Vacina contra poliomielite: entenda os riscos de não imunizar crianças contra a doença
Começou nesta segunda-feira (08/08) a campanha nacional de vacinação contra a poliomielite, uma doença com consequências graves considerada erradicada no Brasil desde 1989, mas com risco de surgimento de novos casos devido à baixa adesão vacinal.
Crianças com menos de cinco anos poderão se vacinar e, em paralelo, menores de 15 anos também têm a chance de atualizar a caderneta vacinal. As imunizações são feitas gratuitamente pelo SUS (Sistema Único de Saúde) e ocorrem até o dia 9 de setembro.
A faixa de cobertura vacinal recomendada para a poliomielite, de acordo com a Fiocruz, é de 80%. Em 2021, a imunização contra a poliomielite foi de apenas 67,1%.
“Um dos motivos prováveis dessa queda vacinal é a falsa sensação de proteção de doenças que não conhecem. A pólio, junto com sarampo, já foi uma das principais doenças da infância em índice de sequelas e de mortes, mas os pais e tutores de hoje em dia são de uma geração que foi muito vacinada, e por isso, não têm experiência com a doença”, aponta Juarez Cunha, presidente da SBIm (Sociedade Brasileira de Imunizações).
O que pode acontecer com quem não é vacinado contra a poliomielite
A poliomielite é uma doença infecto-contagiosa causada por um vírus que vive no intestino, chamado poliovírus (existente nos sorotipos 1, 2 e 3). O agente é capaz de infectar crianças e adultos por meio do contato direto com fezes ou com secreções eliminadas pela boca das pessoas infectadas.
Quando se trata de uma pessoa sem histórico de vacinação, ou seja, sem a proteção imunológica contra o poliovírus, após uma infecção, o agente começa a se multiplicar livremente na garganta ou nos intestinos.
Em seguida, o vírus chega à corrente sanguínea e, se o quadro não for tratado a tempo, pode atingir o cérebro, causando a chamada “infecção paralítica”.
Nesses casos, mais raros, mas que podem causar sequelas irreversíveis, o vírus ataca o sistema nervoso destruindo os neurônios motores e provoca paralisia nos membros inferiores.
Foi o que aconteceu com a célebre artista mexicana Frida Kahlo, que teve pólio aos seis anos de idade e acabou com sequelas permanentes nos movimentos das pernas. Posteriormente, por complicações da doença, a pintora ainda precisou amputar os dedos do pé e, depois, uma das pernas.
Outra possibilidade é que o vírus, depois de chegar ao cérebro, cause meningite, inflamação das membranas que revestem o cérebro e a medula espinhal, que tem como principais sintomas a febre, rigidez da nuca e náuseas.
Se não for tratado adequadamente, o quadro de meningite também pode causar sequelas. Entre elas, a perda de audição e visão parcial ou total, epilepsia e paralisia em um ou ambos os lados do corpo.
Já se forem infectadas as células dos centros nervosos que controlam os músculos respiratórios e da deglutição, a doença pode afetar a capacidade da pessoa em respirar de forma normal e se alimentar, podendo levar à morte.
“As consequências da doença eram muito importantes e impactaram a vida de muitos brasileiros no passado, já que praticamente todo mundo tinha alguém na família que sofreu com a doença ou pelo menos conhecia alguém que foi infectado antes da erradicação da doença”, indica o presidente da SBIm.
Por que a pólio pode voltar se a doença já estava erradicada?
O Brasil é um dos oito países sul-americanos que apresentam alto risco de volta da poliomielite, segundo relatório divulgado pela Opas (Organização Pan-Americana de Saúde) em 2021.
Hoje, a doença só existe de forma endêmica (circulando o ano todo), no Afeganistão e no Paquistão países vizinhos na Ásia Meridional.
Mas a poliomielite tem aparecido na forma de “derivado vacinal” nos Estados Unidos, Israel, Inglaterra e outros países, o que acende um alerta para o mundo todo.
São chamados de “derivados da vacina” os vírus que circulam a partir de uma forma modificada do vírus originalmente contido na VOP (a vacina oral da poliomielite).
