Instituto particular dentro do IPT quer ser o “MIT brasileiro”

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Com o objetivo de ser o “MIT brasileiro”, o Instituto de Tecnologia e Liderança (Inteli), uma nova universidade focada em inovações e empreendedorismo na área da computação, abre as portas para sua primeira turma em fevereiro de 2022.   

Fundada após uma doação de R$ 200 milhões feita pela família de André Esteves, sócio sênior do banco BTG Pactual, a instituição também integra o IPT Open, programa estadual para promover parcerias do setor privado com o Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), que já abriga 12 empresas e investimento médio de R$ 380 milhões.   

Membros da comunidade acadêmica criticam o formato em que há uso do espaço público por uma instituição privada e cobram mais transparência sobre a implementação e o futuro do modelo. 

A iniciativa de formar alunos na área de tecnologia partiu da família Esteves e do CEO do BTG, Roberto Sallouti.  Na fase de elaboração do projeto, surgiu a oportunidade de usar o espaço do IPT, na Cidade Universitária, zona oeste de São Paulo, por meio de parceria com o governo do Estado, no programa IPTOpen. 

O Inteli começa seu primeiro ano letivo oferecendo quatro cursos de bacharelado: Engenharia da Computação, Engenharia de Software, Ciência da Computação e Sistemas de Informação. Todos têm duração de quatro anos e são divididos em 16 módulos focados no desenvolvimento e solução de problemas reais. “Desde o primeiro dia de aula, o aluno trabalha no desenvolvimento de um projeto real, baseado em um problema real do mercado ou de qualquer lugar, que possa ser resolvido através de uma solução computacional”, explica Maíra Habimorad, CEO do Inteli. 

IPT Open
Inteli abre as portas em 2022 e processo seletivo começa em outubro com pelo menos 90 bolsas  Foto: MARCELO CHELLO / ESTADAO  

Ela acrescenta que o objetivo principal do instituto é formar “líderes do futuro” que estejam alinhados à demanda do mercado por profissionais de tecnologia que tenham conhecimento técnico e consigam colocá-lo a serviço “de um negócio, organização ou, muitas vezes, da sociedade como um todo”. Ela cita pesquisa da McKinsey & Company segundo a qual, em 2030, o Brasil terá déficit de 1 milhão de profissionais nessa área – isso teria motivado a doação feita pela família Esteves. André Esteves, sócios do BTG Pactual, é um dos fundadores do Inteli. Roberto Salloutitambém sócio do BTG, entrou posteriormente no projeto. 

IPT Open
Fachada do prédio principal do câmpus da Inteli, que vai ocupar dois edifícios do IPT na Cidade Universitária da USP Foto: MARCELO CHELLO / ESTADAO

Durante a graduação, os alunos desenvolvem um projeto a cada dez semanas. Ao fim do curso, podem escolher entre três eixos de carreira: a acadêmica, para pesquisadores ou professores; o empreendedor, para quem deseja criar a própria startup; e um voltado para o mercado. No currículo, estão disciplinas práticas da computação como UX (experiência do usuário), linguagem de programação, desenvolvimento para a web, assim como competências socioemocionais e visão de negócios, resolução de conflitos, comunicação, autoconhecimento, tomada de decisões, liderança e trabalho em equipe. 

A metodologia de ensino proposta tem sido testada no último ano com três ‘boot camps’, treinamentos que envolveram 130 alunos universitários e do ensino médio. Na prática, Maíra explica que o Inteli terá parcerias com empresas privadas que integram a “central de carreiras” do instituto e poderão oferecer estágios aos estudantes para que eles “interajam com o mercado” a partir do 3º ano da graduação. 

Para suprir a demanda dos projetos, o Inteli terá uma via de mão dupla na cooperação com o IPT. Além de usufruir da infraestrutura do instituto e ocupar dois prédios do câmpus, a equipe também poderá solicitar pesquisadores da instituição pública, gerida pelo governo estadual, e vice-versa. “Por exemplo, se temos uma demanda de um agente do mercado e o IPT já conta com essa expertise, podemos propor uma colaboração. Aí, criamos um plano de trabalho, a contrapartida para o IPT e remuneramos os pesquisadores”, explica. 

IPT Open prevê investimentos do setor privado na infraestrutura do instituto e colaboração com os pesquisadores  Foto: MARCELO CHELLO / ESTADAO

A primeira fase do processo seletivo para a turma inaugural começa em outubro e  oferecerá, no máximo, 240 vagas – pelo menos 90 serão oferecidas a bolsistas. Além da mensalidade, que custa em torno de R$ 5,5 mil, algumas bolsas vão oferecer moradia em São Paulo, alimentação e aulas em inglês.

