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Reforma administrativa “E agora Brasil?”

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  • RA vai modernizar o Estado e melhorar o serviço público, avaliam especialistas
  • RA precisa enfrentar os problemas da progressão de carreira no serviço público.
  • RA precisa resolver disparidade salarial entre setores público e privado.
  • Na RA, poder para extinguir órgãos preocupa especialistas.
  • RA é um processo e vai demandar treinamento e qualificação de gestores

 

Reforma administrativa vai modernizar o Estado e melhorar o serviço público, avaliam especialistas

 A reforma administrativa é mudança fundamental para que o Brasil consiga promover a modernização da máquina pública, avançar na melhoria da qualidade dos serviços oferecidos ao cidadão — sobretudo em saúde, segurança e educação — e impulsionar o desenvolvimento do país.

O debate em torno da proposta apresentada pelo governo ao Congresso este mês, no entanto, traz desafios para resultar em ganho de eficiência e, por consequência, economia de recursos que possam, mais adiante, ser investidos em serviços básicos para a população.

É esta a conclusão dos especialistas que participaram, na última quinta-feira, da terceira edição on-line dos encontros “E agora, Brasil?” para discutir por que é preciso modernizar a administração pública.

O debate contou com a participação de Ana Carla Abrão, diretora da Oliver Wyman no Brasil e sócia nas práticas de Finanças e Risco e Políticas Públicas; do senador Antonio Anastasia (PSD-MG), da Frente Parlamentar da Reforma Administrativa; de Paulo Uebel, ex-secretário especial de Desburocratização, Gestão e Governo Digital do Ministério da Economia; e de Daniel Duque, pesquisador do Ibre/FGV.

“A reforma é fundamental para enfrentar a desigualdade social” ANA CARLA ABRÃO – Diretora da Oliver Wyman no Brasil  

 A economista Ana Carla Abrão, o senador Antonio Anastasia, o ex-secretário de Desburocratização Paulo Uebel e o pesquisador do Ibre/FGV Daniel Duque debateram a reforma administrativa com Merval Pereira e Cristiano Romero no ‘E agora, Brasil?’ Foto: Reprodução
O evento, realizado pelos jornais O GLOBO e Valor Econômico, com patrocínio do Sistema Comércio através da CNC, do Sesc, do Senac e de suas Federações, foi mediado por Merval Pereira, colunista do GLOBO, e Cristiano Romero, editor executivo e colunista do Valor.
— A reforma administrativa é fundamental para que a gente enfrente o maior problema do país, que é a desigualdade social. É um instrumento de justiça social, porque precisamos melhorar os serviços públicos, em particular saúde, educação e segurança, para gerar melhores oportunidades, principalmente para a população de menor renda — afirmou Ana Carla.

A economista também ressaltou:

— Precisamos rever o modelo atual, porque ele não nos permite fazer isso.

“O objetivo não é o esforço fiscal, e sim melhorar o serviço público” ANTONIO ANASTASIA – Senador (PSD-MG)

Ana Carla chamou atenção para o que classifica como “distorções gravíssimas” no serviço público, referindo-se ao regime automático de progressão e promoção de carreira. E destacou a decisão da Advocacia-Geral da União (AGU) da semana passada — suspensa após uma onda de críticas — de promover 607 procuradores, sendo que 606 deles passariam ao topo da carreira, com salários de R$ 27,3 mil.

— Temos situações inaceitáveis para um país tão desigual, num momento tão crítico de crise econômica, como as férias de 60 dias (caso dos juízes), ou seja, temos tantas distorções nesse modelo atual que não podemos, neste momento, protelar essa discussão, nem fazê-la só para o futuro.

O texto da reforma apresentada pelo Ministério da Economia ao Congresso acaba com benefícios considerados como privilégios, como licença-prêmio e progressão automática de carreira, mas deixa de fora membros de Poderes, como juízes, promotores e parlamentares. Isso porque, devido à independência entre os Poderes, o Executivo não pode propor mudanças aos demais.

