“Sócios da Light”: furto de energia em áreas violentas afeta caixa de distribuidoras no Rio

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No caso da Light, perdas com ‘gatos’ chegam a 54% e ameaçam futuro da concessão. Especialistas defendem colaboração de vários órgãos para combater o problema

O furto de energia elétrica no Rio de Janeiro está corroendo as finanças das concessionárias que atuam no setor, Light e Enel. O problema cresce principalmente em razão das falhas nas políticas de segurança pública para impedir o domínio de áreas urbanas pelo crime organizado, o que costuma vir acompanhado da cobrança de taxas por serviços ilegais e de obstáculos ao trabalho de concessionárias.

Entre 2017 e 2021, as perdas de energia das distribuidoras com “gatos” em residências e pequenos comércios subiram de 13,9% para 14,8% no país. O problema é mais agudo no Rio. Na Light, o salto foi de 37,2% para 54% no período, ficando atrás apenas de duas empresas da Região Norte. Na Enel Distribuição Rio, foi de 24,8% para 31,4%, segundo a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel).

As concessionárias sustentam que metade dessas perdas vem de áreas onde estão impedidas de entrar pela criminalidade. Furtar energia é crime passível de prisão, mas está cada vez mais disseminado no cotidiano de áreas marcadas pela ausência do Estado.

Na Rocinha, Zona Sul do Rio, onde a equipe do GLOBO encontrou dois técnicos da Light em uma das principais vias da comunidade na última quinta-feira, há emaranhados de fios entre os postes que não são removidos. Um cenário parecido foi visto em Rio das Pedras, na Zona Oeste. No trecho conhecido como Areinha, os “gatos” de luz se misturam à fiação de outros serviços.

Uma liderança comunitária ouvida sob anonimato conta que, como em outras favelas do Rio, sempre houve “gato” ali. A diferença é que, antes, não havia intermediação da milícia. Agora, esses grupos paramilitares cobram pela luz desviada de R$ 50 a R$ 100 ao mês, ela conta. Para muitos moradores, há o incentivo de pagar menos num quadro de inflação alta.

— Alguma coisa estava sobrecarregando nossa demanda de energia, como se tivéssemos um frigorífico no quintal.

‘Gato’ vira ‘oportunidade’

Os “gatos” também abastecem pequenos comércios e camelôs, que puxam pontos da rede no meio da rua. Nivalde de Castro, coordenador do Grupo de Estudos do Setor Elétrico (Gesel) da UFRJ, diz que fábricas de gelo buscam áreas de milícia para escaparem do custo da energia com “gatos”. Em São João de Meriti, uma moradora conta que há furto de energia “da padaria à igreja”.

Um morador do Complexo da Mangueirinha, em Duque de Caxias, usuário de “gato” há dois anos, diz saber que o furto de energia acaba onerando quem paga conta de luz, mas resolveu ficar do outro lado para aliviar o bolso: “Ou você paga a conta por causa do gato dos outros ou adere para não sofrer também.”

O “gato” também é usado em áreas nobres ou no asfalto de classes média e baixa. A diferença é que, fora de zonas de risco, as concessionárias podem atuar para cobrar.

Uma moradora de Irajá, na Zona Norte do Rio, admite ser usuária de “gato” há 27 anos. Ela diz que a maioria das casas de sua rua furta energia. Todos querem usar ar-condicionado, mas a tarifa cara e a falta de fiscalização deixam os serviços clandestinos mais atraentes:

— Aqui tem essa “oportunidade” de pessoas que vêm fazer o gato e cobram barato.

As distribuidoras de energia podem repassar parte do prejuízo com perdas para as contas de luz dos que pagam, mas até um patamar definido pelo regulador. O resto é prejuízo.

— A parcela das perdas por furto de energia que fica com as distribuidoras está crescendo. E há o problema das áreas de restrição, notadamente no Rio. As metas regulatórias estão ficando impossíveis de serem atingidas, levando a discussão para a Aneel — diz Marcos Madureira, presidente da Abradee, que reúne as distribuidoras de energia do país. — Para ter o benefício da tarifa social de energia, o consumidor tem de ter a ligação formal à rede. Precisamos de políticas para reincorporar essas áreas criminalizadas, olhar o que está onerando a conta de luz, coibir perdas e cortar subsídios.

