A semana acaba e eu nem vejo. Pra você o tempo também está passando mais rápido?

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Quanto mais fatos e notificações, mais eficaz a percepção de aceleração de tempo Foto: africaimages.com (Olga Yastremsk)

Com o piloto automático ativado para tentar dar conta de tudo, cresce percepção de aceleração do tempo. Resgatar fatos do passado pode nos trazer alguns insights sobre essa corrida maluco

Longe de mim querer que esta coluna pareça conversa de elevador, mas que o tempo está passando mais rápido está… Nem bem uma semana começa, já estamos de novo na sexta-feira. E daí até a segunda-feira a velocidade parece dobrar.

Quando se olha para o ano então, a sensação de aceleração se intensifica – quem aí já viu decorações de Natal pipocando pela cidade?

Mas o que será que tem feito o tempo parecer voar nesses últimos anos? E, por consequência, envelhecermos mais rápido?

Uma pista pode estar na maçaroca de trabalhos e tarefas em que se transformou nossa rotina. Em vez de viver cada minuto captando o máximo de detalhes, apelamos ao piloto automático em boa parte do dia para tentar dar conta de tudo – e esse tudo vira um emaranhado de coisas, em que não conseguimos prestar a atenção em nada direito e vamos tentando espremer mais e mais itens na agenda.

Acompanhando tudo isso, temos sempre nas mãos o celular – e, com ele, poderosos ladrões de foco e atenção. Ao monopolizarem momentos vazios, as redes sociais bombardeiam o ócio e, em consequência, nossa percepção temporal. Dizem especialistas que, quanto mais fatos e notificações nossos sentidos percebem, mais eficaz se torna a ferramenta de aceleração de tempo.

Daí a mergulharmos num dia infinito de trabalho é um passo. Assim como numa semana de trabalho infinito, num mês de trabalho infinito e por aí vai. Lembrando, porém, que esse mundo rápido demais também costuma mandar a fatura em algum momento para nosso corpo e nossa mente.

Para se ter uma ideia de quão impactante é essa questão do tempo, vale voltar alguns séculos na história.

“No final da Idade Média, ostentar o controle das horas era uma forma de ostentar poder e riqueza”, conta o professor da USP e colunista do Estadão Eugênio Bucci no capítulo O tempo que não tem tempo, do livro A superindústria do imaginário: Como o capital transformou o olhar em trabalho e se apropriou de tudo o que é visível (Editora Autêntica). “Como disse o historiador francês Jacques Le Golf: ‘As medidas – de tempo e espaço – são um instrumento de dominação social de especial importância. (…) Quem for seu senhor reforça de modo muito especial o seu poder sobre a sociedade’.”

Segundo Bucci, o conceito de tempo muda conforme a civilização e o idioma. Nas línguas primitivas, por exemplo, não havia grandes variações de tempos verbais. Só mais tarde, com as línguas indo-europeias, as distinções entre passado, presente e futuro se desenvolveram plenamente.

Com o avanço da técnica, destaca Bucci, “as máquinas de contar minutos se sofisticaram e se disseminaram” e logo se “associaram à exploração do trabalho”. Não por acaso em 1871 revolucionários da Comuna de Paris atiravam contra relógios públicos para indicar que queriam ser donos do próprio tempo.

Até o final do século 19, no entanto, não havia sistemas de padronização e conciliação de horários em diferentes locais. “Cada cidade tinha o seu horário. Cada fábrica tinha seus ponteiros para registrar a passagem das horas, mais ou menos aferidas. Mesmo dentro da mesma cidade, os horários não obedeciam a uma centralização rígida”, escreve Bucci. “Depois, com o adensamento das estações de trem e do tráfego nas linhas ferroviárias, outra máquina do tempo foi necessária: aquela que coordenava os relógios entre si. Somente em 1912, em Paris, foi celebrado o acordo estabelecendo a adoção mundial dos fusos horários.”

Já no final do século 20, na década de 1990, a empresa suíça Swatch patenteou o Internet Time, um sistema privado de universalização da contagem do tempo. “O Internet Time funciona em outra base numérica: em lugar das 24 horas, o dia é dividido em 1.000 beats, cada um deles correspondendo a 1 minuto e 26,4 segundos. De acordo com o modelo da Swatch, os fusos podem ser esquecidos, pois todos os lugares do mundo marcariam o mesmíssimo horário, a despeito de ser dia ou noite lá ou acolá.”

Isso é fundamental para os negócios transnacionais e, num sistema em que “tempo é dinheiro”, os turnos sem interrupções – com ordens do chefe chegando a qualquer hora do dia – se tornaram os mais lucrativos. Mas trouxe também outros resultados, incluindo o cansaço.

“Enquanto o futuro é cada vez mais um tempo histórico sempre postergado, o presente se acelera, é mais escasso e não entrega descanso a ninguém”, resume Bucci.

Para o professor da USP, se antes na modernidade o homem foi instado a se moldar ao ritmo acelerado da máquina, agora na supermodernidade o ritmo em constante aceleração da tecnologia “humilha a lentidão orgânica do corpo humano, que se sente em déficit de produtividade, permanentemente deslocado”.

“O que vivemos é parecido com o ‘dia da marmota’ da lenda da América do Norte, na qual a primavera é adiada e o inverno não acaba: um dia é a repetição do outro, e o futuro não chega.”

Não estranha, portanto, as semanas e meses e anos estarem acabando tão rápido.

Crédito: Luciana Garbin / O Estado de São Paulo – @ disponível na internet 20/9/2025

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