“A gente gasta mais e entrega menos qualidade que outros países” DANIEL DUQUE – Pesquisador do Ibre da Fundação Getúlio Vargas

Duque, do Ibre/FGV, reforçou que, ainda que isso esteja sendo corrigido ao longo do tempo, o setor público tem muitas distorções que podem ser consideradas privilégios também na comparação com o serviço privado. Essas distorções, afirmou, não resultam em um serviço melhor para o cidadão e ainda oneram a máquina do governo:

— A sociedade vai demandar, daqui para frente, mais serviços públicos como saúde, por causa da pandemia; educação, devido ao empobrecimento da população. E, em relação a outros países em desenvolvimento, a gente gasta mais do que a média e entrega menos qualidade. A reforma é necessária porque, com o espaço fiscal cada vez mais reduzido, essa é a melhor maneira de oferecer bons serviços.

Estabilidade do servidor

Outro ponto sensível é a questão da estabilidade, que deixa de existir para parte dos novos servidores, pela proposta apresentada pelo governo. O benefício ficará restrito a integrantes das carreiras típicas de Estado, como auditores fiscais ou delegados da Polícia Federal.

Para os especialistas, a estabilidade dos servidores não está no centro da reforma. O importante, afirmam eles, é acabar com uma série de privilégios oferecidos a determinadas categorias de servidores, aumentar a remuneração de quem atende diretamente o cidadão e contar com um processo eficaz de avaliação de desempenho de todos eles.

O senador Anastasia defende que a reforma administrativa, ao contrário da tributária e a da Previdência, seja um movimento permanente.

— A reforma será vantajosa para o cidadão. O objetivo não é fazer um esforço fiscal, e sim melhorar a qualidade do serviço público, criando um círculo virtuoso, melhorando o ambiente de negócios, criando mais segurança jurídica, trazendo desenvolvimento — disse Anastasia. — Tem que ser um ganha-ganha, gerando menos burocracia e maior eficiência.

Para ele, não se deve mexer em direito adquirido. Mas alerta que não se pode confundir direito com privilégio. Anastasia sublinha que a estabilidade não é no cargo, mas no serviço público. Isso justificaria ainda mais a adoção de um sistema eficiente e sério de avaliação de desempenho, para determinar promoções, demissões ou troca de cargo.

O senador acredita que o Brasil tem hoje um ambiente positivo para reformas, com um Congresso “disposto a aprovar” e um governo aberto ao diálogo.

“Com essa economia, poderíamos investir em saúde, educação”. PAULO UEBEL – Ex-secretário de Desburocratização do governo  

Paulo Uebel, ex-secretário especial de Desburocratização do Ministério da Economia, ressaltou que o Brasil tem atualmente uma carga tributária equivalente à de países desenvolvidos, como Alemanha e Estados Unidos, por exemplo, mas entrega serviços públicos de países em desenvolvimento:

— Essa diferença é que gera grande insatisfação popular. Então, nosso trabalho é aproximar e termos uma carga tributária proporcional à qualidade dos serviços públicos. A reforma administrativa é o maior programa social do governo federal. Todos serão beneficiados.

Impacto positivo

Do ponto de vista das contas públicas, Uebel citou estudo realizado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) com o Ministério da Economia, segundo o qual a reforma, na atual modelagem, teria um impacto fiscal de mais de R$ 300 bilhões em dez anos. Mas ele defende que pode ser ainda mais:

— Um estudo não oficial que fiz com outras pessoas aponta que, incluídos os atuais servidores, só com as vedações de privilégios, mantendo a estabilidade e incluindo membros de Poder, poderia passar de R$ 1 trilhão. Com essa economia, em dez anos se poderia investir em saúde, infraestrutura, educação e assistência social.

Merval, do GLOBO, destacou a importância de debater um assunto sensível como a reforma administrativa:

— O mais interessante do debate foi a abordagem sobre o fim da estabilidade para os servidores. Ela deve ganhar outra conotação, de proteção de certos servidores que não podem estar expostos a pressões políticas. Mas não pode continuar sendo uma blindagem para maus profissionais.

