Para financiar o programa, a proposta é usar os recursos de pagamento de precatórios e parte do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb). Os precatórios são títulos da dívida pública reconhecidos após decisão definitiva da Justiça.
“Estamos buscando recursos com responsabilidade fiscal e respeitando a lei do teto de gastos. Nós queremos demonstrar à sociedade e ao investidor que o Brasil é um país confiável”, disse o presidente, em declaração à imprensa após reunião com ministros de Estado e líderes partidários, realizada na manhã desta segunda-feira, no Palácio da Alvorada.
O senador Márcio Bittar (MDB-AC), relator da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) do Pacto Federativo, explicou que as propostas das duas fontes de renda serão apresentadas tanto na PEC do Pacto Federativo, quanto na PEC Emergencial, que tratam da desindexação dos gastos públicos.
“O Brasil tem no Orçamento R$ 55 bilhões para pagar de precatórios e vamos utilizar o limite de 2% das receitas correntes líquidas, que é mais ou menos o que já fazem estados e municípios. Vamos estabelecer a mesma coisa para o governo federal. E o que sobrar desse recurso, juntando com o que tem no orçamento do Bolsa Família, vai criar e patrocinar o novo programa”, explicou Bittar.
Além disso, será proposto que o governo federal também possa utilizar até 5% dos recursos Fundeb, segundo o senador, “também para ajudar essa família que estarão no programa a manterem seus filhos na escola”. O Fundeb foi promulgado no mês passado e amplia de 10% para 23% a participação da União no financiamento da educação básica
Agência Brasil de Notícias 29/09/2020
Financiar programa social com precatório é pedalada, diz ex-secretário de Guedes
O governo vai repetir as pedaladas fiscais caso decida levar adiante a proposta de adiar o pagamento de precatórios (valores devidos após sentença definitiva na Justiça) para bancar o Renda Cidadã, diz ao Estadão/Broadcast o economista Alexandre Manoel, que fez parte do governo Michel Temer e continuou até março deste ano na equipe do ministro Paulo Guedes como secretário de Avaliação, Planejamento, Energia e Loteria do Ministério da Economia.
Para ele, as propostas de “contabilidade criativa” têm surgido dentro do governo e do Congresso porque há uma hesitação no enfrentamento do problema. “Se o objetivo é manter o teto, tem de reduzir despesa obrigatória”, diz. Confira os principais trechos da entrevista:
Como o sr. avalia a proposta de tirar dinheiro dos precatórios para financiar o Renda Cidadã?
Se lermos o julgamento das contas de 2014 do governo de Dilma Rousseff, quando o Tribunal de Contas da União (TCU) identificou as chamadas pedaladas fiscais, é possível entender essa forma de financiamento via precatórios como uma espécie do gênero pedalada fiscal. As pedaladas refletiram a excessiva discricionariedade do governo no campo orçamentário, em decorrência da compreensão equivocada de que a administração pode tudo no campo das finanças públicas e detém o monopólio da alocação dos recursos do Estado. Com o recente crescimento institucional do TCU e de instituições como a Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado, já deveria ter ficado claro para todos que a administração pública não pode fazer tudo.
Qual é o risco de empurrar as dívidas dos precatórios para o futuro? Não é o que Estados e municípios têm feito?
Sim, isso mesmo. Vale também mencionar que, do ponto de vista econômico, o efeito disso é similar à postergação de despesa via restos a pagar (despesas não pagas que são postergadas para o ano seguinte), quando esses aumentavam a taxas crescentes. O efeito na dívida pública ao longo do tempo é claro, prejudicando sua sustentabilidade.
Os recursos “economizados” com os precatórios podem formalmente ser considerados fonte de espaço fiscal para bancar um programa social permanente?
Não. O artigo 17 da Lei de Responsabilidade Fiscal é claro e de simples entendimento: para criar despesa obrigatória de caráter continuado, tem de haver aumento permanente de receita ou redução permanente de despesa. Se o objetivo for criar um novo programa social que caiba no teto de gastos (regra constitucional que impede que as despesas cresçam em ritmo superior à inflação), tem de reduzir outra despesa obrigatória.
