Ainda não há perspectiva de quando o relator atual do texto, o senador Efraim Filho (União-PB), apresentará sua versão na CCJ. Desde que chegou à comissão, em dezembro do ano passado, o projeto vem recebendo emendas. Uma das sugestões, do senador Eduardo Girão (Novo-CE), propõe especificar que ex-parlamentares tenham quarentena de 24 meses após o término de seu mandato antes de atuar na representação de interesses na Casa Legislativa onde exercia seu cargo. Na versão mais recente da proposta, do senador Izalci Lucas (PL-DF), aprovada na Comissão de Transparência, Governança, Fiscalização e Controle e Defesa do Consumidor (CTFC) no final do ano passado, está previsto um prazo de distanciamento de 12 meses para agentes públicos de forma geral.
O substitutivo de Izalci une aspectos do texto de Zarattini que veio da Câmara e do PL 2338/21, outra proposta para regulamentar as relações governamentais, de autoria do senador Rogério Carvalho (PT-SE). Com pontos considerados complementares, os textos tramitam em conjunto.
A atual versão do PL do Lobby estabelece que a livre representação de interesse perante o poder público independe de título profissional específico. Os profissionais podem utilizar termos como “relações institucionais” ou “relações governamentais”, desde que não abranjam funções reservadas por lei a outras categorias.
A representação profissional da atividade é definida como uma “atuação habitual” na defesa de interesses públicos ou de classe, em nome de entidades ou por autodeclaração. A habitual prevista no projeto considera quando o profissional interage com agentes públicos distintos mais de uma vez no período de 15 dias ou com o mesmo agente público em 30 dias.
Versão avança em brindes e multas
O oferecimento de brindes e hospitalidade, um dos pontos de discussão que cerca a atividade de lobistas, ganha contornos mais específicos no texto. Os brindes ficam restritos a cortesias ou serviços sem valor econômico que não ultrapassem o valor de um salário mínimo (R$ 1.518) e a periodicidade de menos de seis meses. Já a hospitalidade fica limitada a 20% da remuneração mensal do agente público. Ela inclui serviços de transporte, alimentação e hospedagem para a participação de cursos, seminários, congressos e outros eventos do tipo, que devem estar diretamente relacionados às atribuições do agente. Neste caso, a oferta não deve ser repetida em menos de um ano.
O texto também amplia a punição. Em caso de descumprimento da lei, as multas vão de 10 a 100 salários mínimos para pessoas físicas. As empresas podem ser multadas em valores de 0,1% a 5% do faturamento bruto do último exercício anterior ao da instauração do processo administrativo. A lista de infrações inclui vantagem indevida, ocultação de situação jurídica ou de clientes reais, além de fornecimento de informações falsas ou enganosas sobre a representação ou clientes. Leia a íntegra do relatório.
Na versão da proposta aprovada pela Câmara, havia menos delimitações. Os brindes eram descritos como itens “de baixo valor econômico distribuído de forma generalizada a título de cortesia, propaganda ou divulgação habitual”. Já os valores para a hospitalidade deveriam ser “compatíveis, na hipótese das mesmas hospitalidades serem ofertadas a outras pessoas nas mesmas condições”. A variação das multas prevista era de um a 10 salários mínimos.
Ao JOTA, o senador Izalci Lucas disse que houve um esforço no seu relatório para dar transparência às relações governamentais e que trabalhou coletivamente para que o projeto garantisse maior clareza e legitimidade à atividade. “Todo projeto tem interesses contraditórios. O importante é garantir que todos sejam ouvidos, que haja contraponto”, afirmou.
Ele também defendeu o aumento das multas como forma de garantir a efetividade da norma. “No Brasil, infelizmente, ainda existe essa cultura da ‘lei que pega’ e ‘lei que não pega’. Por isso, é preciso prever punições. O bolso é a parte que mais dói”, disse.