Já Romero, do Valor, ressaltou o consenso em torno da necessidade de mudanças:

— O que mais chamou minha atenção neste “E agora, Brasil?” foi, primeiro, a concordância de todos quanto à necessidade de o Estado brasileiro passar por profundas mudanças e, segundo, a convergência de ideias sobre a reforma a ser feita neste momento.

‘E agora, Brasil?’: Reforma administrativa precisa enfrentar os problemas da progressão de carreira no serviço público

E o fim da estabilidade para parte dos novos servidores, que poderá afetar até quem já passou em concurso público mas ainda não foi chamado para o cargo, é um dos itens mais sensíveis da proposta e que deve enfrentar resistência no Congresso. Pelo projeto, permaneceriam estáveis apenas os servidores das chamadas carreiras típicas de Estado, além dos funcionários antigos.
— Nosso problema não está na estabilidade. Nosso problema no funcionamento da máquina pública está justamente na avaliação de desempenho, na real meritocracia e em desigualdades salariais que devem ser atacadas por meio da regulamentação do teto constitucional, ou seja, deve-se acabar com o teto extraconstitucional e com os penduricalhos que estão fora — afirmou Ana Carla Abrão, diretora da Oliver Wyman no Brasil e ex-secretária de Fazenda de Goiás.

Ela lembrou que, na semana passada, a AdvocaciaGeral da União (AGU) promoveu 607 procuradores, sendo 606 deles para o topo da carreira, com salários de R$ 27,3 mil. A promoção em massa, revelada pelo site Poder360, gerou uma onda de críticas e acabou suspensa. E levou parlamentares a cogitarem incluir os servidores antigos na proibição de promoções automáticas.

— Uma avaliação de desempenho com todos os servidores ganhando nota 100 não avalia muita coisa. Todo mundo sobe, quando nem todo mundo deveria — disse Ana Carla. — Faltam servidores na base, o que provoca a constante necessidade de inchar a máquina com temporários.

“A reforma é fundamental para enfrentar a desigualdade social” . ANA CARLA ABRÃO – Diretora da Oliver Wyman no Brasil

Avaliação de desempenho

O ex-secretário de Desburocratização Paulo Uebel também afirmou que a máquina pública não pode ter um “mecanismo onde todo mundo tira a nota máxima”:

— No governo federal, de quem recebe gratificação, a ampla maioria recebe o valor total. E muitas vezes não é um mecanismo de meritocracia. O maior avanço que eu vejo é acabar com as promoções e as progressões por tempo de carreira, de forma automática. Isso é uma distorção absurda. É preciso ter avaliação de desempenho, ter progressão e promoção de acordo com o mérito e o desempenho.

Uma das mudanças previstas na reforma administrativa diz respeito ao critério para promoções, que se baseariam no desempenho, deixando de ser por tempo de serviço ou automáticas.

O pesquisador do Ibre/FGV Daniel Duque, no entanto, pontuou que uma flexibilização exagerada das regras de remuneração pode gerar outro tipo de distorção:

— Como o gestor é quem decidirá por dar a bonificação ou demitir, é possível que os servidores sofram pressões, fazendo com que trabalho não seja direcionado à população, mas para agradar ao superior.

Possível risco jurídico

Para o senador Antonio Anastasia (PSD-MG), da Frente Parlamentar da Reforma Administrativa, é fundamental fazer uma avaliação de desempenho permanente, com diretrizes e clareza, para demitir maus servidores.

Já Ana Carla vê risco jurídico na coexistência de dois modelos de carreira, com servidores contratados depois da reforma pedindo equiparação aos antigos:

— Em 20 anos, teremos dois servidores, com carreiras totalmente distintas, trajetórias financeiras muito diferentes, fazendo coisas similares.

