Alta recorde do ouro põe Brasil sob pressão ambiental

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Ouro ultrapassou pela primeira vez os 4 mil dólares por onça (R$ 21,8 mil); dinâmica é alimentada também por política errática de Trump nos EUA, segundo especialistas

A alta recorde do ouro, que ultrapassou pela primeira vez os 4 mil dólares por onça nesta semana (R$ 21,8 mil), expõe a fragilidade da atual ordem financeira global e reacende dilemas antigos. Em meio à desconfiança crescente no dólar e à busca por refúgios de valor, o metal volta a ser aposta de investidores, mas também pressiona florestas e comunidades afetadas pela corrida por extração em países emergentes, como o Brasil.

De acordo com especialistas ouvidos pela DW, a disparada do preço do ouro não é apenas reflexo de especulação: ela revela um mundo mais instável, em que os instrumentos clássicos de confiança internacional, como dólar, títulos americanos e instituições multilaterais, perdem força. Por isso, bancos centrais e grandes investidores institucionais passam a comprar mais ouro para se proteger de possíveis choques externos.

“Quando o mercado volta a buscar o ouro como segurança em detrimento de dólar ou mesmo de cripto, que também são ativos considerados como abrigo de segurança, mostra que a percepção de risco geral acabou aumentando”, afirma a economista Bruna Centeno.

Ativos dos EUA eram segurança

Desde a Segunda Guerra Mundial, o dólar e os títulos do Tesouro dos Estados Unidos se consolidaram como reservas de valor globais porque refletem confiança e estabilidade em um país que ocupa o centro do sistema financeiro internacional.

A economia americana é a maior do mundo, o governo dos Estados Unidos nunca deu calote em sua dívida e seu mercado de títulos é o mais líquido e seguro do planeta, ou seja, é fácil comprar e vender esses papéis sem risco de perdas bruscas. Além disso, como o comércio internacional e as commodities são majoritariamente cotados em dólar, manter reservas nessa moeda garante proteção em períodos de crise e poder de compra em escala global.

Agora, contudo, há um profundo menosprezo por instituições multilaterais, que ajudaram a moldar o comércio e as relações internacionais, como a OMC (Organização Mundial do Comércio) e a ONU (Organização das Nações Unidas), por exemplo, deixando dúvidas nos agentes do mercado sobre como será o futuro.

“A palavra central para entender a influência do governo Donald Trump é a incerteza. Uma vez que movimentos da economia norte-americana tomam curso – alguns contrários à fundamentação econômica esperada –, os agentes de mercado não sabem exatamente o que esperar”, afirma Marcio Sette, professor de relações internacionais do Ibmec-RJ e ex-diretor do Brasil no Banco Interamericano de Desenvolvimento.

A economia norte-americana também dá sinais confusos e perdeu parte da confiança global por causa do endividamento público recorde, da instabilidade política e da perda de controle fiscal.

“Se o dólar está diretamente ligado à economia norte-americana e essa economia está em risco, naturalmente esse fluxo do capital vai buscar outros lugares e aí a moeda tem essa perda de valor em detrimento de outras buscas que o mercado vem fazendo para se sentir seguro, para buscar esse abrigo que nesse momento a gente não consegue no dólar, via percepção geral do mercado”, explica Centeno.

“Diante, portanto, de repercussões incertas na economia emissora da moeda de referência que é o dólar, além do shutdown [paralisação do governo dos Estados Unidos] e das expectativas de política monetária com redução dos juros pelo FED [o Banco Central americano], despontam o ouro e outro metais, como a prata, como preferência, como ativos invioláveis. A aversão ao risco domina o mercado”, completa.

Para além dos Estados Unidos, o mundo também passa por transformações. Para Sette, essa crescente desconfiança em relação ao dólar ampliou o debate sobre alternativas ao sistema financeiro dominado pelos Estados Unidos. Moedas locais, sistemas de pagamento regionais e stablecoins ganharam destaque, enquanto alguns países reduziram a participação de títulos do Tesouro americano em suas reservas e aumentaram a compra de ouro como forma de diversificar e proteger seus ativos.

“Não se trata exclusivamente da incerteza oriunda de dentro dos EUA, mas também da instabilidade de um mundo fragmentado, sem apoio multilateral, que se desglobaliza e, pior, vive sob a ameaça de uma guerra europeia generalizada diante do conflito entre Rússia e Ucrânia”, diz.