O texto atual do PL 2338/21 engloba todos os órgãos e entidades da Administração Pública a nível federal, estadual e municipal. Ou seja, inclui os Três Poderes, o Ministério Público, tribunais de contas e defensorias públicas. Esse aspecto é considerado um dos pontos mais fortes do texto por especialistas. Uma lei com esse tipo de amplitude é vista como uma “grande evolução” para a atividade. “Ele avança porque abrange as esferas de competência dos três poderes. Isso nunca aconteceu”, diz Andrea Gozetto, consultora de advocacy e cientista política especializada em Administração Pública e Governo. Mas o texto mantém uma lacuna ao estabelecer cadastros específicos para cada órgão ou entidade pública.
Especialistas apontam que a pulverização dos registros de representantes de interesses em diferentes órgãos e entidades descentraliza o monitoramento e reduz a eficácia da transparência pretendida pelo projeto. “Você consegue ver em uma Casa específica, em um lugar específico, mas, de forma nacional, não consegue acompanhar”, explica Juliana Sakai, diretora-executiva da Transparência Brasil.
A criação de um cadastro nacional tem sido uma demanda de alguns setores ao longo da tramitação. A sugestão esteve entre as emendas recomendadas pela Rede de Advocacy Colaborativa (RAC), grupo de entidades representativas da sociedade civil, e foi acatada enquanto o texto estava na Câmara, mas retirada posteriormente em outro substitutivo. Sakai defende um banco de dados único, que incorpore todas as informações em um mesmo sistema.
Além da menor transparência, a exequibilidade desse modelo também é questionada: “Nós temos cerca de 5.600 prefeituras no Brasil. Cada prefeitura, cada secretaria de cada prefeitura vai ter que ter o seu próprio cadastro de representantes de interesses. Cada uma delas. Cada tribunal. Qual é a vantagem de eu ter essa quantidade absurda de informações se elas não estiverem todas num lugar só? Como que o cidadão vai encontrar?”, questiona Gozetto.
Como solução, Sakai e Gozetto miram no InfoLobby, plataforma chilena que permite consultar audiências, viagens, doações e outras informações associadas à representação de interesses perante o poder público. Os dados são todos enviadas pelos agentes públicos. O modelo não é totalmente estranho à administração pública brasileira. Ele serviu de inspiração para o e-Agendas, o sistema eletrônico de consulta de agendas do Poder Executivo, no ar desde 2022.
O Chile foi o pioneiro na América Latina na regulação do lobby. O projeto de lei, que contou com a participação de cerca de 40 organizações da sociedade civil na sua elaboração e implementação, foi aprovado em 2014 no Congresso Nacional do país. Passou a entrar em vigor 2016.
O presidente da Associação Brasileira de Relações Institucionais e Governamentais (Abrig), Jean Carlo de Castro, também considera que há problemas na forma como a responsabilidade é distribuída ao exigir que a divulgação de dados das interações com agentes públicos não seja feita pelos próprios representantes do Estado. “A agenda depende da disponibilidade do agente público, cabe a ele o agendamento, a colocação dos dados, de quem será recebido, que pauta será tratada. Quando você inverte o ônus da transparência, corre risco de ter algum tipo de desvio da finalidade dessa medida”, afirma.
O presidente da Abrig defende ainda a equiparação entre representantes de interesses do setor público e do setor privado. Castro considera que servidores públicos também exercem atividades de lobby ao pleitear junto ao Congresso questões relacionadas a seus planos de carreira, orçamentos e interesses corporativos. “Isso tudo é muito legítimo e era importante que houvesse essa equiparação para dar segurança jurídica para ambas as partes”, defende. Segundo ele, ao não equiparar as regras, o projeto cria insegurança e desigualdade.
Caminho possível
O lobby já é regulado em pelo menos 40 países. As experiências são distintas, com vantagens e desvantagens. Um estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), de 2015, indica que, entre as democracias liberais, as legislações se dividem entre normas de baixa, média e alta regulação. As jurisdições que optaram por uma baixa regulamentação, como a Polônia e a Alemanha, garantem um baixo custo e condições de acesso mais amplas por diferentes atores. Por outro lado, têm graus menores de transparência.
