Reforma administrativa pode ter rito abreviado, mas enfrenta recuo de deputados

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A Proposta de Emenda à Constituição da reforma administrativa (PEC 38/2025) pode ter o rito abreviado e ser incluída em outra PEC de natureza semelhante em tramitação já avançada na Câmara. Isso significaria levar a proposta diretamente para votação em plenário, sem passar pela análise das comissões. O presidente da Casa, Hugo Motta (Republicanos-PB), indicou na última semana que a possibilidade está sendo estudada e discutida com lideranças partidárias.

Nos bastidores, a avaliação, no entanto, é que um avanço rápido da proposta é pouco provável e levar a reforma à votação de forma imediata poderia “enterrar de vez” a proposição, já que ela, hoje, dificilmente alcançaria os 308 votos necessários para ser aprovada. Na última semana, treze deputados pediram a retirada de suas assinaturas da proposta. A lista tem nomes do PP, PL, PSD, MDB e do Republicanos.

Na prática, a retirada de assinaturas não tem efeito. Depois de protocolada, uma PEC só pode ser derrubada se mais da metade dos signatários solicitar a retirada de apoio – seriam, pelo menos, 86 deputados. Mas o cenário indica que a proposta enfrenta resistências no Congresso e é um termômetro da movimentação dos grupos contrários à reforma. Nas justificativas para a retirada de assinaturas, deputados citam que mudaram de ideia depois da repercussão do texto e de terem escutado especialistas e entidades.

“Após acompanhar a repercussão social e técnica da matéria, ouvir especialistas, servidores, representantes de diversas categorias e refletir sobre os possíveis desdobramentos para o serviço público, compreendi que o texto, da forma como está, não atende aos princípios de valorização, estabilidade e meritocracia que considero essenciais para o fortalecimento do Estado brasileiro”, dizem os deputados Henderson Pinto (MDB-PA) e Rafael Prudente (MDB-DF) no requerimento para que suas assinaturas fossem retiradas. Justificativa similar foi dada por Zé Haroldo Cathedral (PSD-RR), que disse ter mudado de ideia após “novos pareceres técnicos e manifestações da sociedade civil”.

Já o Delegado Zucco (PL-RS) considera que, apesar de “apresentar avanços”, a PEC 38/2025 “contém dispositivos de amplo impacto sobre a autonomia federativa”. Pastor Diniz (União Brasil – RR) concorda e, em seu requerimento, afirma também temer que a reforma possa “reduzir a autonomia dos poderes”. Diniz diz que a gestão por metas e o bônus de desempenho “podem deslocar o foco do servidor para indicadores curtos em detrimento da missão pública ampla” e “enfraquecer o vínculo entre servidor e sociedade”.

A avaliação de desempenho, junto com o bônus por resultado, e a limitação de gastos a estados e municípios estão entre as principais críticas feitas à reforma. O texto da PEC estabelece mecanismos de planejamento estratégico com a definição de acordos de resultados e a avaliação periódica de desempenho dos servidores públicos. Os acordos devem fixar objetivos e metas institucionais anuais, enquanto a avaliação analisará o cumprimento dessas metas tanto individualmente quanto por equipes.

A proposta diz que o desempenho será utilizado como critério para progressão funcional, nomeação para cargos em comissão, designação para funções de confiança e pagamento de bônus, considerando critérios objetivos, além de circunstâncias institucionais e condições pessoais que possam afetar o desempenho. O projeto também acaba com a progressão exclusiva por tempo de serviço.

Os servidores que cumprirem os objetivos e as metas pactuadas no acordo de resultados poderão receber um bônus. Cada órgão terá o equivalente a uma 14ª folha de pagamento, distribuída, segundo os autores da PEC, “de forma meritocrática e transparente” para as equipes.

O deputado Reginaldo Veras (PV-DF) considera que esse modelo de avaliação de desempenho é “punitivo” e “abre espaço para perseguição política”. “É uma coisa complicada. Só progride quem alcança as metas, mas como a avaliação é discricionária, depende muito mais da análise de quem avalia. Não tem critérios absolutamente técnicos. Vai correr o risco de você criar dois tipos de serviço. O que progride e o que não progride. O amigo do rei progride, o que não é amigo do rei fica estagnado”, afirmou ao JOTA.

Veras foi um dos 18 membros do grupo de trabalho instalado entre abril e julho na Câmara para a elaboração da proposta de reforma administrativa. Ele está entre os oito deputados que integraram o colegiado e não assinaram o texto final da PEC. A decisão se deu por considerar que as propostas não foram devidamente discutidas com o grupo e que o texto final leva em consideração somente o que propôs Pedro Paulo (PSD-RJ), coordenador do colegiado.