Clareira aberta por garimpeiros na Terra Indígena Yanomami; foto de 3 de dezembro de 2023
Valorização do ouro turbina exploração legal e ilegal, com consequências devastadoras para o meio ambiente e comunidades locais, apontam especialistasFoto: Ueslei Marcelino/REUTERS
Pressão ao meio ambiente

Com a valorização do ouro, há mais atrativos para a exploração. O Brasil produz cerca de 70 toneladas do metal por ano, segundo a consultoria Mining Technology, sendo o décimo maior produtor mundial. Mas, em um mercado que carrega as marcas históricas da exploração socioambiental a qualquer custo, a nova corrida também desperta preocupações.

Segundo Larissa Rodrigues, doutora em energia pela USP e responsável pelos projetos de mineração, energia e uso de terras do Instituto Escolhas, sempre que o preço do ouro sobe, há um estímulo maior à extração, seja legal ou ilegal, e essa “corrida” pelo metal tende a acelerar o desmatamento, agravar conflitos fundiários e aumentar violações aos direitos de comunidades locais.

“Os riscos ambientais e sociais estão presentes, porque junto da proliferação de áreas ilegais temos o desmatamento, a contaminação dos rios e das pessoas por mercúrio – que é altamente tóxico, mas ainda amplamente usado na extração de ouro –, além de conflitos com comunidades locais e a atuação do crime organizado”, diz.

Rodrigues defende que o Brasil precisa assumir um compromisso real com uma mineração responsável e legal, evitando o uso de mercúrio, e que comprova a origem do ouro por meio de mecanismos de rastreabilidade, gerando riqueza ao país. O Brasil, porém, ainda está longe de cumprir plenamente esses padrões.

“Apesar de termos conquistado avanços recentes nos controles – como a adoção de notas fiscais eletrônicas para o ouro e o fim da presunção de boa-fé no comércio – e termos feito um grande esforço de repressão ao crime, precisamos ainda de rastreabilidade de origem obrigatória, proibir o uso de mercúrio e fiscalização ambiental. Precisamos seguir nessa direção para continuar estrangulando o crime e manter as atividades minerais dentro de contornos ambientais e sociais responsáveis”, completa.

Crédito: Vinicius Pereira / Deutsche Welle – @ disponível na internet 11/10/2025


O que está impulsionando as altas do ouro e do bitcoin?

Bitcoin rompeu a barreira dos 125 mil dólares, e o ouro, a dos 4 mil dólaresFoto: Jiri Hera/Zoonar/picture alliance

Ambas as commodities atingem máximas históricas em meio a incertezas econômicas e geopolíticas e à busca de investidores por alternativas ao dólar. Ouro subiu mais de 50% em 2025. Bitcoin dobrou de valor em um ano.

Quem tem investimentos em ouro e bitcoin teve motivos para festejar nas últimas semanas. Ambos atingiram máximas históricas.

Nesta terça-feira (07/10), o ouro ultrapassou a barreira de 4 mil dólares por onça troy (a unidade de peso para metais preciosos e que equivale a 31,1 gramas).

No domingo passado, o bitcoin atingiu um recorde ao romper a barreira de 125 mil dólares pela primeira vez, antes de recuar um pouco.

Até agora, 2025 tem sido um ano excepcional para ambas as commodities. O ouro está no caminho para ter sua maior alta anual desde 1979. Seu preço subiu mais de 50% desde 1º de janeiro. O bitcoin teve algumas quedas ao longo do turbulento ano de 2025, mas seu valor dobrou no período de um ano.

O que está acontecendo?

Tradicionalmente considerado um porto seguro para os investidores em tempos de incerteza, o ouro tem apresentado uma curva ascendente acentuada desde o fim de 2018, e seu valor aumentou mais de 300% desde então.

E a incerteza certamente tem sido um fator na atual tendência, com as tarifas de importação do presidente dos EUA, Donald Trump, em abril, alimentando preocupações sobre a economia global, a sustentabilidade dos níveis da dívida do governo americano e até o futuro do dólar como moeda de reserva mundial.

O que é uma criptomoeda?

Há ainda a incerteza geopolítica, como resultado das guerras na Ucrânia e em Gaza.

Outro fator de insegurança, mais recente, é o shutdown do governo dos EUA.

O ouro também se beneficiou da perda de confiança no iene como ativo de refúgio. Apesar de as ações japonesas terem subido nesta segunda-feira após a confirmação da eleição de Sanae Takaichi como líder do partido governista LDP, posicionando-a para ser a primeira mulher a liderar o país, o iene continuou a cair.