Já a alta regulação, como é o caso dos Estados Unidos, garante uma maior prestação de contas, mas gera um alto custo e maiores graus de desconfiança em relação ao setor. Um meio termo é mais complexo, segundo avaliação dos pesquisadores. Adotado por Austrália, Taiwan e Hungria, o cenário intermediário tem mais chance de resultar em um legislação incompleta.
O advogado Bruno Perman, especialista em relações governamentais com passagens pelo Instituto de Relações Governamentais (IrelGov) e pela Abrig, considera que uma legislação mais “enxuta” faz mais sentido no caso brasileiro. Ele defende que o país adote um modelo inicial mais simples, como o do Parlamento Europeu, para depois avançar gradualmente. “A gente já tem um arcabouço jurídico importante. Essa regulamentação do lobby deveria vir mais para oficializar a figura, trazer mais transparência, e não gerar um excesso de controle”, afirma.
Perman vê com preocupação a inclinação para uma proposta mais estrita, similar ao modelo dos Estados Unidos. Segundo ele, esse grau de rigor pode acabar incentivando distorções. Ele exemplica a estratégia adotada por empresas de consultoria americanas que se registram como agências de comunicação para contornar a legislação do país.
A apreensão é compartilhada por Andrea Gozetto: “Os EUA têm a legislação mais rigorosa do mundo sobre lobby, com três reformas que tornaram as regras ainda mais rígidas. Só que quanto mais você endurece, atrai menos gente para o cadastro. O lobby é uma atividade de comunicação: um e-mail, um direct no Instagram, até um outdoor pode ser uma forma de advocacy. Nem tudo isso consegue ser rastreado por uma lei.”
A regulamentação das relações governamentais nos EUA data de 1946, quando foi instituído o Federal Regulation of Lobbying Act. Em 1995, a norma foi substituída pelo Lobbying Disclosure Act, com mais obrigações sobre transparência. Houve nova mudança em 2007, com ampliação das regras pelo Honest Leadership and Open Government Act. Entre as obrigações previstas, a legislação americana obriga que sejam apresentados relatórios anuais identificando as contribuições e os gastos realizados por lobistas para beneficiar candidatos a cargos eletivos federais e autoridades do Legislativo e do Executivo. A lei também proíbe que parlamentares e autoridades do Executivo aceitem quaisquer presentes de profissionais do setor.
No Brasil, seguir esse tipo de modelo levaria ao risco de um ambiente de burocracia excessiva, argumenta Bruno Perman, para quem é preciso considerar normas já vigentes que tutelam a atividade. “A gente já tem tanta lei que regula, por exemplo, qual é o limite de brinde ou presente que o funcionário público pode receber, quando você convida para um evento, como é que tem que ser. Todos esses regulamentos já existem em várias outras leis, não precisa trazer isso para a lei de regulamentação do lobby”, afirma.
“O menos é mais. A pessoa que já fez errado vai continuar fazendo errado. E quem faz certo é que vai ser penalizado. Colocar parâmetros, dar rastreabilidade a todo o processo, eu acho que esse seria o grande ganho”, considera.
Em perspectiva oposta, Juliana Sakai, da Transparência Internacional, defende que a prestação de contas precisa ser detalhada e reforçada em todas as pontas. Ela discorda que isso seja burocratizar o processo. “A criação das emendas PIX, que é o maior desastre de uso de dinheiro público e de ausência de transparência, foi justificada com esse mesmo argumento, de que seria custoso demais divulgar informações. Claro que isso gera mais trabalho. Mas quem perde é a sociedade”, diz.
O presidente do Instituto Não Aceito Corrupção (INAC), o promotor de Justiça Roberto Livianu, concorda. “O registro das interações precisa ser plenamente assegurado de maneira transparente. O valor da transparência, da publicidade, que é um princípio constitucional, precisa ser plenamente assegurado”, afirma.
Para ele, há o risco de uma lei do lobby de “natureza corporativista”, que não garanta ampla representação da sociedade civil. “O que é necessário que aconteça para que nós tenhamos uma boa regulação é o equilíbrio de forças, que as cartas sejam colocadas sobre a mesa e a sociedade esteja bem representada”, diz. Para ele, a legislação deve principalmente garantir espaço à sociedade civil na interação com o poder público em condições iguais às grandes corporações.