Ecossistema

Se o Inteli se propõe a ser uma espécie de “MIT brasileiro”, o IPT Open Experience é o primeiro passo do governo de São Paulo para construir uma espécie de “Vale do Silício” no Estado, onde haja espaço para fomentar a inovação e tecnologia, atraindo empresas, pesquisadores e investimento do País e do mundo. 

O pontapé inicial foi dado ainda em 2020, com a primeira etapa do Centro Internacional de Tecnologia e Inovação (CITI), que instalou a GranBio, empresa de biotecnologia 100% brasileira, nas dependências do IPT. Outras quatro multinacionais também passaram a usufruir do espaço (Siemens, Siemens Energy, Kimberly Clark e 3M). Hoje, pelo menos 50 parcerias com o setor privado de inovação estão sendo negociadas através do programa, como a pernambucana Porto Digital, e a Associação Fraunhofer.

“A ideia é abrir o IPT para a sociedade, para o Brasil e para o mundo, e que tenhamos um modelo de referência global em inovação aberta”, explica ao Estadão Patrícia Ellen, secretária estadual de Desenvolvimento Econômico, Ciência e Tecnologia da gestão João Doria (PSDB). Ela também reforça que o Estado tem investido na equiparação salarial para as pesquisadoras mulheres e pretende manter essa polítca para todas as próximas parcerias do projeto.


Modelo do IPT Open causa dúvidas entre acadêmicos . Pesquisadores e alunos temem tendência de privatização no ensino superior público e cobram mais diálogo nos processos

A inauguração do Inteli nos arredores da Cidade Universitária da USP e a ocupação de dois prédios do Instituto de Pesquisas Tecnológicas gera críticas por parte da comunidade acadêmica. Alunos e professores temem que a instituição, parte do projeto IPT Open Experience, cujo objetivo é fomentar parcerias com o setor privado, sinalize uma privatização do ensino superior a longo prazo e cobram mais investimentos nas instituições públicas existentes.

“O IPT sempre trabalhou com parceria público-privada, ele nasceu dessa forma para apoiar a indústria da construção civil no século XX, depois a indústria metalúrgica na era Vargas”, aponta Priscila Leal, pesquisadora do instituto e diretora do Sindicato dos Trabalhadores em Pesquisa, Ciência e Tecnologia (SINTPq). “Mas o que a gente vê com o Inteli e o IPT Open é um arrendamento do instituto. A gente perde assim a liberdade de servir à sociedade como um todo”, afirma.

Priscila teme que a instalação de empresas dentro do câmpus faça com que os centros de pesquisa não estejam mais a serviço da sociedade. “Por que abrir uma universidade particular em assuntos que têm aderência dentro da própria USP e por que explorar comercialmente esse nicho educacional para um grupo restrito da sociedade, que vai trabalhar para o mercado financeiro ou interesses dos próprios grupos?”, questiona. “Não é a faculdade, mas o modelo que é o problema.”

Em carta aberta, o Diretório Central dos Estudantes da USP e outras 40 entidades estudantis ligadas à universidade se posicionaram contra a instalação do Inteli no câmpus. “A nossa questão é por que não investem na USP, nas bolsas de mestrado, doutorado e pesquisa? Está cada vez mais difícil manter e prosperar esses cursos. Por que não olham para os cursos que já existem?”, questiona Larissa Alves, de 23 anos, estudante de Matemática e representante do Centro Acadêmico da Matemática, Estatística e Computação do Instituto de Matemática e Estatística. Das 240 vagas do novo instituto, de acordo com sua CEO, Maíra Habimorad, 90 serão para bolsistas, dentre as quais uma parte será especificamente direcionada a candidatos negros e mulheres.

Um dos principais nomes à frente da iniciativa, Patrícia Ellen, secretária estadual de Desenvolvimento Econômico, Ciência e Tecnologia, defende que a curadoria das empresas e instituições é feita pela própria diretoria do IPT. “O que [os membros do IPT] pediram é tecnologia de ponta, que seja reconhecida globalmente. Com esse objetivo, não tem como não ter cuidado com a curadoria das empresas. Todos os núcleos são geridos por eles”, explica. “Mais que empresas, são projetos de alto impacto.”

Crédito: João Ker/O Estado de S.Paulo – @ disponível na internet 27/09/2021

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