Na semana passada, a Light, que atua em 31 dos 92 municípios do Rio de Janeiro, abastecendo 11,6 milhões de pessoas, informou à Aneel que não tem geração de caixa suficiente para manter a sustentabilidade da concessão, sobretudo pelo furto de energia. Em setembro de 2022, as perdas da empresa bateram 53,7%. Mas a regulação do setor só fixa um limite de 40,9% para perdas que podem ser repassadas às tarifas. Este teto existe para incentivar que as empresas busquem mais eficiência. Procurada, a Light não quis falar sobre o tema.

A Enel Distribuição Rio tem três milhões de clientes em 66 municípios do estado, no total de 7,1 milhões de pessoas. Anna Paula Pacheco, presidente da empresa, traduz em números o avanço do problema:

— Em 2004, tínhamos 7,4 mil unidades consumidoras em áreas de risco. Em 2021, eram 470 mil. Isso equivale a 15% dos consumidores. É muito relevante. Nessas áreas, dois de cada três consumidores furtam energia.

Além da perda, diz Anna Paula, a dificuldade de operar nessas áreas prejudica a qualidade do serviço prestado e eleva a inadimplência, punida com corte, o que não pode ser feito sem segurança para enviar um técnico ao local. A Aneel define o limite de perdas para incentivar a concessionária a ser mais eficiente, mas a executiva diz que isso não é viável:

— Entre melhorar a sustentabilidade da concessão e proteger o colaborador, às vezes recebido a bala, optamos pelo funcionário. É preciso discutir com o poder concedente, governo estadual e agência, ou não se conseguirá manter o mesmo nível de serviço.

A concessionária paga o ICMS sobre as contas faturadas, mesmo as não pagas. E toda energia que distribui já foi contratada. Com isso, a conta cresce. Na ponta, o problema bate no bolso do consumidor.

— Vira um looping negativo: quanto mais cara a conta de luz, mais “gato”, mais inadimplência e maior o custo para quem está pagando. A melhor solução é ter segurança. Sem ela, é preciso buscar outras. Um estudo amplo, analisando o efeito de diferentes variáveis nessas áreas de risco, pode ajudar a desenhar uma estratégia e fazer um projeto-piloto. Há recursos para isso. Mas leva tempo — diz Amanda Schutze, coordenadora de Avaliação de Política Pública com foco em Energia do Climate Policy Initiative, da PUC-Rio.

‘Ocupação compartilhada’

Um conjunto de fatores derruba o resultado das distribuidoras no Rio, como a crise mais forte da economia fluminense em relação ao país. Segundo especialistas, o problema na segurança pública e seus efeitos cobra um preço alto, que precisa ser mitigado.

— O Estado do Rio padece de uma crise econômica estrutural. Isso reflete a falta de políticas públicas, de consistência de gestão e capacidade de atuar no campo da segurança — diz Nivalde de Castro, da UFRJ. — A demanda cai e o mercado das concessionárias encolhe, trazendo desequilíbrio econômico-financeiro à operação pelo maior descasamento entre receita e despesa.

Claudio Frischtak, à frente da Inter.B Consultoria, frisa que o apagão na segurança pública precisa ser contido:

— No Rio, o Estado está distante de ter o monopólio do uso da força, do poder público, porque existe um oligopólio nessa área, com ocupação do território compartilhada com a criminalidade. Essa ocupação ilegal é como uma infecção. Ou é combatida para ser reduzida ou se expande.

O efeito imediato, diz o economista, são perdas a quem opera serviços nessas regiões, já que criminosos vendem segurança e serviços como o de luz, que são “altamente lucrativos”. Frischtak avalia ainda que uma saída para reorganizar o sistema seria contratar a avaliação de uma entidade independente, por meio de organismos multilaterais.

— A Light teve problemas de governança e gestão no passado. Mas uma perda tão elevada não é culpa de um ente só. É impossível lidar com isso? Não. Temos o exemplo da Colômbia. Mas precisa ter política pública alicerçada em segurança, com inteligência.

Crédito: Glauce Cavalcanti e Ana Flávia Pilar / O Globo – @ disponível na inteenet 13/02/2023


Sem possibilidade de recorrer a uma recuperação judicial — o regime é vedado a concessionárias de serviços públicos em energia elétrica — a renovação antecipada do contrato da Light com a União, que vence em 2026, seria a saída para a empresa garantir condições de tocar a operação no Rio, dizem especialistas.

