Autoridade climática: o que é, para que serve e por que ainda não foi criada

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@reprodução internet

A fala, durante viagem à Amazônia no dia 10, completa já uma semana nesta terça-feira (17) – quando Lula deve se reunir com os chefes dos outros poderes e anunciar novas medidas. E ecoa um compromisso de campanha do presidente, até aqui ainda não cumprido.

“[…] Vamos estabelecer uma Autoridade Climática e um Comitê Técnico-Científico que dê suporte e articule a implementação das ações do governo federal”, disse Lula.

O presidente tinha viajado para ver de perto a maior seca já registrada na Floresta Amazônica. Que “coincide” com:

  • o maior pico de queimadas na Amazônia;
  • a maior seca do Pantanal;
  • o mês mais quente da história do mundo.

Recordes negativos que tendem a ser superados mais e mais rápido, se a trajetória de aquecimento do planeta e degradação do meio ambiente não for revertida, no Brasil e no mundo.

A criação de novas estruturas e estratégias para enfrentar a mudança do clima foi um tema recorrente na campanha de Lula ao terceiro mandato em 2023. Era um dos pontos em que o então candidato buscava fazer frente à gestão Jair Bolsonaro.

❓ Mas, afinal, o que essa autoridade pode fazer? E, se é tão fundamental, por que ainda não foi criada?

Entenda abaixo:

  • de onde surgiu essa ideia;
  • o que já se sabe sobre a autoridade climática;
  • como, na prática, o governo pode criar esse órgão;
  • se criada, para que serviria a estrutura;
  • por que a autoridade climática ainda não existe.

De onde veio essa ideia?

A ideia da Autoridade Nacional de Segurança Climática chegou ao governo antes mesmo da eleição de Lula, pelas mãos da então ex-ministra Marina Silva. Era uma das condições para que Marina voltasse a apoiar Lula, após mais de uma década de distanciamento.

Já com o apoio da ex-ministra e eleito para um terceiro mandato, Lula viajou para a Cúpula do Clima (COP 27) durante a transição de governo ao lado de Marina. Que chegou a ser cogitada como chefe da Autoridade Climática, mas acabou voltando a comandar o Ministério do Meio Ambiente.

Em janeiro de 2023, ao assumir o ministério, Marina voltou à pauta e disse que a autoridade seria criada em março – o que não aconteceu.

A ministra disse naquele momento que o órgão funcionaria de forma similar ao Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), que monitora desmatamentos e queimadas. E que teria comando “técnico”, e não político ou diplomático.

Em fevereiro, o governo chegou a nomear o diplomata Luiz Alberto Figueiredo como embaixador extraordinário para a mudança do clima. O cargo foi inspirado na posição de John Kerry, “ministro” do governo Joe Biden (EUA) para o clima – mas não se converteu em uma autoridade climática de fato.

Nos meses seguintes, o tema esfriou e a autoridade climática sumiu do discurso oficial do governo. Até voltou brevemente, mas nas vozes de especialistas em meio às maiores enchentes da história do Rio Grande do Sul.

“[O governo deveria] Ter tirado do papel aquele plano de campanha de também ter uma autoridade climática nacional. Que meça os esforços, que coordene esforços federais, para essa agenda de mudança climática”, disse ao podcast O Assunto o economista Bruno Carazza, comentarista do Jornal da Globo.

Ainda movido pelas chuvas, em junho, o Congresso aprovou e Lula sancionou um projeto com regras gerais para a elaboração de um novo Plano de Adaptação às Mudanças Climáticas. O texto não faz menção a uma autoridade nacional para o clima.

O que já se sabe sobre essa autoridade climática?

Até esta segunda (16), o governo ainda não tinha divulgado o formato da Autoridade do Clima — e nem quem vai comandar a estrutura.

