Técnicas de Comunicação Não Violenta (CNV) podem ajudar a expor opiniões de forma clara e evitar conflitos, mas sem permissividade
Conversando a gente se entende, diz o ditado. Você concorda com essa frase ou se sente frustrado por não conseguir engajar os outros para atender às suas necessidades e aos seus desejos? Quem deseja desenvolver habilidades de comunicação para melhorar os seus relacionamentos pode recorrer à Comunicação Não Violenta (CNV), que toma como base a empatia e a compaixão para fortalecer as conexões humanas, seja no âmbito pessoal ou profissional – o que não tem nada a ver com técnicas de persuasão.
Metodologia sistematizada pelo psicólogo americano Marshall Rosenberg na década de 1960 no livro Comunicação Não Violenta (Ed. Ágora), a CNV parte da premissa de que toda a comunicação humana demonstra necessidades universais como respeito, acolhimento e pertencimento, mesmo quando expressadas por gritos, ofensas e outras manifestações violentas.
“A CNV é mais que uma técnica, é um convite para olhar para o que está por trás da linguagem. Ela parte do movimento de não violência do qual fizeram parte Gandhi e Martin Luther King”, diz a mediadora de conflitos Diana Bonar, fundadora da empresa PeaceFlow, que atua na área de prevenção da violência e dá treinamentos de CNV.
Pela abordagem da CNV, diante de um conflito ou desafio é preciso ser empático e considerar a necessidade do outro. “Isso não significa ser passivo ou permissivo, mas buscar uma solução pelo caminho do meio, com limites saudáveis”, esclarece Diana. A comunicação deve ser assertiva, isto é, clara, objetiva, firme e respeitosa. “O objetivo não é convencer o outro de nada, mas se conectar com ele para buscar uma solução.”
DERRUBANDO MUROS
Expor os sentimentos com sinceridade é uma forma de derrubar muros da comunicação. “Na nossa sociedade, principalmente os homens não costumam falar de seus sentimentos.
Mas quando fazemos isso, a percepção e a disposição da outra pessoa com quem estamos conversando muda”, conta Diana. Ela diz ter um bom relacionamento com sua mãe, mas estava incomodada com alguns “pitacos” que ela dava em sua vida pessoal e resolveu chamá-la para um papo. “Comecei dizendo que ela era importante para mim, o que já quebrou resistência ao diálogo. Assim, tivemos uma interação saudável.”
Evitar críticas e rótulos também pode ajudar a comunicação a fluir. “Uma pessoa quer ser vista, considerada e respeitada quando participa de uma conversa. Senão, a tendência é que ela se posicione no ataque ou na defesa”, explica Diana. Em período pré-eleitoral, em que os ânimos estão exaltados e as pessoas se posicionam de forma polarizada, e em outros tipos de conversas difíceis, a recomendação da especialista é escolher bem as “batalhas” das quais participar, com sabedoria.
“Leve em consideração o grau de relevância desse relacionamento para você e a importância do resultado dessa conversa. Posso escolher não discutir porque valorizo o relacionamento. Se eu decido confrontar, melhor usar as habilidades em CNV para não acabar com o vínculo.”
A fisioterapeuta Erika Cabral Leal Ferreira Masullo, de 38 anos, está aberta às discussões políticas. “Tenho familiares e amigos que pensam diferente de mim, que maravilhoso! O que seria de nós se todos pensássemos a mesma coisa? A política é importante e deve ser debatida em qualquer lugar”, avisa. Atualmente, porém, os debates nem sempre são saudáveis no Brasil, na visão dela. “Fico triste quando percebo a agressividade, muitas vezes escondida em piadas e risadas, e quando vejo delicadeza excessiva”, avalia.
NÃO CAIA NA PASSIVIDADE
Muitas vezes, as pessoas são empáticas na sua comunicação, mas abandonam “a verdade”, explica Igor Gadioli, mestre em linguística e criador do curso Conectar-se, do qual Erika participou. “A pessoa pensa se vai incomodar o outro com aquilo que ela vai falar e perde de vista a própria necessidade”, ressalta. Para Gadioli, é um equívoco achar que é possível viver sem conflito, mas é possível construir a harmonia, ao expressar as necessidades de ambos os lados. “Dizer que quer evitar um conflito e cair na passividade é um erro. Quando uma pessoa ficou com raiva, já existe um conflito.”
Ser autêntico é importante para melhorar a comunicação, garante Gadioli. “Se eu chego atrasado porque o pneu do meu carro furou e estou transtornado, é melhor que eu diga o que estou sentindo, de forma transparente”, exemplifica. Porém, em vez de justificar a falha de chegar atrasado, é melhor assumir a responsabilidade. “Quem reclama muito e fica se justificando começa a perder o respeito, pois parece uma tentativa de se livrar da culpa. É melhor se voltar para a necessidade não atendida, se mostrando preocupado em trazer uma solução.”
Ao mesmo tempo, é preciso ter um “filtro” para comentar só o que faz sentido naquela conversa. “Antes de fazer uma crítica, reflita se isso é necessário, pois isso pode arranhar a relação. A escolha das palavras deve ser genuína e estratégica, se a intenção é que a pessoa mude.”
VIDA A DOIS
Casados há 12 anos, a advogada Fernanda Trajano de Cristo Soares, de 47 anos, e o executivo Paulo José Marcos Soares, de 53, sentiram que o relacionamento se beneficiou da CNV. “Hoje, a gente briga menos porque a comunicação melhorou. Resolvemos os nossos problemas gastando menos energia”, diz Soares, que se interessou pelo curso após ler livros de Marshall Rosenberg.
