Sustentabilidade: ‘Quem não investir está fora do jogo’, diz CEO da Anglo American no Brasil
Para Ana Sanches, CEO desde o final de 2023, não há como ter expectativa de continuidade se não fizer a correta alocação de recursos em temas prioritários, como sustentabilidade. “É um caminho sem volta”
A indústria mineral vive muitos desafios, no Brasil e no mundo, principalmente em tornar a atividade mais conhecida e entendida pelas pessoas e pela sociedade. Isso requer um trabalho de informação e comunicação cada vez maior por parte das empresas e das entidades que representam o setor. ”A mineração é extremamente fundamental para a sociedade moderna, e para o futuro. É nosso papel explicar, esclarecer”, diz Ana Saches, presidente da Anglo American no Brasil, em entrevista ao Estadão.
A executiva, há pouco mais de um ano à frente da subsidiária brasileira da multinacional sediada em Londres, afirma que o setor tem grande importância na transição energética, por exemplo. “O mundo vai precisar dos minerais, especialmente os chamados críticos”, diz Saches, que desde fevereiro de 2024 ocupa também a presidência do conselho diretor do Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram), que reúne mineradoras nacionais e estrangeiras que atuam no País.
A mineração brasileira sofreu dois grandes solavancos de 2015 para cá. Em Minas Gerais ocorreram rompimentos de duas barragens de rejeitos da extração de minério de ferro (Mariana e Brumadinho), com enormes impactos ao meio ambiente, social e econômico. Com ampla repercussão mundial, deixou a imagem da atividade no Brasil arranhada. Há um trabalho de reconstrução da imagem, após as longas discussões sobre as reparações, que foram parar na Justiça.
Os negócios minério de ferro e níquel no Brasil, informou, fecharam 2024 com desempenho positivo, dentro das metas definidas e divulgadas ao mercado. E destacou que, desde dezembro, a empresa trabalha nos estudos de viabilidade do projeto de associação com a Vale, que poderá dobrar a produção de minério de ferro no País depois de 2030, com material de maior teor de ferro.
Sanches ressaltou que, globalmente, a companhia faz uma revisão de seus negócios e uma “nova Anglo American”, mais enxuta, vai surgir após se desfazer de vários ativos – carvão mineral, níquel, metais do grupo da platina e diamantes – e ficar com minério de ferro, cobre e fertilizantes. O Brasil, afirma, terá papel relevante.
Como a sra. vê a atividade de mineração, hoje, de uma forma geral?
A mineração é extremamente fundamental para a sociedade moderna, e para o futuro. Com todos os desafios que temos pela frente e a importância para a transição energética, por exemplo. O mundo vai sobreviver sem os minerais, especialmente os minerais críticos, que são fundamentais para as sociedades no futuro? Temos de buscar, cada vez mais, inovações, novas tecnologias e formas mais sustentáveis de executar a atividade, para que as pessoas entendam sua essencialidade, o valor do setor e como a mineração é feita, com segurança, transparência e responsabilidade. Vejo que o setor tem trabalhado mais coletivamente para encontrar essas respostas e superar os desafios nos últimos anos. No Brasil, o Ibram (Instituto Brasileiro de Mineração) tem um papel relevante nisso, nesse caminho.
O Ibram fez no ano passado uma campanha para mostrar a importância dos minerais no cotidiano das pessoas. Além dessa iniciativa, o que mais está previsto, uma vez que o setor viveu ficou com a imagem arranhada com os desastres ambientais de Mariana e Brumadinho?
Acredito muito nessa iniciativa da comunicação, mas não pode parar por aí. Sem dúvidas, precisamos falar mais sobre a mineração para as pessoas, explicar mais, mostrar a diferença entre uma atividade legalizada e a de um garimpo ilegal. A mineração legalizada segue critérios, desde monitoramento ambiental, de compromissos com as comunidades e a sociedade, e todos os requerimentos legais para executar a operação de forma sustentável. Mas isso nem sempre é conhecido. O Ibram e as empresas têm esse papel. E temos de estar abertos para ouvir as pessoas. Há outras inciativas por parte do Ibram.
A Anglo American tem no Brasil operações de mineração de ferro e níquel. Quais são as frentes de atuação para reduzir emissões de CO2, sustentabilidade e uma operação mais segura?
A companhia tem um plano de mineração sustentável com três pilares: meio ambiente, social e comunidades e governança e transparência. No primeiro, há uma série de ações que visam reduzir emissões de CO₂ nos escopos 1, 2 e 3. A Anglo American fixou, globalmente, metas ambiciosas de neutralidade de carbono para escopo 1 (diretas, da operação) e o 2 (energia consumida) até 2040, e de 50% no escopo 3 (indiretas, na cadeia de valor, com fornecedores) para o mesmo ano. Aqui, 100% dos contratos de energia, nos dois negócios, são de fontes renováveis (eólica, solar e hidrelétrica) desde 2022. Temos compromisso de contribuir, na meta global, refinando os números ao longo dos anos.