“A fraqueza do iene em decorrência das eleições do LDP deixou os investidores com um ativo de refúgio a menos, e o ouro soube capitalizar”, disse o analista-chefe de mercado da KCM Trade, Tim Waterer, à agência de notícias Reuters.

Na Europa, a renúncia do primeiro-ministro Sébastien Lecornu elevou a crise política e as incertezas em relação à economia da França, a segunda maior da União Europeia, com uma dívida pública equivalente a 115% do Produto Interno Bruto (PIB), e alimentou temores de que essa situação afete a estabilidade do euro.

A situação nos EUA eleva a atratividade do ouro. “O shutdown do governo americano significa que uma nuvem de incerteza ainda paira sobre a economia americana e sobre o potencial de qualquer impacto no PIB”, acrescentou Waterer.

No entanto, especialistas dizem que a atual alta do ouro se deve não só às dúvidas sobre o futuro da economia americana ou mesmo global. Vários analistas afirmam que houve um aumento na demanda por fundos de investimento ETF lastreados em ouro, procurados cada vez mais por investidores de todos os perfis e tamanhos.

“O fato de a demanda por ETFs ter voltado à cena com tanta força significa que existem duas formas ‘agressivas’ de procura por ouro: pelos bancos centrais e pelos investidores em ETFs”, escreveram analistas do Deutsche Bank em nota a clientes.

Bancos centrais de todo o mundo são tradicionais compradores de ouro, mas é a nova demanda por ETFs lastreados em ouro que impulsiona a atual alta dos preços. Dados recentes da Comissão de Negociação de Futuros de Commodities (CFTC), dos EUA, mostram que os fundos de hedge agora detêm um recorde de 73 bilhões de dólares em ouro.

E o bitcoin?

A espetacular recuperação do bitcoin foi impulsionada em grande parte pela reeleição de Trump. O apoio declarado dele às criptomoedas estimulou a demanda e elevou a confiança nesse setor, que estava em queda.

No entanto, há evidências de que, assim como no caso do ouro, haja mais investidores institucionais investindo em bitcoins. A commodity está se tornando uma alternativa ao dólar e outros investimentos. Os esperados cortes nas taxas de juros também parecem estar convencendo os investidores a assumirem mais riscos com esse ativo.

O bitcoin também parece estar se fortalecendo na esteira das incertezas sobre a economia dos EUA, com o shutdown do governo impulsionando a demanda. “Desta vez, o shutdown importa”, escreveu o analista Geoffrey Kendrick, do Standard Chartered Bank, em nota aos investidores.

“Este ano, o bitcoin foi negociado com ‘riscos do governo dos EUA’, como demonstra sua relação com o prêmio de prazo do Tesouro dos EUA”, acrescentou, referindo-se à métrica que mede a compensação que os investidores exigem para manter títulos de longo prazo do governo e que reflete o grau de sua confiança na estabilidade econômica de longo prazo.

Outro fator que contribui para a força atual do bitcoin pode estar relacionado ao período do ano. Outubro tem sido historicamente um dos seus meses mais fortes para a moeda, com o preço tendo caído apenas duas vezes durante o mês de outubro desde 2013.

Qual a tendência futura?

Muitos analistas preveem que o ouro e o bitcoin continuarão a se valorizar, com a expectativa de novos recordes.

“Suspeito que o bitcoin subirá durante o shutdown e em breve atingirá 135 mil dólares”, prevê Kendrick. A probabilidade de o governo Trump continuar favorecendo as criptomoedas contribui para o otimismo.

Quanto ao ouro, poucos o veem perdendo valor em breve. O banco britânico HSBC afirma esperar que os bancos centrais continuem comprando ouro em grandes quantidades como uma proteção contínua contra riscos geopolíticos.

Isso está de acordo com o que o Conselho Mundial do Ouro afirmou em seu último comunicado trimestral, no fim de julho, de que sua pesquisa anual com bancos centrais mostrou que “95% dos gestores de reservas acreditam que as reservas globais de ouro dos bancos centrais aumentarão nos próximos 12 meses”.

Isso, juntamente com a crescente demanda por ETFs por fundos de hedge e outros investidores institucionais, sugere que a commodity continuará se valorizando.

Crédito: Arthur Sullivan / Deutsche Welle – @ disponível na internet 11/10/2025

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