Por que a Câmara adiou temas polêmicos para 2025?

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Propostas aguardam votação em plenário ou criação de comissões especiais; eleição de presidência das Casas, crise entre STF e Congresso e agenda econômica ajudam a explicar atraso
 

O Congresso Nacional adiou para 2025 votações importantes que, pela polêmica do mérito, atraíram atenção da sociedade e acabaram não indo à votação este ano. A PEC do aborto, a das drogas, o chamado “pacote anti-STF” e a proposta de anistia aos golpistas do 8 de Janeiro são exemplos das propostas que estarão na pauta do próximo ano

O atraso na apreciação, na maior parte dos casos, se deve ao fato do tipo da proposição legislativa: por serem propostas de emendas à Constituição — e que, portanto, podem alterá-la —, devem ser analisadas por uma comissão especial, criada para esse fim específico. Na prática, isso atrasa a votação por um prazo predeterminado, já que os trabalhos da comissão têm pelo menos 40 sessões do plenário para resultarem em um parecer sobre o assunto.

Com o início do recesso legislativo, as propostas, assim como a criação dessas comissões — que devem ter seus 34 integrantes proporcionalmente indicados pelos partidos —, ficaram para 2025, ano em que ambas as Casas devem eleger novos presidentes e mesas diretoras.

Recesso dos parlamentares vai até fevereiro de 2025, quando Casas retomam atividades e escolhem novos presidentes.
Recesso dos parlamentares vai até fevereiro de 2025, quando Casas retomam atividades e escolhem novos presidentes.  Foto: Bruno Spada/Agência Câmara

Segundo o cientista político especializado em comportamento legislativo e pesquisador da Universidade de Brasília (UnB) Lucio Rennó, uma das razões práticas para as pautas não terem avançado, sobretudo neste período de final de ano, é o fato do foco do Congresso estar em temas econômicos e orçamentários. O Orçamento de 2025, por exemplo, ficou para ser votado na volta do recesso dos parlamentares, em fevereiro.

Mas há um motivo partidário para as propostas tramitarem em outra velocidade. “São agendas que contam com uma resistência de uma parte grande, principalmente daqueles partidos mais à esquerda e que, portanto, participam da coalizão do governo, que por isso também age de alguma maneira para obstruir esse processo de discussão”, afirma.

Para o professor, esse movimento do Executivo é um fenômeno novo no País, que se dá na esteira do alargamento do poder do Legislativo nos últimos anos. “Essas pautas não interessam ao PT. São pautas da direita mais radical no parlamento, querendo avançar com elas e o governo resistindo. Isso é relativamente diferente do que ocorreu no passado, porque antes o governo não tinha que se preocupar com isso, ele dominava a agenda do Legislativo com as suas proposições”, explica.

Anistia do 8 de Janeiro

Uma das matérias, a que busca conceder um “perdão coletivo” e dentro da lei aos réus e condenados pelos ataques contra as sedes dos Três Poderes em 8 de Janeiro de 2023, foi freada pelo próprio presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), no final de outubro. Mesmo não alterando a Constituição, o projeto foi considerado “muito amplo” por juristas, e Lira argumentou que a proposta trata de tantos assuntos que precisaria passar por pelo menos sete comissões. Conforme o regulamento interno, se a tramitação envolver mais de quatro comissões de mérito, um colegiado especial deve ser instalado para tratar do assunto.

O gesto veio na esteira da busca por apoio para a sucessão na presidência da Casa, que deve ficar com o líder do Republicanos, Hugo Motta (PB), ao qual bolsonaristas condicionaram o apoio exigindo que o novo presidente ponha em votação o projeto da anistia no próximo ano. Além de perdoar os golpistas, a intenção é que o projeto de alguma forma ajude o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) a recuperar os direitos políticos. Bolsonaro foi indiciado por tentativa de golpe de Estado em 2022, mas segue inelegível até 2030 por abuso de poder econômico.

A tramitação da anistia, segundo avalia Rennó, perdeu força na Casa pelos fatos conjunturais que vieram à tona com a investigação da Polícia Federal (PF) sobre a suposta trama golpista envolvendo Bolsonaro, militares de alta patente e outros aliados que fizeram parte do governo do ex-presidente.

Pacote que limita ações do STF

Em outubro deste ano, a mira dos deputados bolsonaristas esteve nos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), com a aprovação na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) de um pacote de quatro medidas para limitar os poderes dos magistrados da mais alta Corte do País. O chamado “pacote anti-STF”, que contém dois projetos de lei e duas PEC, limita decisões monocráticas, autoriza Parlamento a anular julgamentos do Supremo e estabelece regras de impeachment dos ministros da Corte pelo Senado.

A tramitação parou por aí. Para as duas PEC, cabe a Lira a criação de comissão especial para analisá-las, batalha que o presidente da Câmara em final de mandato não quis travar contra o Supremo. Uma das propostas, a PEC 8/2021, que versa sobre as decisões monocráticas tomadas pelos juízes, já foi aprovada no Senado em 2023. Já os projetos de lei, seguem prontos para serem pautadas no plenário — decisão que, conforme o regulamento, cabe à mesa diretora.

PEC das drogas e PEC do Aborto

Ambas as propostas também chegaram a ser aprovadas na CCJ, sob presidência da deputada bolsonarista Caroline de Toni (PL-SC), e agora esperam a criação das comissões especiais de mérito. Enquanto uma das propostas visa acabar com as provisões de aborto legal no País, a outra criminaliza a posse ou porte de drogas em qualquer quantidade. As duas votações foram reações dos deputados bolsonaristas a decisões do STF que versavam sobre os temas.

Em junho, a Corte reconheceu que o porte de maconha não é crime no País, se for para consumo próprio. Antes, em maio, o ministro do STF Alexandre de Moraes suspendeu uma resolução do Conselho Federal de Medicina que proibia a assistolia fetal, uma técnica específica para interromper a gravidez, nos casos garantidos por lei, de feto com mais de 22 semanas.

Os embates se acirraram especialmente este ano com a ofensiva da Corte em regulamentar o repasse de emendas parlamentares dos congressistas. Em agosto, o ministro Flávio Dino suspendeu a execução das emendas impositivas até que o Congresso desse transparência aos repasses. Em novembro, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) sancionou a lei aprovada no Congresso que selou um acordo entre os Três Poderes sobre a destinação e transparência dos recursos. Mas a crise entre os dois Poderes ainda não está apaziguada. Nesta segunda-feira, 23, a distribuição de emendas parlamentares de comissão voltou a ser suspensa outra vez por Dino, em decisão que atinge R$ 4,2 bilhões previstos para serem pagos até o fim do ano.

Nesse sentido, as chamadas pautas de costume, entram no jogo colocadas pelos parlamentares como “ameaças veladas” contra o Executivo, mas também contra o STF, explica Rennó. “É o Congresso dizendo: ‘olha, não mexam comigo, porque se vocês forem muito longe com essas posturas que nos ameaçam de alguma maneira, a gente vai retrucar e reagir dessa forma, e nós somos poderosos o suficiente para fazermos isso sem vocês.’”

Crédito: Karina Ferreira / O Estado de São Paulo – @ disponível na internet 26/12/2024

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