Na terça-feira, a Light informou à Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) que não tem geração de caixa suficiente para garantir a sustentabilidade da operação, em razão principalmente do alto índice de perdas por causa de furtos de energia. No segmento de residências e pequeno comércio, quase 54% da energia não é faturada porque é consumida a partir de “gatos”.

O momento que parece ser de “faca no pescoço” para a concessionária de energia carioca, explica João Carlos Mello, presidente da Thymos Energia, reflete a bola de neve que se tornou o problema das perdas por furto de energia.

— Investimento no setor elétrico é de longo prazo, com (crédito) sob condições específicas. Diante de dificuldades financeiras da Light, os bancos olham para riscos, mas também para o novo contrato, com a iminente renovação da concessão em 2026. Se a companhia não aguentar, o banco vai tomar a empresa? A operação volta a ser estatal? — questiona. — A melhor solução seria manter a concessão, com a remodelagem do contrato, reconhecida pela regulação.

— O que é feito hoje para compensar parte dessa perda (repassada para a conta de luz) resulta em uma bola de neve que perpetua o problema. E ele tem de ser compartilhado com o estado (governos locais e federal) — complementa.

Rebaixamento de nota

Empresas que atuam em regime de concessão, destaca Charo Alves, analista da Valor Investimentos, trabalham com grau de endividamento alto pelo grande volume de investimentos que têm de fazer e, por isso, são dependentes de financiamento.

Para ele, o calo da Light no momento é que há perda de confiança diante de acontecimentos recentes, o que dificulta a tomada de crédito:

— A Light anunciou a contratação da Laplace Finanças para melhorar sua estrutura de capital e facilitar a contração de empréstimos. Mas, em geral, esse movimento sinaliza que a empresa está com a faca no pescoço. Vieram ainda os rebaixamentos pelas agências de classificação de risco.

 

A empresa teve suas notas de crédito rebaixadas pelas agências Fitch, Moody’s e S&P, que justificaram as decisões em decorrência da necessidade de refinanciamento, da alavancagem moderada e por incertezas em relação ao futuro da concessão.

Nesse cenário, a renovação antecipada da concessão funcionaria como um “gatilho” para abrir condições favoráveis de negociação junto aos bancos, diz Alves. Do contrário, afirma ele, é preciso buscar alternativas:

— A empresa poderia captar recursos por meio de uma oferta pública de ações, por exemplo, mas estaria entregando seus papéis perto das (cotações) mínimas históricas. Ou ainda fazer emissão de debêntures (título de dívida), mas pagaria juro alto em razão da nota de risco rebaixada. Por isso, chamaram a Laplace.

Em dia com obrigações

Há sombras da crise da Americanas sobre a Light, dizem os especialistas. Os bancos e os investidores, em geral, estão mais atentos aos movimentos das empresas em que apostam, cobrando transparência em dados financeiros divulgados ao mercado.

Os casos das duas empresas são distintos, ainda que Carlos Alberto Sicupira, um dos acionistas de referência da Americanas detenha 10% do capital da Light. E, em caso de dificuldade econômico-financeira, concessionárias de serviços públicos no setor de energia elétrica não podem pedir recuperação judicial ou extrajudicial, conforme ficou estabelecido pelo artigo 18 da Lei nº 12.767/2012.

Esse recurso só poderia ser usado após o fim da concessão, como explicou na quarta-feira a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), em nota.

— Num caso extremo, e apenas se a concessionária não estiver cumprindo suas obrigações contratuais, pode ser feita uma intervenção. O processo é conduzido pelo Ministério de Minas e Energia, que é o poder concedente, por meio da Aneel. O poder público tem instrumentos para dar tratamento adequado a esses casos, garantindo o atendimento ao consumidor. Mas é uma medida muito drástica — diz Romário Batista, pesquisador do Centro de Estudos e Regulação em Infraestrutura da FGV.

Ainda assim, continua ele, os acionistas devem apresentar um plano de reestruturação para a empresa a ser aprovado e implementado. Na ponta, pode resultar em caducidade do contrato, o que costuma ser demorado e custoso, ou em transferência do controle da concessão para uma outra empresa, que seria uma alternativa mais viável.

A Aneel afirmou ontem que a Light tem cumprido as obrigações como distribuidora:

“No caso da Light Serviços de Eletricidade S.A, verifica-se que até o momento a empresa tem atendido os critérios de eficiência na gestão econômico-financeiro, definidos no Quinto Termo Aditivo ao Contrato de Concessão nº 001/1996, inclusive por meio de aportes de capital, além de permanecer adimplente com as obrigações intrassetoriais”, afirma a agência.

