O serviço público[1] constitui o alicerce que sustenta a organização e garante a funcionalidade do Estado. Por seu intermédio, a soberania se concretiza nas políticas públicas, na tutela do interesse coletivo e na efetivação dos direitos fundamentais.
A título de exemplo, a existência de serviços públicos fortes, como a diplomacia e a segurança pública, protege o país contra ameaças internas e externas, garantindo a integridade territorial e a ordem.
Todavia, observa-se, nas últimas décadas, um processo gradativo de desvalorização do serviço público[2] — fenômeno que ultrapassa a dimensão administrativa e repercute sobre o próprio conceito de soberania estatal.
Nessa toada, especialmente a desvalorização do servidor público — em suas dimensões material, simbólica e institucional —, fragiliza a estrutura estatal e compromete sua capacidade de atuação autônoma, eficiente e legítima perante a sociedade.
O discurso reducionista que associa o servidor à ineficiência ou ao privilégio, amplamente reproduzido por determinados setores políticos e midiáticos, fomenta um ambiente de descrédito institucional e corrói a confiança social nas instituições públicas.
Em suma, iremos, através desse texto, apontar falhas e apresentar caminhos para a valorização do serviço público e consequentemente a proteção da soberania.
O servidor público como expressão da soberania
A Constituição, em seu artigo 1º, inciso I, consagra a soberania como fundamento da República. Tal soberania, entretanto, não se limita a uma noção abstrata: concretiza-se, de modo efetivo, por meio da atuação dos agentes públicos, que exercem o poder estatal em nome da coletividade.
O servidor público [3] consubstancia, em sua própria atuação, a materialização da soberania nacional. É ele quem encarna a presença do Estado em sua dimensão mais concreta e operativa, garantindo a continuidade dos serviços públicos essenciais e a estabilidade das políticas estatais, as quais transcendem os limites temporais dos ciclos governamentais e dos mandatos eletivos.
A desvalorização do servidor, nesse contexto, traduz-se em enfraquecimento da autoridade estatal e em ameaça à estabilidade institucional da República.
O desprestígio e erosão do estado
O desprestígio do serviço público não se resume a uma questão remuneratória, mas envolve, sobretudo, a redução do reconhecimento social e institucional. O enfraquecimento das estruturas administrativas, a precarização das condições de trabalho e a deslegitimação das carreiras de Estado resultam na evasão de quadros qualificados e na redução da eficiência da administração pública.
A consequência direta é a erosão da autoridade estatal. O enfraquecimento da máquina pública abre espaço para a captura do Estado por interesses econômicos e políticos particulares. E quando o Estado se torna refém de tais interesses, a soberania da nação se converte em mera formalidade.
A dimensão constitucional e republicana da valorização do serviço público
A valorização do serviço público é um imperativo constitucional e expressão dos princípios republicanos. O artigo 37 da Constituição estabelece os princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, cuja concretização depende da atuação de servidores tecnicamente competentes e eticamente comprometidos com o interesse coletivo.
Defender o prestígio do servidor público não constitui ato corporativo, mas uma afirmação de lealdade à própria República. Um Estado que não reconhece o valor de seus agentes inviabiliza a continuidade de políticas públicas estruturantes e compromete a independência institucional necessária à preservação do interesse nacional frente a pressões conjunturais ou setoriais.
A soberania da nação não se resguarda apenas pela integridade territorial ou pela autonomia econômica, mas, sobretudo, pela existência de um serviço público forte, respeitado e dotado de dignidade funcional, condição indispensável à realização do bem comum e à efetividade do Estado democrático de direito.
Nessa toada, o serviço público constitui instrumento essencial para a efetivação da soberania do Estado, tanto em sua dimensão interna quanto em seu aspecto externo.
Internamente, é por meio da atividade administrativa que o Estado exerce autoridade sobre seu território, garantindo a ordem, a segurança jurídica e a concretização dos direitos fundamentais.
De forma externa, manifesta-se na representação do país perante a comunidade internacional, na defesa dos interesses nacionais e na manutenção da independência política e econômica. Diplomatas e órgãos reguladores são expressões dessa soberania voltada à proteção da autonomia estatal.
Em outras palavras, a robustez e o adequado financiamento do serviço público constituem pressupostos essenciais para a organização do Estado e para a efetiva implementação de políticas sociais, econômicas e de segurança, de modo autônomo e independente de condicionamentos externos ou de interesses de natureza privada.
Nessa linha, citamos como exemplo a soberania digital[4] e a proteção de dados[5]:
A soberania sobre os dados públicos é um dos pilares da transformação digital em curso. Por isso, o MGI estabeleceu a Nuvem de Governo, modelo padronizado e obrigatório para a contratação de serviços de computação em nuvem por órgãos do Executivo Federal. A medida foi regulamentada pela Portaria SGD/MGI nº 5.950 de 2023.
A Nuvem de Governo garante que os dados estejam armazenados em território nacional, com alto nível de segurança e controle público. Além de assegurar a privacidade das informações, a iniciativa reduz riscos, promove a autonomia tecnológica e atende aos requisitos legais de proteção de dados.
“A nuvem de governo ou nuvem soberana representa uma infraestrutura fundamental para a segurança e soberania digital do país. Ao concentrar dados governamentais e serviços nesta nuvem, gerida exclusivamente por órgãos públicos e empresas públicas, a nuvem de governo fortalece a proteção contra ameaças cibernéticas e assegura que informações sensíveis permaneçam sob controle nacional”, disse a ministra Esther Dweck.
