Três grandes matemáticos árabes que fizeram importantes descobertas para a ciência

0
371
A contribuição árabe no campo da matemática e da astronomia inspirou cientistas europeus no passado @getty images
“Nem a matemática nem a física moderna existiriam sem a álgebra. Não haveria computadores sem algoritmos, nem química sem alcalinos”, segundo o físico teórico Jim Al-Khalili.

Al-Khalili, professor da Universidade de Surrey, no Reino Unido, produziu o documentário da BBC Science and Islam (“A ciência e o Islã”, em tradução livre).

“A linguagem da ciência moderna ainda tem muitas referências às suas raízes árabes”, destacou ele no programa de TV. “Do século 12 até o 17, pesquisadores europeus faziam referências frequentes a textos islâmicos do passado.”

E mostra uma cópia do Liber Abbaci (“O livro do cálculo”, em tradução livre) de Leonardo de Pisa, mais conhecido como Fibonacci, que se tornaria o primeiro grande matemático da Europa medieval.

“O fascinante é que, na página 406, existe uma referência a um texto antigo chamado Modum algebre et almuchabale e, nas suas margens, está escrito o nome Maumeht — a versão latinizada do nome árabe Mohammed”, segundo Al-Khalili.

Tratava-se de Abu Abdallah Muḥammad ibn Mūsā al-Jwārizmī, cujo nome ocidental é Al-Khwarizmi (Al-Cuarismi, em português), que derivou na palavra algoritmo. Ele viveu aproximadamente entre os anos 780 e 850. Al-Cuarismi descreveu a ideia revolucionária de que é possível representar qualquer número desejado com apenas 10 símbolos simples.

Esse grande matemático, que emigrou da Pérsia oriental para Bagdá (hoje, capital do Iraque), deu ao Ocidente os números e o sistema decimal. É frequentemente designado o pai da álgebra.

“Agora se sabe que muitas das ideias que antes se imaginava que fossem conceitos novos e brilhantes graças aos matemáticos europeus dos séculos 16, 17 e 18 foram desenvolvidas por matemáticos árabes/islâmicos cerca de quatro séculos antes”, segundo John Joseph O’Connor e Edmund Frederick Robertson, da Universidade de St. Andrews, no Reino Unido.

O físico Jim Al-Khalili
Jim Al-Khalili produziu o documentário da BBC intitulado ‘Science and Islam’

Para eles, “em muitos aspectos, a matemática estudada atualmente tem estilo muito mais próximo da contribuição árabe/islâmica que dos gregos”.

Ao longo da história, houve grandes matemáticos no mundo árabe e islâmico. Aqui apresentamos três deles.

Al-Batani

Para Juan Martos Quesada, professor aposentado e ex-diretor do Departamento de Estudos Árabes e Islâmicos da Universidade Complutense de Madri, na Espanha, uma das principais contribuições dos matemáticos árabes “foi resgatar a ciência grega e latina com suas traduções”.

Mas eles também recuperaram o melhor da ciência desenvolvida pelos indianos. “A grande importância de Al-Batani foi ter conseguido unir a astronomia e a matemática, compondo um único campo de estudo”, segundo declarou Martos Quesada à BBC News Mundo, serviço em espanhol da BBC.

“Ele aplicou muitas fórmulas matemáticas à astronomia. Determinou com grande precisão, por exemplo, o ano solar com 365 dias — o que foi um grande feito, já que estamos falando em finais do século 9 e início do século 10.”

“Com relação aos equinócios, ele os estudou e concluiu que havia erros nas contas feitas por Ptolomeu. Isso serviu para aperfeiçoar toda a herança grega de Ptolomeu que foi recebida pelos matemáticos árabes”, segundo Martos Quesada. Al-Batani também estabeleceu uma série de relações trigonométricas.

Para o documentário da BBC, Al-Khalili visitou a Universidade de Pádua, na Itália, e viu um dos livros mais importantes da história da ciência: De revolutionibus orbium coelestium (“Sobre a revolução das esferas celestes”, em tradução livre), publicado em 1543 por Nicolau Copérnico.

“A importância desse livro é enorme”, ressalta Al-Khalili. “Nele, Copérnico defende pela primeira vez, desde a antiguidade grega, que todos os planetas, incluindo a Terra, giram ao redor do sol. Muitos historiadores o consideram o iniciador da revolução científica europeia.”

Copérnico menciona o astrônomo Machometi Aracenfis, que é o grande Al-Batani.

“É para mim uma grande revelação que ele mencione explicitamente um muçulmano do século 9, que forneceu muitas informações sobre suas observações”, ressalta Al-Khalili. “Copérnico usou extensamente as observações de Al-Batani sobre a posição dos planetas, do sol, da lua e das estrelas.”

Al-Batani nasceu em 858 perto de Urfa, na Síria, e morreu em 929, no Iraque.