O que já se sabe, até o momento, é que:

  • o órgão, se criado, deve permanecer de alguma forma ligado a Marina Silva e ao Ministério do Meio Ambiente;
  • o governo começou a rascunhar uma medida provisória a respeito do tema, o que sugere a criação de uma estrutura com mais poder;
  • se decidir por uma autarquia ou uma nova secretaria da Presidência com status de ministério, por exemplo, o governo terá forte oposição no Congresso;
  • nomes como o da atual secretária de Mudança do Clima do Ministério do Meio Ambiente, Ana Toni, e dos diplomatas André Corrêa do Lago e Luiz Alberto Figueiredo já foram discutidos;
  • Lula viaja no fim desta semana para a Assembleia Geral das Nações Unidas, em Nova York, e pretende anunciar um novo pacote de medidas ambientais antes de embarcar.

Na segunda, Lula passou o dia em uma série de reuniões com Marina Silva e outros ministros no Palácio do Planalto.

Nesta terça, deve se reunir com os presidentes do Supremo Tribunal Federal, Luis Roberto Barroso; do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG); e da Câmara, Arthur Lira (PP-AL).

Ao fim dessa reunião, o Planalto diz que Lula “anunciará medidas”. A autoridade climática pode estar, ou não, nesse pacote.

“É um redesenho do modelo de gestão e é importante o Brasil pensar fora da caixinha. Eu ouvi de uma fonte, uma comparação que me pareceu interessante: não se resolve esse problema com aspirina, é preciso quimioterapia. É tratamento de choque, a coisa é séria”, afirmou na última semana à GloboNews o jornalista da TV Globo André Trigueiro, especialista em temas ambientais.

Como criar o órgão, na prática?

Na prática, para criar uma nova estrutura de governo, o Executivo precisa do aval do Poder Legislativo. Foi o que o governo fez ao enviar uma medida provisória ao Congresso redesenhar a Esplanada dos Ministérios, em janeiro de 2023.

Para isso, no entanto, será preciso também definir questões práticas, como:

  • o orçamento do novo órgão,
  • o número de funcionários (cedidos de outros órgãos, em um primeiro momento ), e
  • a estrutura de comando.

Outra opção, mais simples, seria criar a Autoridade Climática como uma subdivisão do Ministério do Meio Ambiente, ou da Casa Civil. Isso pode ser feito por decreto presidencial — e nem precisa do crivo dos parlamentares.

É mais simples de fazer, mas também “mais precário”. Nesse formato, o órgão não teria orçamento próprio e ficaria subordinado a um ministro.

Seria como uma secretaria, ou uma diretoria de programas — um nível abaixo na hierarquia da Esplanada dos Ministérios, e sem o mesmo poder para influenciar os grandes planos do Executivo.

Se for criada, vai servir para quê?

Os especialistas em mudança climática costumam recorrer, com muita frequência, a quatro verbos principais: prevenir, mitigar, reverter e adaptar.

  1. prevenir que a sociedade continue destruindo o meio ambiente, seja utilizando mecanismos hoje prejudiciais ou criando novas tecnologias ainda mais nocivas;
  2. mitigar (reduzir) o dano que está sendo causado neste exato momento por desmatadores, produtores agrícolas irresponsáveis, garimpeiros, indústrias com maquinário antigo e uso extensivo de carvão mineral e petróleo, por exemplo;
  3. reverter o dano ambiental já consolidado — recuperar os leitos dos rios, reflorestar, capturar gases estufa na atmosfera, reintroduzir espécies a seus biomas, e assim por diante;
  4. adaptar a vida das pessoas à realidade de um mundo mais quente: mover populações em áreas de risco, construir casas adaptadas às novas temperaturas, mudar hábitos de consumo, estocar safras, ampliar equipes de Defesa Civil, construir diques e paredões no litoral, e por aí vai.

Em tese, é fácil listar o que precisa ser feito. Mas cada ação dessa esbarra em interesses contrários, exige mudanças de comportamento, gastos públicos e privados vultosos — além de punição e obrigação de ressarcimento para quem não se adaptar.