No mesmo sentido, a adoção de tecnologias revela-se questão estratégica diretamente vinculada à preservação da soberania nacional.
Tardiamente, há uma necessidade de implementar a profissionalização do funcionalismo, característica tão importante para a maior efetividade do serviço público. Senão vejamos na obra de José dos Santos Carvalho Filho[6].
Podemos apontar algumas características que delineiam o perfil da categoria dos servidores públicos.
A primeira delas é a profissionalidade, significando que os servidores públicos exercem efetiva profissão quando no desempenho de suas funções públicas. Formam, por conseguinte, uma categoria própria de trabalhadores — a de servidores públicos. Não é por outra razão que a vigente Constituição, preocupada com o aspecto da profissionalidade do servidor público, impôs aos entes federativos a criação de escolas de governo para a formação e aprimoramento profissional, visando, inclusive, à verificação de requisitos para a promoção nas carreiras (artigo 39, § 2o). Neste passo, avulta notar que, há muito, vêm os estudiosos reclamando a necessidade de proceder-se à verdadeira profissionalização da função pública, de modo a valorizar-se o servidor como ser humano e profissional do poder público, outorgando-se-lhe direitos inerentes a essa condição, como remuneração justa, padrões isonômicos, direitos sociais, licenças, aperfeiçoamento funcional e outros do gênero.
Não agindo desse modo, a administração pública assume o risco de não dar concretude suficientemente à soberania, tendo em vista que o servidor possivelmente migrará para a iniciativa privada, deixando um vácuo nos quadros funcionais das carreiras, principalmente as típicas de Estado.
Conclusão
O paulatino desprestígio do serviço público revela-se como uma das manifestações mais contundentes da crise institucional contemporânea. A retórica que busca desqualificar o servidor público configura, em verdade, uma forma indireta de afronta à própria soberania estatal, na medida em que enfraquece o principal instrumento de implementação das políticas públicas e de concretização do interesse coletivo.
O servidor público constitui o elemento de intermediação entre o Estado e a sociedade, incumbindo-lhe assegurar a continuidade administrativa e a efetividade dos direitos fundamentais. Sua desvalorização implica perda de capacidade técnica, erosão da memória institucional e comprometimento da legitimidade estatal perante o corpo social.
Em última análise, o fortalecimento do serviço público representa condição sine qua non para a preservação da soberania nacional. Um Estado desprovido de estrutura administrativa eficiente e devidamente valorizada torna-se vulnerável à desordem interna e à ingerência externa, comprometendo sua autonomia política, econômica e social.
Crédito: Claudio Granzotto / Opinião CONJUR – @ disponível na internet 25/11/2025
Referências
CARVALHO Filho, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo / José dos Santos Carvalho Filho. – 31. ed. rev., atual. e ampl. – São Paulo: Atlas, 2017.
JUSTEN FILHO, Marçal Curso de Direito Administrativo – Livro eletrônico – 4ed. São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 2016.
Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos Iniciativas do MGI fortalecem a soberania digital, ampliam o acesso a serviços públicos e modernizam o Estado brasileiro.
[1] “O conceito de serviço público desenvolveu-se na França, onde é utilizado para indicar, de modo amplo, todas as atividades estatais. No Brasil, adota-se conceito mais restrito, que não abrange inúmeras atividades estatais. Em geral, as Constituições dos demais países são omissas sobre os serviços públicos em espécie, cabendo sua determinação à lei. No Brasil, há inúmeras referências constitucionais a serviço público”. JUSTEN FILHO, Marçal – Curso de Direito Administrativo – Livro eletrônico – 4ed. São Paulo, p. 312.
[2] “A chamada crise do serviço. Ao longo do tempo, o instituto do serviço público tem experimentado seguidas crises. Nos últimos anos, chegou a se proclamar sua morte. 11 A concepção de crise deve ser entendida como a necessidade de adequação do instituto às circunstâncias sociais e econômicas”. JUSTEN FILHO, Marçal – Curso de Direito Administrativo – Livro eletrônico – 4ed. São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 2016, p 893.
[3] Principalmente os servidores de carreiras típicas de Estado que são aquelas atividades públicas que só podem ser exercidas pelo próprio Estado, de forma indelegável, por envolverem o exercício direto do poder estatal — como a tributação, a fiscalização, a diplomacia, o controle e a coerção legítima. Ou seja, são funções exclusivas de soberania, que não podem ser desempenhadas por particulares nem terceirizadas, porque representam o próprio exercício do poder público.
[4] Exemplificando, é o caso da soberania digital em que o Estado busca garantir que suas informações e infraestruturas tecnológicas permaneçam sob controle nacional — aspecto que envolve tanto a dimensão interna (regulação e segurança de dados) quanto a externa (proteção contra interferências de outros países).
[5] Disponível em https://www.gov.br/gestao/pt-br/assuntos/noticias/2025/julho/iniciativas-do-mgi-fortalecem-a-soberania-digital-ampliam-o-acesso-a-servicos-publicos-e-modernizam-o-estado-brasileiro#:~:text=Soberania%20digital%20e%20prote%C3%A7%C3%A3o%20de,/MGI%20n%C2%BA%205.950/2023.&text=A%20Nuvem%20de%20Governo%20garante,a%20ministra%20Esther%20Dweck
[6] CARVALHO Filho, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo – 31. ed. rev., atual. e ampl. – São Paulo: Atlas, 2017, p. 398.