Anastasia disse ainda temer que a reforma administrativa acabe sendo “desperdiçada” devido à disputa sobre a estabilidade, tema que pode enfrentar resistência no Congresso:

— A estabilidade é, politicamente, o mais importante. As pessoas acabam tendo uma paixão pelo assunto — afirmou. — A estabilidade vai ser uma batalha imensa, e eu não sei o custo dela. Podemos desperdiçar a reforma administrativa em algo que é simbólico, mas não é nuclear.

‘Carreira típica de Estado’ gera dúvidas

Anastasia ressaltou ainda que haverá muita polêmica sobre o que seria umacarreira típica de Estado. Para ele, a definição, diferentemente daquela adotada na reforma feita em 1998 — que usou a expressão “serviços exclusivos” —, deixa margem a interpretações:

— Uma universidade federal é típica. Ela não é exclusiva, mas é típica.

Apesar de concordar sobre a necessidade de garantir a estabilidade para algumas funções, Uebel disse que não faz sentido mantê-la para carreiras de suporte. E citou como exemplos os cargos de soprador de vidro e operador de videotape.

— O exemplo do soprador de vidro não cola. Ele não é estável no cargo, e sim no serviço público. O cargo pode ser extinto — rebateu Anastasia, ressaltando que esses servidores podem ser transferidos.

Reforma administrativa precisa resolver disparidade salarial entre setores público e privado

 As disparidades salariais e as progressões automáticas de carreira são distorções que acabam consumindo o Orçamento público, avaliam os especialistas que participaram, na última quinta-feira,  do debate “E agora, Brasil?” para discutir a reforma administrativa

O economista e pesquisador do Ibre/FGV Daniel Duque fez um levantamento, com base em dados da Rais de 2018, e constatou que a desigualdade salarial entre funcionários públicos é maior do que aquela entre trabalhadores da iniciativa privada.

Segundo ele, essa disparidade decorre de privilégios, que encarecem a máquina pública e não melhoram o serviço à sociedade:

— Atualmente, não se usam bonificações como mecanismos de reconhecimento. Precisamos trocar o perfil de desigualdade, para que ela incentive melhores práticas. Isto é, um servidor passará a ganhar mais que outro porque entregou um serviço melhor.

Base é mal remunerada

Ana Carla Abrão, ex-secretária de Fazenda de Goiás e diretora da consultoria Oliver Wyman no Brasil, critica as promoções automáticas, que fazem com que o governo gaste mais para bancar os salários do que para prover serviços.

Ela alerta também para o fato de haver uma massa de funcionários públicos, sobretudo aqueles que atuam em saúde, segurança e educação, mal remunerada e sem condições de trabalho:

— O médico tem aumento salarial, mas não recebe esse aumento porque em vários estados o salário dele é parcelado. O professor chega na escola pública e não tem condições de dar aula. O policial está morrendo nas ruas, porque não tem uma viatura que possa usar de forma correta.

Comparação entre salários de funcionários públicos e da iniciativa privada Foto: Editoria de Arte
Comparação entre salários de funcionários públicos e da iniciativa privada Foto: Editoria de Arte

Em sua exposição, Duque citou uma pesquisa feita pelo professor de economia Felipe Araújo, da Universidade Lehigh, nos EUA, que mostra que a média salarial dos servidores públicos supera em cerca de 48% a dos trabalhadores do setor privado.

— Não se pode ter a mesma função desempenhada na iniciativa privada e na iniciativa pública com distorção de 94% da remuneração, como apurou o Banco Mundial. Privilégio não gera direito adquirido — completou o ex-secretário de Desburocratização, Paulo Uebel, citando outro estudo.

Comparação entre salários de funcionários públicos e da iniciativa privada Foto: Editoria de Arte
Comparação entre salários de funcionários públicos e da iniciativa privada Foto: Editoria de Arte

O editor executivo do Valor, Cristiano Romero, questionou Duque sobre se é factível comparar carreiras como as de auditor da Receita com as do setor privado. O pesquisador reconhece que há grandes diferenças, mas ressaltou que o pior é haver grandes disparidades salariais:

— Na década de 90, havia uma diferença salarial um pouco menor entre serviço público e setor privado. No entanto, ao longo dos anos, fomos vendo um ganho salarial contínuo dos servidores acima do privado. Isso ficou muito mais escancarado depois da crise de 2015/2016 — afirmou o pesquisador.

