O resultado de um julgamento realizado no Supremo Tribunal Federal (STF) na semana passada pode mudar a configuração do serviço público no país nos próximos anos. Por oito votos a dois, a mais alta Corte do país permitiu que órgãos públicos contratem servidores sob o regime da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).
A Corte entendeu que é válida uma emenda constitucional de 1998 que derrubou a obrigatoriedade da adoção do regime jurídico único para contratações pelo poder público. O tema tramitava há duas décadas.
O modelo CLT é o mesmo utilizado em grande maioria pelo mercado privado e garante direitos como Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), 13º salário, pagamento de rescisão contratual, jornada máxima de 8 horas por dia, entre outros.
No entanto, ao mesmo tempo, fragiliza a estabilidade dos servidores, pois a demissão pode ocorrer de maneira simplificada e com menor custo para os cofres públicos.
A contratação deve continuar ocorrendo por concurso público, independente da forma de regulamentação do trabalho que será exercido. A Constituição prevê certame público para preencher cargos efetivos, mesmo que não exista estabilidade no órgão para o qual foi aprovado – como ocorre atualmente com empregados das estatais.
De acordo com a legislação, nesses casos, a seleção pode envolver prova teórica e prova de títulos, quando a experiência, diplomas acadêmicos e outras conquistas ao longo da carreira somam pontuações para definir a ordem dos colocados na lista de aprovados no concurso.
Em uma ação apresentada na Corte nos anos 2000, o PT, PDT, PCdoB e o PSB afirmaram que o texto promulgado não teria sido aprovado em dois turnos por 3/5 dos votos dos parlamentares na Câmara dos Deputados e no Senado Federal, procedimento necessário para alterar a Constituição. Em 2007, o plenário do Supremo acolheu o pedido e suspendeu a validade da emenda que permitiu a contratação via CLT e outros regimes. Essa decisão estava valendo até agora. Ou seja, a norma ficou em vigor entre 1998 e 2007, gerando muitas contratações por meio da CLT pelo país.
Em 2020, a ministra Cármen Lúcia, relatora do caso, votou para manter a suspensão da emenda, pois no entendimento dela, a tramitação da proposta não ocorreu de acordo com as normas previstas na Constituição e, portanto, deveria ser invalidada. Como relatora, ela analisou apenas a tramitação da matéria e não seu conteúdo. Porém, em 2021, o ministro Gilmar Mendes divergiu e foi a favor da validade da emenda. A corrente de voto aberta pelo ministro Gilmar foi seguida pelos ministros Nunes Marques, Flávio Dino, Cristiano Zanin, André Mendonça, Alexandre de Moraes e Dias Toffoli.
Fragilidade
Isonomia
A decisão da Corte levou à reação de entidades sindicais e representantes de servidores públicos. Sérgio Antiqueira, secretário nacional de Relações de Trabalho da Central Única dos Trabalhadores (CUT), afirma que diferentes regimes de contratação geram incertezas. “Sem isonomia entre servidores que desempenham as mesmas funções, mas sob regimes jurídicos diferentes, o que já acontece, a tendência é de que aumentem os tratamentos desiguais e o descontentamento no ambiente de trabalho, afetando a prestação do serviço público”, disse.
Em nota, o Sindicato dos Servidores do Judiciário do Estado de Pernambuco afirmou que com a decisão tomada, surgem dúvidas e preocupações sobre como ficará a aposentadoria dos trabalhadores. “Com a criação de múltiplos regimes jurídicos para os servidores públicos, surge uma preocupação adicional no que se refere à previdência dos servidores. A adoção de regimes distintos, como o celetista e o estatutário, implica fragmentação dos direitos previdenciários, gerando desafios que podem afetar tanto os servidores quanto o sistema previdenciário público como um todo”, destaca o texto.