Jaime Coullaut Cordero, professor de estudos árabes e islâmicos da Universidade de Salamanca, na Espanha, conversou com a BBC News Mundo sobre Ibn Al-Shatir, astrônomo e matemático que nasceu em Damasco, hoje capital da Síria, perto do ano de 1304.

“Ele foi pouco conhecido no Ocidente porque suas obras não foram traduzidas para o latim”, segundo Cordero. Mas ele ressalta que, nos anos 1980, “pesquisadores descobriram os modelos planetários de Ibn Al-Shatir e perceberam que eram iguais aos modelos propostos por Copérnico alguns séculos depois”.

Al-Hazém

O matemático árabe Al-Hazém
Pai do método científico moderno, Al-Hazém contribuiu para o estudo dos princípios da óptica @Science Photo Library

Shaikh Mohammad Razaullah Ansari, professor emérito de física da Universidade Muçulmana de Aligarh, na Índia, escreveu um artigo para a página da Unesco sobre um erudito árabe dos séculos 10° e 11 que se dedicou não só à matemática, mas também à física, mecânica, astronomia, filosofia e medicina.

Trata-se do grande Abū Ali al-Ḥasan Ibn al-Haytham al-Baṣrī, cujo nome em português é Al-Hazém. Ele nasceu no Iraque no ano 965 e morreu no Egito em 1040. Foi um dos famosos cientistas do Cairo, no Egito, e chamado de “segundo Ptolomeu” pelos eruditos árabes.

Al-Hazém é considerado o pai do método científico moderno. Ele desenvolveu a metodologia de “experimentação como outra forma de comprovar a hipótese ou premissa básica”, segundo Razaullah Ansari.

Já Martos Quesada destaca suas contribuições para os princípios da óptica. De fato, Razaullah Ansari ensina que sua obra mais famosa foi sobre a óptica: Kitab fi al-Manaẓir, traduzido de forma anônima para o latim nos séculos 12 e 13 com o título Opticae Thesaurus (“O livro da óptica”, em tradução livre). Em sete volumes, Al-Hazém estudou as propriedades da luz, de forma experimental e matemática.

Tábua de 1882 ilustrando o desenvolvimento dos algarismos
Tábua de 1882 ilustrando o desenvolvimento dos algarismos @Science Photo Library

Mas Al-Hazém foi também um grande matemático, como explica Ricardo Moreno, escritor e professor da faculdade de matemática da Universidade Complutense na página do Centro Virtual de Divulgação da Matemática.

“Ele foi um dos primeiros matemáticos árabes a estudar com sucesso equações de grau superior ao segundo, quando resolveu geometricamente uma equação de terceiro grau proposta por Arquimedes, mais de 1.200 anos antes, na sua obra Sobre a Esfera e o Cilindro“, segundo Moreno.

No campo da teoria dos números, Al-Hazém deixou contribuições importantes com seu trabalho sobre os números perfeitos. Ele também desenvolveu a geometria elementar e pesquisou casos específicos dos teoremas de Euclides.

Edifício em estilo árabe
Para pesquisadores da Universidade de St. Andrews, no Reino Unido, ‘a matemática estudada atualmente tem estilo muito mais próximo da contribuição árabe/islâmica que dos gregos’ @getty images

Abu Kamil

Ricardo Moreno destaca que a morte de Al-Cuarismi “coincidiu aproximadamente com o nascimento, no Egito, de Abu Kamil ibn Aslam ibn Mohammed, conhecido como o calculista egípcio”.

“Ele viveu 80 anos e deixou inúmeras obras matemáticas — entre elas, um tratado de álgebra, cujo original em árabe se perdeu, mas do qual duas traduções chegaram até nós, uma em latim e outra em hebraico. Ele resolve equações de segundo grau de forma geométrica, como seu predecessor de Bagdá, mas apoiado mais diretamente nos Elementos [de Euclides]”, segundo Moreno.

Uma breve biografia de O’Connor e Robertson indica que se sabe muito pouco sobre a vida de Abu Kamil — mas o suficiente para compreender seu papel no desenvolvimento da álgebra. Segundo os autores, “Kamil foi um dos sucessores imediatos de Al-Cuarismi”. E, de fato, o próprio Kamil destaca o papel de Al-Cuarismi como o “inventor da álgebra”.

“Mas existe outra razão para a importância de Abu Kamil: seu trabalho foi a base dos livros de Fibonacci”, segundo O’Connor e Robertson. “Kamil é importante não apenas no desenvolvimento da álgebra árabe, mas também porque, através de Fibonacci, tem importância fundamental na introdução da álgebra na Europa.”

Crédito: BBC Mundo – @ disponível na internt 22/03/2022

DEIXE SEU COMENTÁRIO

Por favor, insira seu comentário!
Por favor, digite seu nome!