Culpado pelos preços altos ou o salvador dos governadores? O inútil debate sobre a influência na economia do imposto sobre a circulação de mercadorias e serviços esconde uma questão mais séria: ele não ajuda os Estados a manter suas finanças saudáveis.
O escritor Miguel de Cervantes (1547-1616) imortalizou o personagem Dom Quixote na literatura ao descrever sua paranoica obsessão de combater moinhos de vento. Em sua visão distorcida da realidade, cabia a Quixote e a seu fiel escudeiro Sancho Pança derrotar os inimigos imaginários.
Na bem humorada narrativa, ambos terminam a ofensiva no chão, com suas armaduras destroçadas.
A metáfora da loucura de Dom Quixote poderia descrever com precisão a guerra em curso, capitaneada pelo presidente Jair Bolsonaro com apoio de parte do Congresso, contra o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços.
De um lado, acusações de que o ICMS é o grande vilão da inflação galopante que o País enfrenta.
De outro, governadores desesperados, alegando que a máquina pública pode parar de funcionar e que a diminuição do imposto resultaria em danos enormes para a sociedade civil.
Essas visões antagônicas sobre o mesmo tema escondem a realidade dos fatos. Sozinho, o ICMS não tem capacidade de derrubar os preços administrados no Brasil. E a menor arrecadação dos governadores não implica, necessariamente, na piora da qualidade de vida dos cidadão. Isso porque o aumento do imposto nos últimos anos não resultou em melhora. Trata-se de um conflito de interesses e não de argumentos. Ambos usam conjecturas e condicionantes que afastam o debate de qualquer resultado matemático prático. E criam novos problemas na política e na economia.
Do lado político, o governo federal obrigar os governadores a reduzir um imposto fere a autonomia constitucional dos estados. Na economia, o impacto dessa redução é mínimo na composição dos preços. Sobretudo se comparado aos benefícios que poderiam decorrer daquilo que de fato o País precisa: as reformas tributária e administrativa. Se o o governo federal não fez as reformas, também os governadores, ao arrecadar mais ICMS, não ajudaram os cidadãos a viver melhor.
O Ranking de Competitividade dos Estados 2021, lançado pelo Centro de Liderança Pública (CLP) em parceria com as consultorias Tendências e Seall demonstra a correlação entre arrecadação de tributos estaduais e qualidade de vida. O levantamento confirma que muitos estados têm hoje uma nota menor no ranking que há dez anos, quando o mapeamento começou a ser feito. Ao se comparar os dois últimos anos, a maior parte dos estados ficou estagnada mesmo arrecadando mais. O Rio De Janeiro despencou seis posições no ranking, apesar da alta significativa no valor angariado com impostos com a alta do petróleo. Do outro lado, o estado do Piauí, com uma das cinco menores arrecadações do País, subiu 14 posições no quesito solidez fiscal, dez em capital humano, seis em potencial de mercado e três em sustentabilidade social. É uma prova clara de que a eficiência da gestão pode fazer muito mais pelo contribuinte do que apenas uma coleta maior de impostos. O ranking só comprova que uma boa administração não depende exclusivamente de aumento na receita. Essa fixação com o ICMS, como se dele dependesse o sucesso ou o fracasso da gestão pública, é questinoda pelo economista Tadeu Barros, um dos autores do estudo. “O Brasil às vezes perde tempo com inimigos imaginários em vez de enfrentar os problemas reais, que se apresentam todos os dias na vida das pessoas”, afirmou. “É desse mundo real que trata o ranking. Fica mais evidente que um governo competitivo é aquele que usa indicadores e metodologias para planejar, priorizar e executar políticas públicas.”
CONTESTAÇÃO
Só que nessa queda de braço sobre o ICMS, vencer virou uma questão de honra. Na quarta-feira (22), governadores de 11 estados (Alagoas, Bahia, Ceará, Maranhão, Mato Grosso do Sul, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul e Sergipe) entraram com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) no Supremo Tribunal Federal (STF) contra a lei que determinou a incidência do ICMS estadual em uma única vez, com alíquotas uniformes, em reais, sobre os preços dos combustíveis. O texto ressalta que o ICMS é uma atribuição dos estados, tendo seu direito assegurado na Constituição. Na peça, que ainda não teve um ministro relator designado, os signatários se disseram “surpreendidos pela medida unilateral, autoritária, drástica e com graves efeitos imediatos para os combalidos cofres desses entes”. O texto informa ainda que não há registro de estudo de impacto fiscal ou reflexo na inflação. Ainda segunda a Adin, “Não é difícil entender que essa medida é populista, eleitoreira e ineficaz.”
O presidente do Sindicato das Distribuidoras de Combustíveis do Rio Grande do Sul (Sindisul), Roberto Tonietto, afirmou que a incerteza é o grande vilão. “As distribuidoras levam combustível a todos os recantos do País de forma eficiente. Não será diferente nesta época de crise, desde que tenhamos previsibilidade”. E aí reside o problema.