Duque aponltou ainda o fato de ter havido aumentos salariais no setor público:

— O salário dos servidores não pode ter queda nominal, enquanto no setor privado você pode demitir e recontratar com salário menor. Outro fator é que, na crise, não teve nenhum processo de redução de benefícios (dos servidores), inclusive havendo reajustes.

Na reforma administrativa, poder para extinguir órgãos preocupa especialistas

A maior preocupação é com o uso político desse instrumento. Para o senador Antonio Anastasia (PSD-MG), da Frente Parlamentar da Reforma Administrativa, é preciso distinguir entre órgãos que apenas servem ao Executivo e entidades criadas por uma lei específica.
— O que não pode haver é que, por decreto, ocorra a extinção de entidades. Acho um exagero do governo. Há uma diferença entre órgãos, por exemplo, uma superintendência dentro de um ministério, que podem ser extintos por decreto, e as entidades, como universidades, a Funai, o Ibama ou uma empresa pública, que precisam de leis para serem criadas e para serem extintas — disse o senador.

O economista e pesquisador do Ibre/FGV Daniel Duque concordou, ressaltando que não se deve dar ao Executivo a capacidade de extinguir por decreto uma entidade que tem natureza jurídica própria:

— Quando há um órgão adjunto da estrutura do governo, por exemplo uma secretaria, aí tudo bem. Mas isso não deve se estender às entidades. Elas têm papéis que podem, inclusive, ser contrários aos objetivos políticos e, por isso, devem ter autonomia para realizar o trabalho delas. Caso contrário, estarão sujeitas a represálias — ressaltou Duque

Papel político

Paulo Uebel, ex-secretário de Desburocratização, compartilha dessa opinião:

— Eu sou contra. Se o Parlamento diz que o Poder Executivo tem que fiscalizar o meio ambiente, essa é a decisão. A atribuição legal não deve ser extinta pelo Executivo.

O colunista do GLOBO Merval Pereira lembrou o caso da transferência do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) do Ministério da Justiça para a Economia. Foi por causa de movimentações financeiras atípicas detectadas pelo Coaf que o senador Flávio Bolsonaro, filho do presidente Jair Bolsonaro, começou a ser investigado.

Segundo Merval, esse caso mostrou como uma disputa política pode interferir na administração pública.

Para Uebel, o impasse em torno do Coaf não foi saudável para a sociedade:

— Deveria ser uma decisão técnica. E, se o Legislativo verificar algum abuso, há mecanismos para impedir isso.

Já Anastasia defendeu, nesse caso, a flexibilidade de organização do governo:

— A questão é se deveria se criar o Coaf ou não. Uma vez criado, isso é matéria interna do Executivo.

 Reforma administrativa é um processo e vai demandar treinamento e qualificação de gestores

É importante, afirmou Anastasia no seminário “E agora, Brasil?”, na última quinta-feira, garantir a qualificação de gestores e líderes para se conseguir melhorar a qualidade dos serviços públicos no Brasil. Na avaliação do senador, esse processo precisa começar o mais rapidamente possível.

— Depois de todo o quadro normativo aprovado, teremos que melhorar a qualificação, treinar os gestores e os líderes, que também não têm qualificação do ponto de vista de gestão. É um processo que temos que começar agora. Se esperarmos o momento ideal, pode ser que ele nunca surja — disse Anastasia.

Durante o debate “E agora, Brasil?”, o senador ressaltou que a reforma administrativa é um processo contínuo. E lembrou que o Brasil nunca deu muita importância ao tema da gestão pública. Para ele, o assunto sempre foi tratado de forma periférica.