Albert Sabin, médico pesquisador que desenvolveu a vacina oral contra a poliomielite, pede ao menino Luiz Inácio Gama, de cinco anos, que abra bem a boca no hospital antipoliomielite Jesus, no Rio de Janeiro, em 1967 @BETTMANN/GETTY IMAGES
Conforme explica Juarez Cunha, quando uma criança recebe a vacina oral (usada no Brasil somente para as doses de reforço), que utiliza o vírus atenuado (vivo, mas enfraquecido), parte desse vírus pode sair nas fezes e acabar no esgoto, como foi observado em Londres no último mês de junho, aumentando o risco de infecção para quem não foi vacinado.
De acordo com um documento da “Polio Global Eradication Initiative”, uma iniciativa da OMS para a erradicação da doença, em raras ocasiões, quando se replicam no intestino humano, as estirpes da VOP sofrem mutações genéticas e podem propagar-se nas comunidades que não estejam totalmente vacinadas contra a pólio, especialmente nas zonas onde não haja uma boa higiene, onde o saneamento seja deficiente ou onde exista sobrepovoamento.
“Outras mutações ocorrem à medida que estes vírus se propagam de pessoa para pessoa e, se um deles conseguir continuar a propagar-se numa população subvacinada, poderá, com o tempo, sofrer mutação genética até o ponto de recuperar a capacidade de causar paralisia”, diz o documento.
A experiência demonstra que uma baixa cobertura vacinal contra a pólio é o principal fator de risco para a emergência e propagação de um surto por derivados da vacina.
Se a vacina oral for administrada apenas a algumas pessoas numa grande população suscetível, o vírus da vacina pode continuar a se multiplicar, mudar geneticamente e infectar não vacinadas. Já uma população que tenha sido amplamente vacinada estará protegida contra a mutação e propagação do vírus.
Vacina oral contra a poliomielite é usada nas doses de reforço no Brasil @BRAZIL PHOTOS/GETTY IMAGES
“Para isso, a cobertura vacinal precisa ser melhor em muitos países, inclusive o Brasil, que antes de 2015 era considerado um exemplo a ser seguido em termos de imunização contra a pólio”, aponta Gislayne Castro e Souza de Nieto, pediatra e neonatologista e professora do curso de Medicina da Universidade Positivo, em Curitiba, no Paraná.
Ambos os especialistas consultados pela BBC News Brasil apontam que, no futuro, a tendência é que somente vacinas de vírus inativados sejam usadas — no Brasil e em todos os outros países.
Mas essa é uma mudança que deve acontecer de forma gradual, e enquanto não é concluída, todos os locais onde há baixa cobertura vacinal estão em risco. “Nos EUA, só o imunizante com vírus inativado é usado, mas ainda assim foi notificado um caso de infecção por derivado da vacina. Provavelmente se deu por alguém que viajou”, aponta Cunha.
Além da necessidade de alta cobertura vacinal, outro ponto importante no combate de novos surtos é vigilância das “paralisias flácidas”, como são chamados os casos de perda de movimentos causados pela pólio. “É importante checar se são motivados pela doença, mas essa é uma vigilância que não estamos conseguimos fazer no Brasil”, indica.
Por fim, a falta de uma vigilância ambiental ativa que verifique constantemente se há poliovírus circulando nos esgotos também contribui para que o Brasil fique mais suscetível a novos casos.
Como receber a vacina contra a poliomielite e outras doenças
A vacinação é a única forma de prevenção da poliomielite. Para que a criança receba o imunizante, basta que seu responsável legal a leve até um posto de vacinação.
A campanha nacional contra a pólio busca alcançar crianças menores de cinco anos que ainda não foram vacinadas com as primeiras doses do imunizante (que é aplicado aos 2, 4 e 6 meses de idade por meio de injeção intramuscular) ou que ainda não tomaram as doses de reforço com a vacina oral bivalente – VOP (gotinha).
Para adolescentes menores de 15 anos, os imunizantes disponíveis nos postos de vacinação são contra a hepatite, pneumonia, rotavírus, febre amarela, sarampo, caxumba, rubéola, varicela, HPV, difteria, meningite, entre outras.
Crédito: Giulia Granchi / BBC News Brasil -@ disponível na internet 09/08/2022
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