Para conseguir o bom resultado, ambos se empenharam. Há três anos fizeram um curso de três dias e se dedicaram a colocar o aprendizado em prática com paciência – treino que se intensificou com o isolamento social da pandemia. “Formar o hábito de usar a CNV dá trabalho. Não estamos acostumados a observar sentimentos e necessidades. Para conseguir uma fluidez e aplicá-la de forma mais rotineira, tem de treinar muito, prestar atenção.”
Os casais que passam a usar a CNV geralmente conseguem sair de uma dinâmica de “luta e fuga”, em que ficam na defensiva ou partem para o ataque, e passam a ter mais curiosidade pelo sentimento do companheiro, revela Debora Gaudencio, consultora de comunicação consciente, que ministrou o curso de CNV do qual participaram Fernanda e Paulo Soares. Segundo ela, muitas pessoas demonstram interesse em apresentar a CNV para seu par. “Com essa troca fluida, os casais conseguem compreender o que se passa com o outro, o que gera conexão”, conclui.
A educadora parental Luciana Calobrisi, de 38 anos, utiliza os seus conhecimentos em CNV para manter um bom relacionamento com o marido, o professor Vinícius Valdivia, de 40 anos. “Com a CNV aprendemos a ouvir com atenção, evitando tirar conclusões. Expressamos o que estamos sentindo e deixamos claro qual a necessidade individual e o que gostaríamos que acontecesse em outra oportunidade”, acrescenta. Luciana conta que um dia, de manhã, ela e o marido estavam cansados. “Eu acordo algumas vezes de madrugada para amamentar. Disse a ele que estava vendo que ele estava cansado também. Conversamos e decidimos que um descansaria pela manhã e outro pela tarde, o que atendeu à necessidade dos dois.”
DINÂMICA DE PODER
Colocar a CNV em prática, porém, não é fácil, por conta da cultura em que vivemos, advertem os especialistas. “É como remar contra a maré, já que vivemos em um mundo competitivo, violento e autoritário”, esclarece a mediadora de conflitos Diana Bonar. Ela observa que, de forma geral, a sociedade se vale da culpa, do medo e da vergonha para persuadir as pessoas. “Gritar e bater não são as únicas formas de violência. Forçar uma pessoa da sua equipe de trabalho ou uma criança a fazer algo com base no medo e na vergonha, só porque eu tenho poder, é um jeito violento de conseguir algo.”
E o silêncio dos colaboradores nas empresas pode ser destruidor, afirma Luciana Sato, sócia da consultoria Conexões Humanizadas, que trabalha a “musculatura emocional” das equipes nas empresas.
“Existem funcionários que deixaram de alertar sobre os erros das organizações em que trabalhavam por medo de se exporem”, adianta ela, em referência aos casos citados no livro A Organização Sem Medo, de Amy Edmondson, professora da Harvard Business School. Para ampliar essa consciência nas empresas, porém, é preciso fazer um trabalho consistente que promova o autoconhecimento.
O aprendizado em CNV ajudou a psicóloga Noemi Lustosa Baptista, de 39 anos, a se relacionar com os chefes. “Consigo falar quando me sinto cansada e negociar férias. E isso não é visto como um problema, mas uma possibilidade de estabelecer acordos, com conexão e responsabilidade”, defende ela, que já participou de quatro cursos que abordavam a CNV ministrados por Diana Bonar. “A CNV é uma ruptura de mundo. Trouxe-me paz, leveza e amor na minha família, amigos e casamento. Acredito que sou uma pessoa melhor por conta desses conhecimentos e práticas.”
COMO MELHORAR A COMUNICAÇÃO?
- Observe: Observe a si próprio e ao outro, sem julgamentos, com curiosidade de entender as necessidades de cada lado.
- Empatia: Preste atenção nos seus sentimentos e seja empático com o outro. Lembre-se de que cada um tem hábitos, culturas e pontos de vista diferentes.
- Vulnerabilidade: Não precisa esconder os seus sentimentos. Revelar suas vulnerabilidades pode ajudar o outro lado a sair da defensiva e a ceder.
- Fique aberto: Não fixe um “rótulo” para a pessoa com quem você vai conversar. As generalizações atrapalham a comunicação.
- Vocabulário: Expresse ao outro a sua necessidade, de forma simples, clara e honesta. Escolha bem suas palavras.
- Ouça: Pergunte ao outro se ele precisa de algo e escute com atenção genuína. Faça perguntas como: “O que podemos fazer para melhorar isso?”.
- Linguagem corporal: O corpo fala. A comunicação terá ruído se as suas palavras não condizem com sua expressão facial e corporal.
- Críticas: Antes de fazer uma crítica na conversa, pense: criticar é necessário? Vai trazer algum benefício para o relacionamento? Lembre-se: quem recebe uma crítica geralmente se posiciona na defensiva, o que não ajuda na conversa e na negociação.
- Gentileza: Não tente intimidar a outra pessoa pelo medo ou vergonha. Isso pode até ser um atalho para conseguir o que você quer de forma mais rápida, mas traz um impacto negativo no relacionamento.
- Não aponte dedos: Procurar definir o “culpado” não ajuda a resolver conflitos. Saia dessa dinâmica acusatória para buscar uma solução para o desafio em comum.
- Não é uma competição: Deixe de lado a lógica da competição, que nos leva a querer “vencer” uma discussão.
- Escolha suas batalhas: Escolha com sabedoria em quais conversas vai investir energia e se engajar. Considere a importância do resultado da conversa e a pessoa que está envolvida.
Crédito: Kátia Arima , Especial para o Estadão – @ disponível na internet 03/09/2022