Recentemente, foi veiculada uma notícia na qual houve a validação da justa causa aplicada a uma trabalhadora que publicou em suas redes sociais (TikTok) vídeos de colegas com simulação de atos sexuais [1]. Na ocasião, os desembargadores do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região entenderam que a justa causa patronal aplicada deve ser mantida, tendo em vista a gravidade da conduta praticada pela reclamante.
No mesmo sentido, no Tribunal Regional do Trabalho da 18ª Região, um trabalhador também não conseguiu reverter a justa causa aplicada após publicar nas redes sociais um vídeo denegrindo a imagem de um colega de trabalho [2].
Dito isso, em tal contexto, surgem alguns questionamentos: o(a) trabalhador(a) poderá dispor livremente de sua manifestação em suas redes sociais sem que isso afete necessariamente o seu contrato de trabalho? E, mais, o direito do(a) trabalhador(a) em publicar todo e qualquer conteúdo na sua rede social é absoluto com base na liberdade de expressão?
O assunto é polêmico, afinal, segundo pesquisa realizada pela Data Lawyer Insights, há hoje 157 processos no país que mencionam as expressões “rede social” e a “dispensa por justa causa”, de forma que houve um aumento de 45% desse tipo de processo se comparado ao ano de 2021 [3].
Com efeito, se é verdade que a liberdade de expressão é um direito fundamental do(a) trabalhador(a), de igual modo não se poderá admitir a violação dos direitos igualmente constitucionais de outras pessoas.
A este respeito, oportunos são os ensinamentos de Cynthia Campello, Dennis Verbicaro e Ney Maranhão [4]:
“Decerto que as liberdades individuais do empregado não são absolutas. Ela possui, à luz da legislação trabalhista, o dever de observar limites na sua conduta, inclusive nas redes sociais, no qual afete de forma a imagem empresarial.
Não se olvida que, em muitos momentos, o obreiro também transpõe limites que podem ser caracterizados como faltas passíveis de sanções e até de aplicação de justa causa, quando enquadradas no rol taxativo do disposto no art. 482 da CLT”.
Indubitavelmente, a liberdade de expressão encontra proteção constitucional [5]. Entretanto, uma vez constatada a existência de exageros, tal fato pode trazer repercussão negativa nas situações em que envolva o ambiente de trabalho.
Por isso, é preciso ter cautela para que o uso das redes sociais pelo(a) trabalhador(a) não denigra a imagem da empresa, tampouco de quaisquer outros colegas ou de terceiros.
Aliás, a publicação de conteúdo ofensivo e difamatório nas redes sociais não só poderá impactar o contrato de trabalho, relembrando que a Consolidação das Leis do Trabalho preceitua em seu artigo 482 quais são as hipóteses em que se justifica a adoção da justa causa [6], como também poderá trazer consequências em outras esferas do direito.
Nesse prumo, o Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, em caso envolvendo novamente a veiculação de um vídeo na rede social TikTok, não só manteve a sentença de uma ação trabalhista que anulou as provas testemunhais produzidas na ação judicial, como também condenou a trabalhadora processo e suas testemunhas ao pagamento de multa por litigância de má-fé [7].
Na publicação da rede social, a trabalhadora e suas testemunhas, presumindo a vitória na reclamatória outrora ajuizada, comemoravam com uma dança cujo título da mensagem era o seguinte: “Eu e minhas amigas indo processar a empresa tóxica”.
A Turma Julgadora do caso entendeu que, além de ficar constatado o laço de amizade entre reclamante e testemunhas, ponderou que “trata-se de uma atitude jocosa e desnecessária contra a empresa e, ainda, contra a própria Justiça do Trabalho. Demonstra, ainda, que estavam em sintonia sobre o que queriam obter, em clara demonstração de aliança, agindo de forma temerária no processo, estando devidamente configurada a má-fé” [8].
Ainda, outra questão que pode ensejar debates judiciais se refere ao fato de o(a) trabalhador(a) publicar fotos do local de trabalho durante o expediente, sem a autorização da empresa. Isto porque, além do ambiente ser pertencente ao empregador e ser passível de identificação nas fotos, pode ser que no local existam produtos e/ou serviços que não possam ser divulgados a terceiros.
Sob esta ótica, a Justiça do Trabalho considerou válida a justa causa aplicada a um determinado empregado que incorreu em falta grave ao publicar um vídeo justamente no TikTok durante o horário de trabalho. No caso sub judice, a magistrada ponderou que não obstante o empregado tivesse ciência da proibição do uso do celular no posto de trabalho, tal fato ainda se agravou dada a função de vigilante que exigia sua plena atenção.
A decisão foi mantida pelo Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, cujo processo judicial se encontra atualmente pendente de julgamento pelo Tribunal Superior do Trabalho [9].
Bem por isso, é necessário que exista um equilíbrio entre o controle empresarial, o respeito à utilização das redes sociais no ambiente de trabalho e os direitos humanos fundamentais de terceiros. Logo, a implantação de uma política interna para a utilização do aparelho de celular, além do próprio monitoramento das redes sociais, são mecanismos eficientes para se evitar que tais situações indesejadas sejam a cada dia mais judicializadas perante o Poder Judiciário Trabalhista.
Frise-se, por oportuno, que tal regulamentação interna da empresa não deve ser no sentido de tolher por completo a liberdade do(a) trabalhador(a) na sua manifestação, cujo pleno exercício da liberdade de expressão é consagrado na Declaração Universal dos Direitos Humanos em seu artigo 19 [10]; ao revés, se, por um lado, o empregador não tem o direito de intervir na liberdade de expressão dos seus empregados, lado outro ele é responsável pela manutenção de um ambiente laboral salubre e saudável.
Em arremate, incontestavelmente as redes sociais já se tornaram parte da vida de todos, inclusive com impactos diretos ou indiretos nas relações de trabalho. Portanto, se faz imprescindível a adoção de medidas para evitar desequilíbrios e exageros aptos a ocasionar futuras e novas ações trabalhistas. Anexo da matéria
Crédito: Ricardo Calcini e Leandro Bocchi de Moraes /Revista Consultor Jurídico -@disponível na internet 04/11/2022