal, o governo anunciou medidas que, segundo os cálculos do Ministério da Economia, poderiam evitar a demissão de 12 milhões de brasileiros. Entre elas, estão a possibilidade de as empresas suspenderem os contratos e reduzirem os salários dos seus funcionários nesses meses de pandemia e a criação de uma linha de crédito que vai financiar os salários pagos pelas pequenas e médias empresas por dois meses. Mas especialistas dizem que essas medidas não vão evitar a alta do desemprego, apenas amenizar o impacto.
Desgaste
“As medidas ajudam. Vão evitar que o desemprego chegue a 20%”, calcula Daniel Dique, do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre). “O processo é forte. Há parada total de diversas atividades e redução significativa em outras. E esta não será uma crise curta. Então, naturalmente, haverá um fechamento de postos de trabalho”, lamenta o diretor da CBPI Produtividade Institucional, Emerson Casali.
É por isso que os analistas pedem que, quando a crise passar, o Brasil foque em medidas que contribuiam com o crescimento estrutural da economia e a retomada do emprego, em vez de perder tempo com desgastes políticos que só aumentam a incerteza dos investidores. “Será preciso retomar o caminho das reformas, porque isso pode elevar a confiança dos investidores, a produtividade da economia e a trajetória de crescimento do Brasil, gerando emprego. Se não, vamos ter só voos de galinha”, diz Felipe Sichel, da ModalMais.
Marcos Ross, da XP Investimentos, lembra, contudo, que o impacto dessas reformas pode até ser rápido na confiança dos investidores, mas deve demorar a bater no emprego. “O mercado de trabalho é um dos últimos a reagir. Prova disso é que a taxa de desemprego subiu de 7% para 13% entre 2015 e 2016, mas só caiu 2,5 pontos percentuais nos últimos três anos. Então, vai subir rápido, mas deve cair devagar. Devemos conviver com uma taxa de desemprego alta por um tempo.”
Crédito: Marina Barbosa com a colaboração Sarah Teófilo/Correio Braziliense – disponível na internet 06/04/2020