Mundo do trabalho vive mudanças profundas, que se acentuarão com a tecnologia cada vez mais ditando o ritmo das transformações
O emprego passa por uma mudança profunda. E nos próximos oito anos, especialistas apontam que essa transformação será ainda mais radical. A tecnologia ditará o tom das alterações, agindo algumas vezes como protagonista, e em outras, com coadjuvante, por efeito colateral nesse processo.
Essas premissas estão por trás do estudo realizado pela multinacional de tecnologia Cognizant. Há dois anos, sob a liderança do especialista Ben Pring, que se autointitula futurologista em mercado de trabalho, a empresa norte-americana edita uma lista com 21 profissões que, nos próximos anos, devem movimentar as agências de recursos humanos. A publicação é revisada periodicamente e traz tendências para o mercado até 2028.
Algumas ocupações, citadas no estudo pela primeira vez dois anos atrás, já fazem parte da realidade corporativa atualmente. É o caso da profissão de investigador de dados, que procura, processa e analisa informações e rastros deixados por pessoas, empresas e governos na internet. Com mudanças pontuais em sua denominação, a função hoje é mais conhecida como cientista de dados, e é disputada por empresas de tecnologia.
Outras, no entanto, parecem retiradas da ficção científica. É o caso do alfaiate digital, profissional que segundo a projeção será responsável por customizar, tirar medidas ou mesmo desenhar roupas sob medida, a serviço de lojas que operam exclusivamente pela internet. Ou o controlador de tráfego autônomo, que terá sob sua responsabilidade o gerenciamento de trânsito de veículos autônomos e de drones nas grandes cidades do mundo.
“A nossa pesquisa leva em consideração a realidade do mercado de trabalho nas principais cidades do mundo. Muitas vezes, são empregos que já estão ai, próximos da gente. Em outros casos, são empregos que podem até não acontecer, devem mudar, conforme acontece o avanço da tecnologia”, afirma Roberto Wik, diretor da indústria e varejo da Cognizant no Brasil.
O caminho para 2028
Conheça as profissões de alta a baixa tecnologia, em dez anos
Saiba quais são as 21 profissões do futuro
Investigador de dados – Assíduo analista de dados, profissional precisará interpretá-los da melhor maneira possível. Além disso, deve ser curioso, analítico e multitarefa
Facilitador de TI – Profissional vai gerar flexibilidade para os usuários com o uso de aplicativos e infraestrutura, desenvolvidos dentro da empresa ou em ambientes de nuvem
Gerente de ética – Investiga, acompanha, negocia e faz acordos sobre o fornecimento de produtos e serviços, para garantir o alinhamento nos contratos relacionados a questões éticas de um público estratégico
Gerente de negócio em I.A – O trabalho será próximo a áreas de vendas, marketing e sócios no segmento de inteligência artificial
Especialista em edge computing – A computação em nuvem está gradualmente abrindo caminho para a próxima grande evolução: a edge computing, que desencadeia o potencial de dispositivos de hardware conectados e os descentraliza
Walker-Talker – O profissional será responsável por passar um tempo com os clientes, e sua principal atividade vai ser prestar atenção no que eles dizem
Consultor fitness – Profissional responsável por motivar a atividade física, melhorar a nutrição e fazer com que o indivíduo adote um estilo de vida mais saudável
Técnico em saúde informatizada – Responsável por examinar, diagnosticar, administrar e prescrever tratamentos para pacientes com o auxílio da inteligência artificial e de médicos acessíveis remotamente
Analista de cidades cibernéticas – Profissional deverá trabalhar com informações que incluam dados dos cidadãos e dos recursos dos municípios
Diretor de genoma – Profissional vai criar e executar uma estratégia para aumentar o portfólio de produtos que envolvam a ciência da vida
Gerente de man-machine – Profissional trabalha na colaboração entre homem e a máquina, responsável pela identificação de tarefas, processos, sistemas e experiências que possam ser melhorados com a tecnologia
Coach de saúde financeira – O profissional terá a função de um coach, e vai orientar sobre questões financeiras, os melhores investimentos e aplicações
Alfaiate digital – Com o avanço crescente do e-commerce, será necessário um profissional que vá até a casa do usuário, pegue suas medidas com um sistema digital e faça os ajustes necessários em suas roupas e sapatos comprados na web
Chief Trust Officer – Trabalhará ao lado de equipes internas de finanças e relações públicas. Vai gerenciar e aumentar a presença pública e privada em toda a esfera financeira, e sempre trabalhar com transparência nas finanças de uma organização
Analista de computação quântica – O profissional atuará na área de machine learning (“aprendizado de máquina”, em inglês), principalmente com a integração com o aspecto quântico
Sherpa de loja virtual – Sherpas ajudam escaladores a subirem montanhas. No futuro, sherpas virtuais vão guiar consumidores pelas lojas virtuais, auxiliando em compras dentro de cenários complexos
Corretor de dados pessoais – Profissional será responsável por monitorar e comercializar dados de pessoais, empresas e governos deixados na internet
Curador de memória pessoal – Profissional consultará uma série de públicos especifcos, a mídia e fontes históricas para refazer e formular experiências do passado, para reduzir o estresse ou a ansiedade que a perda de memória provoca
Construtor de realidade aumentada – Ele vai projetar, escrever, criar, calibrar, construir e personalizar viagens em realidade aumentada para as pessoas
Controlador de tráfego autônomo – Gerenciador de tráfego de veículos autônomos e de drones
Oficial de diversidade – Profissional vai facilitar a rentabilidade e a produtividade de uma organização e, ao mesmo tempo, promoverá um ambiente de inclusão
MUNDO NOVO
Em uma das conclusões, o relatório observa que o futuro do trabalho não necessariamente será sombrio, apenas diferente. “Nossa prioridade com o estudo é mostrar que há um futuro para o trabalho humano. Todas as carreiras listadas neste levantamento estão surgindo em uma época em que o valor comercial está mudando radicalmente. Algumas habilidades estão perdendo espaço no mercado enquanto outras são muito mais valorizadas. Acreditamos que as profissões citadas na pesquisa combinam o futurístico com o possível”, aponta Ben Pring, vice-presidente da Cognizant.