“O GT (grupo de trabalho) foi pró-forma. Foi uma farsa para dar ar de democracia, de que houve o debate. Mas nada do que foi proposto, pelo menos no campo de defesa dos servidores, constou no relatório depois”, disse Veras. “Não houve reuniões finais com os deputados membros do GT”.

Veras afirma que aguarda a abertura do prazo para apresentação de emendas “para tentar mudar o que discordamos no texto ou, ao menos, minimizar os problemas”. Outros parlamentares e técnicos legislativos que acompanharam o GT, ouvidos pelo JOTA, disseram ainda estar avaliando como propor alterações à PEC, já que as divergências em relação ao texto são globais e não em pontos específicos. Para eles, o principal caminho de reação no momento deve ser pela mobilização junto com os servidores, que planejam novas marchas contra a reforma. A estratégia é impedir que a proposta avance.

Para os opositores, o contexto atual é desfavorável à reforma, já que há pressão dos servidores e falta de consenso entre os próprios deputados e de apoio do governo – que acompanha a discussão sem um posicionamento oficial. “Temos a avaliação de que é pouco provável ter um consenso em torno dessa PEC”, afirma a deputada Ana Pimentel (PT-MG). “Quem está propondo vai ter muita dificuldade de colocar para tramitar. É uma prioridade do presidente da Câmara, mas não está andando com facilidade”.

Mas, diante do “risco” de um rito abreviado, a petista diz que os parlamentares do partido vão agir em defesa de uma “tramitação completa”, para que seja garantida a passagem da proposta pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara e por uma comissão especial com a realização de audiências públicas.

Pimentel diz que a PEC ameaça a dinâmica interfederativa e vai de encontro à garantia de autonomia a municípios, estados e governo federal na execução de políticas públicas, prevista pela Constituição.

O projeto propõe a limitação de despesas dos Poderes e de órgãos autônomos e estabelece limites às despesas primárias do Poder Legislativo e dos Tribunais de Contas nos municípios. Nos estados, a limitação se estende também ao Poder Judiciário.

O texto determina que, a partir de 2027, o total dessas despesas só poderá aumentar em relação ao ano anterior conforme a inflação e parte do crescimento da receita municipal ou estadual. Quando a arrecadação superar a inflação, o gasto poderá crescer até 70% desse ganho real, mas esse adicional será reduzido para 50% caso tenha sido registrado déficit primário no ano anterior. Em todos os casos, o aumento máximo permitido será de 2,5% ao ano acima da inflação.

“A ideia é de que o Estado deve ser mínimo para políticas públicas, com crescimento contido. Essa é uma questão que nós consideramos muito perversa, equivocada, porque achamos que quem deve tomar essas decisões são os municípios e os governos estaduais em suas dinâmicas democráticas”, considera Pimentel.

Autor da PEC, o deputado Zé Trovão (PL-RS), que também participou do GT, diz que esse é um “ponto distorcido” na discussão e que a proposta não impõe um teto ou congelamento de gastos, mas “cria regras de crescimento responsável das despesas primárias”.

“Não há perda de autonomia nem ferimento ao pacto federativo. O que há é transparência e previsibilidade fiscal, para que cada ente federativo possa planejar o crescimento do gasto com base na sua própria realidade e sem comprometer o futuro das contas públicas”, afirma.

Segundo Pedro Paulo, que liderou o grupo de trabalho que discutiu a proposta e é autor de dois projetos de lei do pacote da reforma administrativa, a avaliação de desempenho é um dos pontos dos quais “não dá para abrir mão”.

“O cidadão quer a avaliação de desempenho daqueles que ele contrata. É um contrato público. O modelo de avaliação de desempenho que está na reforma administrativa é do Sidec (Sistema de Desenvolvimento na Carreira, adotado pelo MGI), da ministra do governo Lula. Por que ter medo?”, declarou em entrevista ao JOTA.

Já Zé Trovão diz que a PEC não cria mecanismos de punição, mas “de capacitação e meritocracia”. “O servidor que cumpre metas e trabalha bem não tem nada a temer; ao contrário, será valorizado”, disse ao JOTA.

Trovão considera que a proposta é uma das prioridades do PL por ser uma “pauta tradicional da direita, do campo liberal e reformista”. A sigla é o partido com maior número de signatários da PEC, são 34 deputados – considerando o Delegado Zucco. Atrás, está o PSD de Pedro Paulo, com 22 assinaturas (considerando Zé Haroldo Cathedral).