O que o governo precisa fazer para tirar o Renda Cidadã do papel?
Precisa aumentar de maneira permanente a receita ou reduzir de forma permanente outra despesa. Se quiser manter o teto no formato atual, terá de reduzir despesa obrigatória, a exemplo do que a equipe econômica já propôs via alteração no abono salarial e no seguro-defeso.
A restrição imposta pelo teto está nutrindo propostas de “contabilidade criativa”? Como coibir?
Desde a administração do presidente Ilan Goldfajn no Banco Central, a comunicação da política monetária (decisão sobre a calibragem da taxa básica de juros para controlar a inflação) tem sido fantástica. Podem até discutir a intensidade, mas jamais a direção dela, que tem sido sempre clara. Esse exemplo tem de ser seguido na política fiscal. As propostas de contabilidade criativa têm surgido porque aparentemente não se quer enfrentar o problema de frente: se o objetivo é manter o teto, tem de reduzir despesa obrigatória. Se não quer manter o teto, tem de deixar claro. As escolhas a serem feitas são duras, mas simples. Não deveriam complicar.
Qual é o risco desse tipo de solução para a credibilidade do País?
Diminuir ainda mais a credibilidade, que já vem ladeira abaixo há alguns meses. Basta observar as taxas dos títulos mais longos, a volatilidade cambial (nesta segunda-feira, o dólar subiu 1,5%, a R$ 5,6390, maior valor desde 20 de maio) e os movimentos da bolsa de valores (A Bolsa brasileira, que operava em alta de mais de 1% até o início da tarde, tombou com o anúncio e o Ibovespa fechou em queda de 2,4%, a 94.666 pontos, menor valor desde 26 de junho), muitas vezes na direção contrária à do mercado mundial.
Os líderes também indicaram o uso de recursos do Fundeb, que está fora do teto, para financiar o Renda Cidadã. É um drible?
Creio que sim, pois a lei diz que, se quiser criar despesa obrigatória de caráter continuado, tem de haver aumento permanente de receita ou redução permanente de despesa. Como temos o teto, a única opção que resta é reduzir despesa obrigatória.
O caminho é a revisão do teto de gastos?
Esse caminho quem tem de apontar são nossos representantes no Planalto e no Congresso Nacional, legitimamente eleitos. Os desafios são claros e com vasto diagnóstico de diversos especialistas. O ajuste proposto pelo atual teto é intertemporal e suave, dado o buraco fiscal que o Brasil convive desde meados da década passada. Se houver desvio de rota nas reformas, com dívida pública e carga tributária já altas, parece-me que não haverá saída diferente de voltarmos com a inflação, pois o buraco fiscal terá de ser corrigido de alguma forma. Um choque inflacionário de 15% a 20% durante uns dois ou três anos corrige o buraco fiscal rapidinho. Espero que essa não seja a escolha, pois a opção de corrigir os nossos problemas fiscais via inflação já foi exercida pelo Brasil em várias outras oportunidades e mostrou prejudicar preponderantemente os mais pobres.
O governo admitiu não haver consenso para desonerar folha, mas prometeu não elevar carga tributária. É possível, dado o cenário fiscal?
Eu gostaria de não precisar repetir o passado. Se a solução para financiar a desoneração for via algum tributo similar à antiga CPMF, já sabemos que o cumprimento dessa promessa não será possível, conforme nossa experiência histórica. De qualquer forma, para fazer face ao atual buraco fiscal, alguma recuperação de receita é necessária. O ideal é reduzir os subsídios (gastos) tributários aos patamares de 2005, pois desconheço estudos robustos que mostrem a efetividade da expansão desses subsídios de 2006 a 2014, quando saíram de 2% do PIB para 4,5% do PIB.
Crédito: Idiana Tomazelli, O Estado de S.Paulo – disponível na internet 29/09/2020
Governo decide usar recursos para precatórios e Fundeb em novo Renda Cidadã
Em pronunciamento no meio do encontro, o senador Márcio Bittar disse que o Renda Cidadã será custeado com recursos para precatórios e verbas do próprio Bolsa Família, que será extinto, e do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb). Destacou que houve um “consenso” e que o presidente deu sinal verde para fechar a proposta.