A Abrig tem a posição de que uma lei simplificada parece prudente para o Brasil no momento. Mas a norma não pode perder de vista a eficácia e a integridade da transparência. Para a associação, não existe uma receita pronta e os avanços, consequentemente, serão desenhados depois da lei aprovado. O cenário internacional corrobora a perspectiva, já que em grande parte dos país, as leis foram revisadas, ampliadas e corrigidas ao longo do tempo.
Apesar das perspectivas múltiplas, de maneira geral, as diretrizes da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) são um farol para representantes do setor e especialistas. A organização recomenda que as leis para atividade tenham como foco reforçar a garantia de um sistema coerente e abrangente, a cultura de integridade e a real prestação de contas.
Enquanto a transparência e a accountability não forem peças chaves para a discussão, será difícil garantir a isonomia e a igualdade de acesso. A maior afetada é a sociedade civil. “Lobby não é privilégio, é participação. Quando um setor produtivo, uma ONG ou um movimento social consegue apresentar sua visão a um tomador de decisão, isso é democracia funcionando”, diz Gozetto.
E a corrupção?
O lobby no Brasil é acompanhada por alguns estigmas. A associação com a corrupção é um dos principais. O vínculo entre o lobista e o crime já esteve mais presente no imaginário popular, porém ainda distorce e fragiliza o debate em torno de uma lei para as relações governamentais. “Mas isso não faz sentido. Não existe, na literatura internacional, nenhuma evidência de que regulamentar o lobby seja um bom instrumento para combater a corrupção”, declara Andrea Gozetto, para quem o debate sobre o PL ainda está “muito contaminado por uma lógica de combate à corrupção”.
Para Livianu, do INAC, no entanto, as discussões não devem ser completamente desassociadas já que, segundo ele, o projeto de lei pode ser utilizado “de forma oportunista” para abrir brechas. Ele considera, por exemplo, que a previsão presente no texto de que haja o oferecimento de hospitalidade, mesmo com regras mais rígidas quanto a valores, promove uma “corrupção legalizada”.
O procurador associa o desempenho de normas internacionais que regulamentam o lobby ao combate ao crime. “Não é sem motivo que aqui na América do Sul temos dois países, o Chile e o Uruguai, com boas legislações sobre o lobby que são modelos de bom controle da corrupção”, afirma.
Para Jean Castro, da Abrig, uma lei que regulamente a atividade é importante para combater também a “má compreensão” e o preconceito sobre o trabalho do profissional de relações governamentais, que também é acentuando pela falta de transparência da própria administração pública.
“Nós precisamos lembrar que o lobby está associado à democracia. Lobby é representação de interesse legítimo, nos meios adequados, da forma adequada”, reforça.
Discussão demanda tempo
O primeiro projeto de lei para regulamentar do lobby foi apresentado no Congresso em 1984 pelo ex-vice-presidente Marco Maciel, então senador. O PL 25/1984 teve pouca evolução no Senado e foi arquivado em 1987. Maciel voltou a apresentar uma proposição sobre o assunto em 1989, o PL 203/1989, que chegou a avançar na Câmara, mas não foi votado. Posteriormente, também foi arquivado.
A complexidade do tema justifica as idades e vendas para especialistas. O presidente da Abrig avalia que, considerando a necessidade de uma análise “bastante apurada” sobre o assunto “do ponto de vista do modelo brasileiro democrático, do ponto de vista do legislativo, a gente está absolutamente dentro do timing”.
Para os próximos passos do PL 2914/2022 no Congresso, é esperada maior participação pública. O setor cobra audiências e diálogo mais aberto. Apesar das lacunas, a tramitação é celebrada. A percepção é de que é melhor começar por alguma lei do que seguir sem nenhuma norma.
Mas o projeto está longe de ser considerada uma prioridade atual do Legislativo. Em meio a uma agenda cheia, que inclui a Reforma da Renda, anistia ao 8 de Janeiro e a finalização da reforma da previdência, o setor busca avançar aos poucos.
Crédito: Luísa Carvalho / JOTA – @ disponível na internet 12/5/2025