A autoridade climática teria, como missão principal, coordenar esses esforços. E para isso, segundo ambientalistas, seria ideal que tivesse uma posição de prestígio no governo. O que inclui, em muitos casos, a capacidade de contrariar interesses.

”Deveria ser uma autarquia, talvez [vinculada ao] gabinete da Presidência. Com um perfil mais técnico, algum nível de autonomia, como uma agência reguladora, um Banco Central, uma Polícia Federal. E que participe da elaboração e da execução do orçamento, ou seja, não seja só consultivo”, afirmou ao g1 o secretário-executivo do Observatório do Clima, Marcio Astrini.

Como exemplo, Astrini cita a lista do Centro de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden) que, em julho, apontou 1.024 municípios em situação de seca severa ou extrema. O governo recebeu o dado, mas não divulgou nenhuma medida em resposta.

“Qual é o plano para essa lista? Quais [municípios] vão ser atendidos primeiro? Quanto custa e quanto tempo demora? Quantos habitantes vão ser afetados, resgatados? Para onde serão levados?”, diz Astrini.

“A autoridade climática precisa ter autoridade suficiente para manejar ou pelo menos vetar algumas medidas. Se não, não é autoridade, é consultoria climática”, resume.

Astrini afirma que, se começasse a funcionar hoje, a Autoridade do Clima teria por exemplo que criar uma “sala de situação” com todos os governadores. E propor medidas drásticas, como uma moratória total nas autorizações de desmate pelos próximos meses.

“É uma ação que eu gostaria de ver imediatamente. Criar um ‘SUS do Clima’, com governadores e quem mais interessar. E encaminhar um arcabouço jurídico robusto para o Congresso de punição para os crimes ambientais. Aumentar as penas, transformar em crime hediondo, evitar que prescreva. As pessoas têm que começar a ter medo da fiscalização ambiental”, lista ele.

Por que, então, a autoridade climática ainda não existe?

A Constituição Federal de 1988 diz no artigo 225 que o meio ambiente é um “bem de uso comum do povo” e que a sua proteção cabe “ao Poder Público e à coletividade”. Assim mesmo, de forma bem genérica.

Com isso, a proteção ambiental é assunto de todo mundo: dos Três Poderes, da sociedade civil, do setor privado, do campo e da cidade. O que parece bonito, mas também dificulta apontar culpados ou tomar decisões mais incisivas.

Ao concentrar esse poder nas mãos de um único órgão, o governo terá necessariamente que confrontar interesses. Inclusive do próprio governo, ao analisar demandas dos ministérios de Minas e Energia e da Agricultura, por exemplo.

Lula, no entanto, assumiu o governo com outras missões e prioridades igualmente urgentes: equilibrar o orçamento, dar sinalizações de responsabilidade ao mercado e formar maioria em um Congresso que, além de mais conservador, passou a controlar grande fatia do Orçamento.

Mesmo sem a Autoridade Climática, o governo teve de ceder e batalhar até o último dia do prazo regimental para ver aprovada a medida provisória que redesenhou a Esplanada dos Ministérios.

O problema é que, passado um ano e meio, pouco mudou. O governo continua negociando projeto a projeto, sofrendo derrotas no Congresso e com dificuldades em definir quem, no Congresso, pode ser chamado de “aliado” do Palácio do Planalto.a demarcação de terras indígenas

O secretário-executivo do Observatório do Clima, Márcio Astrini, avalia no entanto que o momento mudou. E que é hora de o governo pressionar o Congresso — mesmo que seja para, em caso de derrota, deixar claro quem quis manter o quadro atual.

“Não dá para ficar com medo do Congresso, em vez de ficar com medo da crise climática. O parlamento acha que isso não é importante? Então, ele que venha a público e diga”, provoca Astrini.

Crédito: Mateus Rodrigues / Portal do G1 – @ disponível na internet 17/9/2024

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