“O Brasil tem no Orçamento 55 bilhões de reais para pagar precatórios e vamos utilizar o limite de 2% das receitas correntes líquidas, que é mais ou menos o que já fazem Estados e municípios. Vamos estabelecer a mesma coisa para o governo federal e o que sobrar desse recurso, juntando com o que tem de Bolsa Família vai”, detalhou Bittar, em fala durante o encontro que continuava na residência oficial.
Os precatórios são dívidas reconhecidas pela União –na prática, o governo vai retirar uma parcela desses recursos para bancar o novo programa.
O senador explicou ainda que há uma proposta para o Executivo usar até 5% do novo Fundeb para bancar o programa de assistência de renda.
O eventual uso de parte dos recursos do fundo educacional para bancar o novo programa assistencial do governo já foi alvo de polêmica durante a tramitação da PEC que tornou permanente o Fundeb meses atrás. Isso chegou a ser discutido, mas não foi levado adiante.
RESPONSABILIDADE
Na sua fala inicial, Bolsonaro agradeceu a presença dos líderes e dos integrantes do governo na busca de um entendimento para “recuperar os empregos, atender aqueles conhecidos agora como invisíveis, o Brasil segundo a doutrina, a orientação do Paulo Guedes, tem que voltar à normalidade o mais rápido possível”.
“Estamos buscando recursos com responsabilidade fiscal e respeitando a Lei do Teto. Nós queremos demonstrar à sociedade e ao investidor que o Brasil é um país confiável”, disse ele, ao acrescentar que as alternativas devem ser encaminhadas ao Congresso antes das eleições para garantir que o Brasil possa voltar ao caminho da normalidade “o mais rápido possível”.
O líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR), também reforçou que o Renda Cidadã será apresentado respeitando o teto de gastos públicos e tem por objetivo atender aos milhões que, a partir do próximo ano, ficarão sem receber o auxílio emergencial pago durante a pandemia do novo coronavírus.
Último a falar, o ministro da Economia, Paulo Guedes, também destacou que o governo respeitará o teto de gastos na iniciativa, que possibilitará a aterrissagem do auxílio emergencial num novo programa de renda básica a partir de 1º de janeiro.
A proposta será incluída na chamada PEC Emergencial, em tramitação no Senado, disse Bittar, que é relator dessa matéria. Não se falou qual o valor do novo programa de transferência de renda.
SEM CONSENSO
Contudo, segundo afirmaram os presentes, não houve por ora consenso sobre a segunda etapa da reforma tributária, que foi outro tema debatido no encontro.
O ministro da Economia afirmou que o Brasil é um país que precisa criar emprego em massa e, quanto à solução para bancar a desoneração da folha de pagamento para incentivar a investida, sinalizou que a decisão ainda não foi tomada.
“Continuamos estudando esse capítulo particularmente na reforma tributária”, disse ele.
Segundo Guedes, essa perna da reforma tributária ainda está sendo finalizada. “Temos a nossa proposta praticamente pronta e agora é a política que dá o timing”, disse ele, após pontuar que o governo não irá elevar impostos, mas promover uma substituição.
Em meio ao impasse com a segunda parte da proposta para a reforma tributária, o líder do governo no Senado, Fernando Bezerra (MDB-PE), destacou que dois comandos serão obedecidos: o primeiro é não aumentar a carga tributária e o segundo não furar o teto de gastos.
Antes da reunião, o líder do governo no Congresso, senador Eduardo Gomes (MDB-TO), havia dito à Reuters que o encontro seria para fechar as duas propostas que deveriam ser encaminhadas ao Congresso na terça-feira. [L1N2GP0HT]
Entretanto, nem mesmo o Renda Cidadã –que já tem consenso– os presentes cravaram datas para envio ao Legislativo.
Crédito:
Assista a entrevista que começa aso 2min21seg