Alta dos preços pode garantir mais dinheiro para o governo Bolsonaro gastar em 2022, mas a carestia afeta muito os eleitores que o presidente quer conquistar, os mais pobres, que veem o poder de compra cair e a taxa de juros subir
Ao contrário do que o Banco Central vinha preconizando nas últimas reuniões do Comitê de Política Monetária (Copom), a inflação não dá sinais de ser temporária e vem ficando acima das previsões do mercado mês a mês. Logo, o governo do presidente Jair Bolsonaro terá o desafio de conviver com uma inflação mais alta daqui para frente, especialmente, em um ano eleitoral. Enquanto isso, os brasileiros estão ficando mais pobres com a alta generalizada de preços. O crédito deverá ficar mais caro e escasso diante do endividamento elevado das famílias em um cenário de desemprego crescente, apesar das estimativas otimistas de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) estarem acima de 5%.
Analistas ouvidos pelo Correio reconhecem o problema da inflação e seus riscos para a economia e lembram que o Brasil não está sozinho com esse dilema. Há uma alta nos preços no mundo que está sendo alimentada pela retomada do crescimento global — após a recessão de 2020 provocada pela pandemia da covid-19 — e pelos estímulos fiscais dos governos, e que vem sendo agravada no país por conta da crise hídrica. Além disso, há uma forte alta dos preços das commodities que vem influenciando a carestia dos alimentos desde o ano passado e que também persiste.
Apesar da escalada dos preços, Bolsonaro poderá ser beneficiado, com uma correção maior no teto de gastos — o que vai permitir a ele gastar mais em 2022 — em um cenário fiscal relativamente melhor do que o de 2020, porque o PIB deste ano deverá crescer mais, a arrecadação será maior e o deficit primário, menor. Além disso, por conta do deflator, o PIB nominal vai aumentar, ajudando a reduzir a dívida pública bruta por um período curto. Por outro lado, a sociedade pagará um custo bem alto se os preços continuarem subindo a ladeira sem freio, especialmente com o desemprego batendo recordes neste ano.
“A inflação não é um jogo de soma zero, o prejuízo é generalizado, principalmente, para a população mais pobre. Não é possível ver lado positivo para um cenário com inflação em alta, apesar de ter um efeito sobre o PIB nominal, ou sobre o teto de gastos, porque essa inflação está crescendo sobre uma economia com bases historicamente ruins e muito baixas, e com um quadro de desigualdade social pior, pois a renda do brasileiro está encolhendo”, alerta a economista e professora do Insper, Juliana Inhasz.
“A inflação vem com efeitos colaterais, que são mais juros e menos crescimento econômico. Logo, se tem um ambiente para o governo gastar mais fora do teto de gastos e ele for mantido, uma preocupação com o fiscal precisa continuar sendo relevante”, acrescenta a economista Silvia Matos, coordenadora do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre).
Escalada
Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apontaram alta acumulada em 12 meses de 8,06% no Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) de maio, após registrar a maior alta para o mês em 25 anos, de 0,83%, superando as previsões do mercado. Agora, as projeções do indicador da inflação oficial não param de ser corrigidas para cima, e, atualmente, estão cada vez mais próximas de 7% para o fim do ano, bem acima do teto da meta deste ano, de 5,25%. E, para piorar, as revisões também estão ocorrendo para o IPCA de 2022, e, algumas, já indicam uma taxa cada vez mais perto de 5%, o teto da meta do ano que vem.
O ex-diretor do Banco Central e economista-chefe da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), Carlos Thadeu de Freitas Gomes, reconhece que o IPCA poderá chegar a 7% no fim do ano, porque a alta atual dos preços não tem a ver com a demanda e, sim, com a oferta. “Há pressão de preços administrados, mas ainda não há pressão dos serviços, Logo, quando a atividade desse segmento voltar à normalidade, vamos ter mais inflação, não apenas neste ano como no próximo”.
Desemprego
O grande desafio de Bolsonaro será lidar com o cenário de empobrecimento da população e o aumento do desemprego, que já atingiu patamares recordes, em março, e deverá continuar crescendo, alerta Silvia Matos, do FGV Ibre, que está mais conservador na projeção do PIB de 2021, prevendo alta de 4,6%. Ela lembra que, diante da esperança da vacinação em massa e a possível retomada da atividade, principalmente dos serviços — que é o setor que mais emprega — no segundo semestre deste ano, boa parte daqueles 6 milhões de desalentados identificados, em março, pelo IBGE deverá se juntar aos quase 15 milhões de brasileiros desempregados em busca de algum trabalho. Logo, isso poderá fazer com que a taxa de desemprego bata novos recordes ao longo do ano, continuando elevada em 2022.
Aliás, fontes do governo reconhecem que uma das principais preocupações da equipe econômica, que pretende prorrogar o auxílio emergencial por dois ou três meses, é o desemprego. “O desemprego vai continuar crescendo, principalmente, porque o setor de serviços voltados às famílias, que é um dos que mais empregam no país e onde há muita informalidade, ainda está longe de recuperar o patamar pré-crise, e, quando voltarem a crescer no segundo semestre se a vacinação for bem sucedida, podem não contratar no volume esperado pelo governo, porque o choque da crise foi muito forte”, alerta.
Não à toa, o cenário base das projeções do FGV Ibre ainda contém muitos riscos para um crescimento acima de 5%, como a lentidão da vacinação e o aumento do custo da energia devido à crise hídrica. “A inflação pode encolher um pouco no segundo semestre, mas ainda encerrará o ano em um patamar elevado, em 6,2%, o que será uma restrição adicional para a atividade”, alerta Silvia Matos.
Crédito: Rosana Hessel / Correio Braziliense – @internet 14/06/2021
Gostei desta reportagem, atendeu algumas de minhas dúvidas !