Para Ana Saches, temos de mostrar às pessoas a diferença de atividade legalizada com a de garimpo ilegal
A Anglo anunciou um projeto para reduzir quase 90% os rejeitos de beneficiamento do minério de ferro na barragem de rejeitos da mina em Conceição do Mato Dentro.
Sim, é uma grande planta de filtragem dos rejeitos, que, a partir do início de 2026, quando começa a operar, vai filtrar até 85% da água no rejeito gerado na nossa mina. O material filtrado será compactado e empilhado a seco em lugar específico. A água retirada será reutilizada nas operações de beneficiamento da planta industrial da mina. O uso de água é alto pela característica do minério e para obter o produto final (pellet-feed), com alto teor de ferro. Há outros, como o de reuso da água que chega na polpa pelo mineroduto (525 km desde a mina até o porto) no Porto do Açu (RJ). E temos ainda áreas de preservação (cerca de 32 mil hectares, entre Cerrado e Mata Atlântica), equivalentes a mais de seis vezes nossa área de mineração no País.
Para relembrar, nesse projeto para secagem do rejeito, quanto a Anglo American está investindo?
É um investimento bem relevante, de quase R$ 5 bilhões (cerca de US$ 800 milhões). Definido em 2021 e com obra iniciada em 2022, esse projeto só comprova nossa alternativa para redução da dependência de barragens de rejeitos, dentro do objetivo de uma mineração sustentável.
Operar conforme as exigências cada vez mais rígidas para ter reputação ambiental e social não é barato. Qual orçamento anual da Anglo no País?
A companhia tem um orçamento expressivo anual porque somos uma empresa de capital intensivo, com projetos para garantir a integridade do nossos ativos, a longevidade e ter uma operação de forma segura. Faz parte do nosso negócio investir alto. Nos últimos cinco anos (2020-2024), foram R$ 9 bilhões, nas operações de minério de ferro e níquel no Brasil. Minha visão, com meu background de executiva financeira, é de um caminho sem volta. “A empresa não tem como existir, e ter expectativa de continuidade, se não tiver a correta alocação de recursos nos temas prioritários, como sustentabilidade. E quando pensamos na sociedade, exige de nós cada vez mais pensar fora da caixa. O que não pode é não fazer esses investimentos, mesmo em momentos de downsize (baixa) do ciclo dos nossos negócios.”
Por ser uma multinacional listada na bolsa de Londres, a Anglo American sofre pressão mais forte de acionistas sobre o tema sustentabilidade e ESG?
Na companhia, sustentabilidade faz parte do nosso DNA, independentemente de pressões de mercado ou de esse ou outro tema estar em maior evidência. Sustentabilidade não sai da nossa pauta, das nossas prioridades. Para a Anglo, é um valor, é parte da estratégia do nosso business. Por isso, está presente nas decisões de curto, médio e longo prazo.
Mudando para outro tema, na tua visão, qual a importância da realização da COP-30, marcada para novembro, em Belém?
A COP-30 (Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas de 2025) será muito representativa, pois vai tratar de muitos temas, como a Amazônia. Tem um simbolismo muito grande de ocorrer dentro da Amazônia. Eu vejo como uma oportunidade enorme para o nosso País de poder mostrar para as pessoas que não conhecem ou tem uma visão enviesada do que somos, o que é o Brasil. Haverá oportunidades de parcerias e negócios, por exemplo, em temas relacionados à biodiversidade, com novas tecnologias, novas soluções. Só teremos a ganhar.
A saída dos EUA do Acordo de Paris, anunciada pelo presidente Donald Trump, pode prejudicar o evento?
Para mim, tudo que aconteceu desde a posse de Trump, e o que poderá ainda acontecer na nova gestão dos EUA, não tem muita surpresa. Estão coerentes com o que ele prometeu fazer. Temos de seguir observando. Vai ser uma nova dinâmica mundial, que irá trazer mudanças nas relações geopolíticas.
A COP-30, ocorrendo na Amazônia e num país relevante em mineração como o Brasil, pode discutir muitos temas. Clima, atividade mineral e preservação de florestas, por exemplo.
É uma oportunidade para mostrar a relevância do setor mineral no Brasil, principalmente em minerais críticos, como terras raras, que têm um grande papel na transição energética. Ouvimos muitas críticas sobre a capacidade de Belém em receber um evento desse porte, mas temos de parar um pouco, partir para a ação e contribuir para ser um sucesso. Está nas mãos de todos nós torná-lo um grande evento. A companhia, neste momento, junto com todo o time global, está avaliando como será nossa participação.