Crédito: Glauce Cavalcanti e Manoel Ventura / O Globo – @ disponível na inteenet 13/02/2023

 

9 Comentários

  1. Às grandes empresas de conseccao falam sempre que estão no vermelho, mas a realidade é outra, com caixa dois e envio de dinheiro para fora do país
    Se não está dando lucro por que não entrega a conseccao.
    Agora é um absurdo se vc tem um medidor de energia trifásica e não gasta nada ZERRO watts tem que pagar uma tarifa de R$ 100,00 Reais um absurdo, e assim sucessivamente para bifasico e monofásico porque isso ?
    É bom ganhar dinheiro assim, em outros países não há esse tipo de cobrança

    • Pelo simples fato de haver um fio ligado na sua casa, é preciso pagar por ele. Toda uma infra-estrutura foi criada pra levar energia até você e é preciso pagar pra construir e manter dita estrutura.
      Não existe almoço grátis.

    • Se o problema sao as favelas com enormes gatos, simples, quando der problemas no poste, cair, queimar transformador, nao consertem, deixem pra la, eles que se virem

  2. Realmente nas comunidades a maioria das ligações elétricas são clandestinas,eu conheço pessoas sérias que moram em comunidades que até gostariam de não usar gatos nas suas residências,mais reclaman que o valor da energia é muito auto e eles não tem condições de pagar agora porque as distribuidoras não estipula uma taxa única com aumentos anuais para essas pessoas,eles até querem pagar mais é cara demais a energia,sendo que tem gente que pode pagar mais embarca junto para tirar proveitos,não estou defendendo ninguém pelo contrário sou a favor que todos ande direto com seu deveres para que as companhias prestadoras de serviços possa prestar um serviço bom para todos nós,e não tirando de nós que pagamos tudo direitinho para cobrir contas de quem anda errado todos nós somos iguais,temos que cumprir com nossas obrigações.

  3. O sistema light faliu, o Estado faliu, os bandidos venceram e daí a pior. Chega um dia q os bandidos tomam o Estado ou o destruam, assim fêz o Estado Islâmico na Síria, aqui falta pouco pra isso!

  4. Tem verdade e mentira no informado pela Light, usando de uma estratégia falsa coloca na rua várias equipes de empresas prestadoras de serviços com o objetivo de fazer números. Estou falando do crime do TOI, sim é um crime pois foi feito para gerar números falsos e hoje lançar a culpa na sociedade.
    E os Órgãos que deveriam fiscalizar são omissos.
    Retirando os faturamento gerado pelo TOI, qual a real diferença entre o que vende e o que recebe.
    Mas também é verdade que o furto de energia atrapalha bastante.
    A light tem como falar para sociedade qual a diferença real de sua perda social (gato) e sua perda técnica por falta de manutenção prévia?

  5. Balela, uma bela bosta de uma “reportagem” mentirosa, quem paga a conta do furto tanto das mansões na zona oeste, quanto nas favelas, são os contribuintes médios, a light e seus acionistas jamais tiram 1 centavo do bolso pra nada, se precisam investir, vão aos bancos que extorquem os médios, pra dar taxa quase zero num empréstimo pra light. Reportagem paga, pífia e mentirosa paga pela light.

  6. A solução é simples , tem que cortar a luz de quem não paga, ou nunca pagou.
    Com o uso das forças de segurança e militares , antes que não tenha luz mais pra ninguém.

  7. Pago regularmente minha conta de luz em dia uma certa vez ocorreu um atraso na entrega das contas. Após diversas tentativas de envio das conta atrasadas via internet, após não obter nenhum resultado pedir para minha esposa ir pessoalmente no atendimento da empresa pegar uma segunda via assim que ela retornou paguei as contas , para minha surpresa no dia seguinte a Enel mando dois profissionais na minha residência averiguar se havia furto de energia, por sorte está a de folga e pude acompanhar todo o desmonta do sistema elétrico. Resumindo, caso vc pague em dia sua conta e ocorrer algum atraso CUIDADO você vai sofrer todo constrangimento de um furto. Lembrando que o atraso do envio das contas foram deles. Isso não é uma falha só da atual empresa já ocorreu parecido com a Ampla nas trocas e renovação do sistema fui reclamar do serviço e sofri com uma vistoria de todo meu sistema elétrico, até hoje meu relógio está pendurado de cabeça para baixo e o poste instalado de maneira inadequada.

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