Além do PL, a reforma tem amplo apoio do Novo. Segundo Marcel van Hattem (Novo-RS), líder do partido na Câmara e também autor da PEC, a proposta é uma prioridade para a legenda. Todos os cinco deputados do partido assinaram

“O cidadão quer a avaliação de desempenho daqueles que ele contrata. É um contrato público. O modelo de avaliação de desempenho que está na reforma administrativa é do Sidec (Sistema de Desenvolvimento na Carreira, adotado pelo MGI), da ministra do governo Lula. Por que ter medo?” – Pedro Paulo, deputado federal (PSD-RJ), relator da reforma administrativa

Centrão, indeciso, será fiel da balança

Com PT e a esquerda de um lado e Novo e PL do outro, o restante do Centrão será o “fiel da balança” para o andamento da reforma administrativa. Embora a PEC seja prioridade de Hugo Motta e tenha sido assinada por líderes de centro-direita e direita, não há consenso entre as bancadas. No caso do Republicanos, que, além de Motta, tem o líder Gilberto Abramo (Republicanos-MG) entre os autores da PEC, a legenda está dividida. Há os que são favoráveis ao texto, os que discordam e os que preferem não se posicionar por considerar o tema “sensível” a parte de seu eleitorado.

A mobilização das entidades representativas dos servidores públicos é apontada como o principal fator para a resistência dos deputados. Além de manifestações, como a marcha contra a reforma realizada na última quinta-feira (29/10) na Esplanada dos Ministérios, desde a última semana, foi intensificada a peregrinação de servidores pelos gabinetes, pedindo que parlamentares se oponham à proposta.

A divisão das bancadas também está presente no PP, no União Brasil e no Podemos. No MDB, não há, por ora, qualquer orientação de posicionamento partidário. A PEC foi assinada pelo líder da legenda, Isnaldo Bulhões (MDB-AL), que diz que o assunto é “um tema fundamental”, mas que aguarda o encaminhamento das discussões e as possíveis alterações no texto antes de firmar qualquer orientação.

Tanto entre apoiadores quanto entre detratores, predomina a avaliação de que a proposta não deve avançar neste ano. Parte dos deputados considera que a reforma administrativa não é um tema de “fim de mandato” e que há uma forte disputa de pautas no Congresso, que ofuscam o assunto. Para estes, o tema deve ser retomado somente em 2027, passada a euforia eleitoral. Minoritário, outro grupo, no entanto, vê espaço para o avanço da reforma no primeiro semestre do ano, pelo menos até abril, desde que o presidente Hugo Motta tenha força política para bancar a proposta

Caminhos para o apensamento

Desde a presidência de Arthur Lira (PP-AL), foi consolidado o entendimento de que é possível apensar a uma PEC, ou seja, incluir no texto de uma proposta de emenda, qualquer outra da mesma natureza em qualquer estágio de tramitação, desde que elas compartilhem de alguma conexão temática. Tecnicamente, também é possível que a PEC seja desmembrada e tenha seus trechos inseridos em outras propostas de emenda, conforme pertinência temática. A compreensão do que seria essa semelhança entre as matérias, porém, pode ser subjetiva e, na prática, mais política do que técnica.

Ao longo da última semana, houve um receio entre os servidores e deputados contrários à PEC 38/2025 que ela fosse apensada à PEC 169/2019, que permite o acúmulo de cargos por professores da rede pública – colocada na pauta na segunda-feira (27/10) e aprovada na quinta (30/10). A proposta não trata de uma reforma administrativa, mas guarda certa analogia com o tema por propor uma reorganização de cargos do serviço público.

Por similaridade temática, a PEC 32/2020, a proposta de reforma administrativa do governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), seria o projeto mais adequado para essa tramitação. Mas Pedro Paulo vem tentando se desvincular da proposta e já disse que a PEC 38/2025 não é similar à do ex-ministro da Economia Paulo Guedes. Pronta para ir a plenário, a reforma administrativa bolsonarista está parada na Câmara desde 2021, após forte pressão dos servidores.

Seja a PEC 32 ou qualquer outra, a inclusão da PEC 38 em uma proposta que esteja pronta para ser votada no plenário, deve exigir certo esforço político. Neste caso, a única alternativa para alteração do projeto seria por meio de uma emenda aglutinativa global, que substitui todo o texto e exige apoio de 257 deputados ou líderes que representem esse número.

Crédito: Dentro da Máquina /JOTA – @ disponível na internet 5/11/2025

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