Segundo a equipe de Ben Pring, profissões morrem e outras nascem desde o início dos tempos. A diferença, agora, é que isso acontece em um ritmo muito mais veloz. “O surgimento da lâmpada elétrica acabou de uma hora para a outra com o trabalho do cara que acendia o lampião no meio da rua. Hoje, a tecnologia faz isso o tempo todo com funções mecanizadas, que serão todas substituídas pelos robôs, mais cedo ou mais tarde”, afirma Wik.
FIM DE OCUPAÇÕES
Entre as projeções traçadas pelo estudo da Cognizant está o fim, no curto e médio prazo, de atividade milenares, que irão sucumbir à tecnologia e sua capacidade de produção superior à humana. “Atividades como a pesca profissional, por exemplo, vão acabar rapidamente”, diz Wik.
Segundo ele, esse processo é irreversível e global, impactando mesmo em praças hoje marcadas pelo déficit de desenvolvimento. “O que acontece é que em alguns países, como no Brasil, essas transformações devem demorar um tempo maior do que prevemos no estudo, mas esse é um processo irreversível”, afirma.
Como exemplo, ele cita o caso do caixas de supermercados ou atendentes de toda espécie.
“Há cinco anos existiam mais cobradores de ônibus do que hoje. Todas a vezes que eu passo em uma praça de pedágio, fica claro que aquele trabalho de receber o dinheiro e dar o troco vai acabar. Nos Estados Unidos esse trabalho quase não existe mais.” Roberto Wik, diretor da indústria e varejo da Cognizant no Brasil
ROBÔS: COLEGAS DE TRABALHO
Se por um lado, os avanços em aprendizado de máquina, visão computacional, robótica e internet das coisas, além da automação de linhas de produção fazem das máquinas excelentes funcionários e competentes colegas de trabalho, a projeção sobre os 21 trabalhos do futurotrata de lançar uma versão um pouco mais otimista sobre cenários hoje disseminados de desemprego em massa e em escala global.
“A boa notícia é que sempre será preciso um homem para programar e fazer a manutenção da máquina. E mais: o surgimento dos robôs, também abre espaço para novos problemas, que, de novo, vai depender de homens para serem solucionados”, diz Wik.
A teoria de Wik foi vivenciada pela especialista em recursos humanos Aline Sueth. Quando atuava da gestão de profissionais da companhia Ambev, ela lembra que, a partir de investimentos em mecanização, a empresa praticamente dobrou a capacidade de produção em uma de sua linhas. “Imediatamente, essa nova tecnologia nos trouxe uma nova dor de cabeça: o aumento exponencial de rejeitos, lixo da produção. Obviamente, tivemos de investir em novas competências para resolver essa questão.”
FLEXIBILIDADE
Para especialistas em carreira, o recado que exemplos como o da Ambev trazem aos profissionais é o de que, daqui para frente, a flexibilidade deve ser cultivada como principal atributo para não ficar de fora do mercado e trabalho. “A tecnologia exige uma formação contínua das pessoas”, aponta Wik.
“O futuro parece ser dos profissionais especializados. E isso nos força a aprender para toda a vida.”. Luciene Magalhães, líder em recursos humanos da KPMG
De fato, a busca por alta especialização é a tônica entre as 21 profissões do futuroapontadas pelo levantamento. Um conceito que, para a professora titular da Faculdade de Economia, Administração , Contabilidade e Atuária da Universidade de São Paulo (FEA-USP). Tânia Casado, já força uma mudança de perspectiva para os profissionais.
“Tudo mudou. Se no passado o espírito de organização era o que mais se buscava de um profissional no mercado de trabalho, hoje o atributo mais desejado é a adaptabilidade“, aponta a pesquisadora, que também é diretora do Escritório de Carreiras (ECar), da USP.
“A flexibilidade é fundamental para fazer a migração para uma outra carreira rapidamente. A disposição para viver novas experiências e a capacidade de construir redes de contato devem se tornar cada vez mais importantes. E para quem se prepara para entrar no mercado de trabalho, essas competências prometem valer mais que a própria profissão”, diz Tânia.
Crédito: Renato Jakitas/ O Estado de São Paulo – disponível na internet 26/10/2020
Uma ótima reflexão para quem está no segundo grau.