Despesa com pessoal cresce nos municípios, ultrapassa 60% da receita na maioria dos estados e é a segunda maior da União: R$ 337,3 bi previstos para 2021
O presidente Jair Bolsonaro envia nesta quinta-feira ao Congresso sua proposta de reforma administrativa. As mudanças propostas não deverão atingir direitos dos atuais servidores públicos. O objetivo é criar regras que valerão somente para novos servidores, como a possibilidade de serem contratados sem previsão de estabilidade, conforme antecipou O GLOBO.
A estratégia anterior era enviar essa reforma somente após a eleição para as presidências da Câmara e do Senado, em fevereiro de 2021. Essa demora foi um dos motivos para a saída de membros da equipe do ministro da Economia, Paulo Guedes.
A decisão de apresentar a proposta agora foi anunciada na terça-feira, após reunião de Bolsonaro com líderes dos partidos da base aliada e ministros.
Estudos mostram que o grau de comprometimento dos orçamentos de municípios, estados e da União com o pagamento de servidores vem crescendo de forma acelerada nos últimos anos. E, diante da queda de arrecadação provocada pela crise da pandemia e de uma lenta recuperação da economia, o peso do funcionalismo tende a ser maior nas contas públicas.
Técnicos da equipe econômica querem desacelerar o crescimento dessa despesa com a reforma. Eles questionam frequentemente o fato de que qualquer ingresso de concursados significar um contrato de décadas, até a aposentadoria do servidor, cuja pensão geralmente é o salário integral, diferentemente do que acontece no setor privado.
A despesa com pessoal é a segunda maior da União e, em 2021, custará aos cofres federais R$ 337,3 bilhões, segundo a proposta de Orçamento encaminhada nesta semana ao Legislativo.
Entenda o peso do funcionalismo nas contas públicas
11,4 milhões de servidores
Dados do Atlas do Estado Brasileiro, elaborado pelo Ipea, mostram o país tinha, em 2017, 11,4 milhões de servidores públicos na esfera federal, municipal e estadual. Destes, 6,5 milhões estavam nas cidades. Outros 3,6 milhões trabalham nos estados, enquanto 1,2 milhão são ligados ao governo federal.
Impacto de R$ 132 bilhões
O congelamento dos salários de servidores até 2021, após decisão da Câmara que manteve veto de Bolsonaro à possibilidade de reajustes nos próximos dois anos, foi uma contrapartida ao socorro de R$ 60 bilhões aos governos regionais, que chega a R$ 125 bilhões com reestruturação de dívidas.
O Ministério da Economia calcula que a derrubada comprometeria uma economia de R$ 132 bilhões. Isso corresponde a quatro vezes o que o governo federal gasta com o Bolsa Família (R$ 32 bilhões).
Aumento real no salário
A maioria dos estados vive uma longa crise fiscal. No entanto, os salários dos servidores estaduais tiveram aumento médio real, ou seja, já descontada a inflação, de 80% entre 2004 e 2018.
Os dados são da pesquisa Indicadores da política salarial das administrações públicas estaduais brasileiras, feita pelo Ipea.
Mesmo na crise iniciada em 2014, período marcado por forte crise fiscal, o movimento de aumentos acima da inflação prosseguiu. O estudo mostra que esse movimento foi liderado fundamentalmente pelos vencimentos de militares e professores da educação básica.
Na avaliação de Cláudio Hamilton dos Santos, um dos autores do estudo, a pandemia agrava ainda mais a situação orçamentária dos estados.
As projeções disponíveis antes da eclosão da pandemia já apontavam a continuidade desse processo, com significativo crescimento dos gastos com pessoal total, liderado pelo crescimento dos inativos.
Remuneração na pandemia
Durante a pandemia, diferentemente dos trabalhadores do setor privado, os servidores não tiveram redução salarial.
Levantamento feito pelo economista Daniel Duque para o Centro de Liderança Pública (CLP), com base em dados da Pnad Covid, aponta que os funcionários da iniciativa privada receberam em junho 21% a menos do que ganhavam antes da pandemia (e trabalharam 25% menos horas).
Para servidores públicos, a redução salarial foi de apenas 3% — e a carga de trabalho, 29% menor.
Gasto acima do limite legal
Outro estudo feito pelo Centro de Liderança Pública mostra que 25 dos 27 estados devem comprometer mais de 60% da receita corrente líquida (RCL) com folha de pagamento por causa do efeito da pandemia na arrecadação este ano.
O estudo já considera o peso do repasse de R$ 120 bilhões do pacote de socorro ao estados, considerando o que foi suspenso do pagamento da dívida dentro da legislação sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro. O estudo mostra que a dificuldade hoje está em equilibrar as contas, com a queda de arrecadação.
Segundo parâmetros da Lei de Responsabilidade Fiscal, no caso desse patamar ultrapassar 95%, aumentos de despesa com gasto com pessoal devem ser proibidos de conceder aumentos, segundo a legislação. Na lista estão Rio Grande do Norte, Minas Gerais e Tocantins.
Municípios comprometem mais com folha
Dados do Atlas do Estado Brasileiro, elaborado pelo Ipea, mostram que a despesa com servidores ativos municipais cresceu nos últimos anos, passando de R$ 149 bilhões, em 2006, para R$ 268 bilhões, em 2017, um incremento de 78%. Como percentual da Receita Corrente Líquida, a despesa passou de 40,3% para 46,2% no período.
Com uma economia fragilizada, a arrecadação de impostos é menor. E com um gasto engessado dos servidores, o comprometimento tende a aumentar em anos de crise.
Segundo o estudo, além do aumento da remuneração média – de R$ 2 mil para R$ 3 mil, houve crescimento no total de servidores públicos no nível local.
Em 2017, 57% do total de vínculos no setor público brasileiro eram ligados aos municípios, principal provedor de serviços que integram o núcleo do Estado de bem-estar, como educação, saúde e assistência.
Uma das razões é o crescimento do número de municípios do país; de 1985 a 2003 foram criados 1.456 novos municípios, o que representa expansão de 35%. Atualmente, quatro em cada dez servidores municipais são professores, médicos ou enfermeiros.
Crédito: O Globo – disponível na internet 03/09/2020