Por isso, o país avançou pouco em temas como capacitação, qualificação e quantificação dos servidores. Isso não permitiu consolidar uma cultura organizacional, avaliou Anastasia.

‘Distorções gravíssimas’

— E isso tudo por falta de uma política pública nacional de recursos humanos no setor público. Tivemos a experiência do Dasp (Departamento Administrativo do Serviço Público), que vigorou de 1938 a 1985. Naquela época, havia diretrizes e nortes. Depois não foi substituído por nada. E o tema de recursos humanos e da gestão pública no Brasil ficou esquartejado no governo, ora no Ministério do Planejamento, ora na Economia, ora em lugar nenhum — afirmou o senador.

 

Ainda assim, a economista Ana Carla Abrão, ex-secretária de Fazenda de Goiás e diretora da consultoria Oliver Wyman no Brasil, é preciso agir logo, sob o risco de aprofundar o problema fiscal do país:

— Não temos 20 anos para esperar para reformar o serviço público no futuro. Esse futuro não chegará se nós não começarmos a reforma agora, e incorporando os servidores atuais. Estamos vendo distorções gravíssimas, como as promoções que foram feitas pela AGU — disse, citando a promoção de 607 procuradores na Advocacia-Geral da União, que acabou anulada.

Ela concorda com o senador sobre o fato de que o modelo atual da máquina pública brasileira não permite oferecer serviços de qualidade ao cidadão:

— A máquina está se consumindo nela própria, não temos recursos para investir no servidor público. É um modelo em que todos perdem. A máquina se deteriora, e as condições fiscais do país também. É o que estamos vivendo em alocação de gasto, crescimento da dívida pública, e toda uma situação fiscal que está colocando em risco a solvência, a capacidade de crescimento, de geração de emprego e de renda do Brasil.

Uma reforma, três etapas Foto: Arte O Globo
Uma reforma, três etapas Foto: Arte O Globo

Modelo de 30 anos atrás

Paulo Uebel, ex-secretário Especial de Desburocratização, Gestão e Governo Digital do Ministério da Economia, considera a reforma administrativa vital para qualificar os serviços públicos.

 

Para Uebel, o Estado precisa ser modernizado e ter as condições e alavancas para poder prover os serviços:

— Senão os gestores públicos não vão poder fazer nada, 94% do Orçamento estarão totalmente engessados. É impossível fazer uma boa gestão se você não tiver mais flexibilidade e mais alternativas.

Por isso, segundo ele, uma nova administração pública é essencial e precisa ter foco total em servir a sociedade:

— Essa é a premissa. Não vamos reinventar a roda, vamos copiar e adaptar aquilo que deu certo em outros países e que pode servir à sociedade brasileira.

Órgão de RH

O senador Anastasia destacou ainda que, se o país tivesse um órgão específico para os recursos humanos, a organização da administração pública estaria mais avançada.

— Haveria mais condições de qualificar e quantificar os servidores. Por isso, nós da Frente Parlamentar defendemos o que já existe em vários lugares do mundo, que é uma agência que vai cuidar desse planejamento e das diretrizes que não temos no Brasil. A agência é imprescindível para a quantificação e planejamento — disse Anastasia.

Ana Carla ressalta a complexidade da reforma, que precisa atacar privilégios garantidos a parte do funcionalismo, como férias de 60 dias:

— É uma reforma complexa, que exige o amadurecimento de conceitos muito importantes e sensíveis, como a discussão dos vínculos, do regime jurídico único, da estabilidade, mas também a avaliação de desempenho, a vedação desses dispositivos e dessas desigualdades que temos hoje. Tem de ser feita para termos uma sociedade mais justa.

O seminário “E agora, Brasil?” é realizado pelos jornais O GLOBO e Valor Econômico, com patrocínio do Sistema Comércio através da CNC, do Sesc, do Senac e de suas Federações. 

Crédito: Bruno Rosa, Glauce Cavalcanti e Letycia Cardoso/ O Globo – disponível na internet 28/09/2020
 

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