De volta á companhia, como está o processo de entrada da Vale no capital da mineradora no Brasil, com incorporação de reservas de minério de ferro?
O acordo foi concretizado no início de dezembro, com a aprovação dos órgãos reguladores. Agora, estamos nos estruturando para ter a Vale como sócia da nossa empresa, formando comitês de governança. Em paralelo a isso, começamos estudos, que são bem robustos, de viabilidade econômica, conduzidos pela própria Anglo American, que vão avaliar as possibilidades que esse acordo traz, de volume de produção e de opções de logística.
Quanto tempo se estima para realização desses estudos? Um, dois, ou três anos.
Mais que isso um pouco. As estimativas feitas durante o negócio, para os estudos de pré-viabilidade e de viabilidade final, são de cinco anos (no acordo, a Vale desembolsou US$ 157,5 milhões (R$ 920 milhões) para ficar com 15% da Anglo American Minério de Ferro Brasil). Vão demandar um bom tempo, porque são estudos técnicos que precisam estar bem respaldados com analises de impactos ambientais e sociais. Tudo tem de ser bem feito até a tomada de decisão de como será a incorporação. O prazo existente hoje é esse.
Sim, até lá temos a fase de estudos. Depois vem a fase de construção do empreendimento para fazer a exploração das novas reservas e produção do minério que foi incorporado às atuais reservas da Anglo.
E a venda dos ativos de níquel, em que estágio se encontra?
Localmente, não comentamos sobre isso, porque está sendo conduzida pelo time da sede, em Londres. Toda a definição estratégica está sendo feita por lá, com um grupo de trabalho e consultores. No Brasil, estamos cuidando dos funcionários nas duas operações (Codemin e Barro Alto, em Goiás), que estão reocupados com o o futuros deles. Nosso foco é o dia a dia e compromisso em entregar uma operação segura dos dois ativos. Neste mês, volto a Goiás para nova visita às unidades de produção.
Em termos de desempenho. como a empresa, no Brasil, fechou o ano passado nos negócios de minério de ferro e níquel? Atingiu as metas projetadas?
O desempenho de produção em 2024 foi muito bom, com os dois negócios performando com disciplina e estabilidade operacional. Atingimos as metas definidas. O balanço global da companhia a ser divulgado agora em fevereiro mostrará um desempenho positivo para os negócios do Brasil.
Quais eram as projeções de cada negócio? De 24 milhões a 25 milhões de toneladas no minério de ferro e 40 mil no níquel?
Nunca chegamos à produção de 25 milhões de toneladas em minério. Para o ano passado, nosso “guidance” era de entre 23 milhões e 25 milhões de toneladas. Em 2023, ficou em 24,2 milhões de toneladas. No níquel já fizemos 40 mil em outros anos, mas é uma operação que apresenta momentos de queda de teor do metal na mina. A projeção dada ao mercado foi de entre 38 mil e 39 mil toneladas em 2024.
Quanto a Anglo American no Brasil representa no grupo, seja por receita ou outra medida, e quantos funcionários tem no País?
Entre empregos diretos próprios mais contratados, estamos com 19 mil pessoas, abrangendo as duas operações. São negócios relevantes dentro do grupo, mas é importante lembrar que a Anglo American está passando por uma revisão estratégica de seu portfólio, para uma simplificação de ativos. Tudo isso vai se acomodar na “Nova Anglo American”, no novo portfólio de ativos. Minério de ferro será um negócio chave dessa “nova companhia”, tanto em Brasil como na África do Sul. Ao lado de cobre e com fertilizantes.
O grande empreendimento futuro da empresa no País é o projeto de minério de ferro com as novas reservas vindas da Vale?
Já está confirmado, o ‘deal’ concluído. Agora, há todo empenho para fazer os estudos, conforme os termos do acordo, para ver todas as oportunidades da incorporação das reservas da Serra da Serpentina e Serra do Sapo, que ficam próximas das nossas operações, em Conceição do Mato Dentro.
Qual o cenário de preço do minério de ferro que vocês na Anglo estão vendo para este ano?
Não vai ser um ano de alta, como vimos em anos anteriores. Não vemos motivos e fundamentos econômicos. Temos de avaliar o patamar de demanda versus o de oferta esperado para 2025 e como deve ser o consumo de aço na China (o mercado estima média de US$ 95 a tonelada). Vamos ter, agora, nova dinâmica na geopolítica mundial. Na empresa, vamos focar em ganhos de produtividade.
Crédito: Ivo Ribeiro/ O Estado de São Paulo – @ disponível na internet 4/1/2025