Óculos Ray-Ban da Meta: Bacana e Assustador

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Estojo do Ray-Ban Meta garante 48 horas de bateria aos óculos Foto: Bruno Romani/Estadão
Testamos os óculos Ray-Ban da Meta: bacana e assustador ao mesmo tempo   

Óculos conectados são estilosos e trazem ótimos recursos tecnológicos, mas são uma máquina de coleta de dados

O Ray-Ban Meta de segunda geração chegou ao Brasil em outubro por R$ 3,3 mil — é a primeira vez que a companhia traz ao País os óculos espertos. Após testá-lo, dá para cravar: eles são, na mesma medida, muito bacanas e muito assustadores.

É possível que o Ray-Ban Meta seja um dos produtos mais legais inventados pela companhia desde a invenção da própria rede social Facebook, em 2004 — ok, você pode argumentar que o gadget, assim como outros produtos da Meta, bebeu na fonte da concorrência. Neste caso, vale lembrar dos Spectacles, lançados pela Snap em 2016.

Testamos o Ray-Ban da Meta: bacana e assustador ao mesmo tempo

Óculos conectados são estilosos e trazem ótimos recursos tecnológicos; no entanto, eles são uma máquina de coleta de dados. Crédito: Bruno Romani e Bruno Nogueirão | Estadão

Ainda assim, o Ray-Ban Meta é tudo o que o Google Glass gostaria de ter sido em 2012. Para quem não lembra, o Google Glass era esquisito, com cara de figurino de filme ficção científica. E isso jogava muito contra ele, pois causava nas pessoas algo parecido com o “vale da estranheza”, aquele conceito da robótica e da psicologia que explica por que certas coisas quase humanas nos causam incômodo, em vez de simpatia. No caso do Glass, a aparência quase normal, mas com um ar de ficção científica, gerava rejeição — foi uma grande lição para qualquer empresa que se metesse a produzir aparelhos vestíveis.

O Ray-Ban Meta, por outro lado, é um acessório de moda, bonito, que se confunde com o vestuário das pessoas. A Meta foi esperta nessa parceria e a marca da empresa fica quase escondida, impressa na parte interna de apenas uma das hastes. No resto, você só vê a marca Ray-Ban. Essa jogada foi fundamental para o acessório emplacar fora do País — em fevereiro deste ano, a EssilorLuxottica, dona da marca Ray-Ban, afirmou que havia vendido 2 milhões de unidades desde outubro de 2023.

“Os vestíveis são uma expressão da sua identidade, então é muito importante trazer o elemento de moda. Precisa ser algo que as pessoas querem usar”, disse ao Estadão Ming Hua, vice-presidente de dispositivos vestíveis da Meta. “Trabalhamos com um conceito chamado proliferação, começamos com um modelo e proliferamos para os outros modelos”, explicou ela. Golaço da equipe de Zuckerberg.

O cuidado com o elemento visual inclui também o case dos óculos: ele tem a aparência de uma caixinha marrom de couro, comum a acessórios do tipo, mas é também um carregador de bateria, que garante até 48 horas de autonomia — quando a carga acaba, o estojo pode ser carregado por uma entrada USB-C. Além da capacidade do case, os óculos têm autonomia de oito horas. Como dificilmente alguém fica com óculos escuros na cara por tanto tempo, é carga mais do que suficiente para sempre estar conectado.

Nas versões com lentes de grau, imagino que a autonomia seja pior, pois esse é o tipo de acessório que permanece o tempo todo no rosto — ou quase isso.

Conectividade

Mas estamos falando de óculos conectados, certo? O principal atrativo é uma câmera na haste direita, que permite fazer fotos e vídeos — neste caso, a resolução pode chegar a 3K. E essa é a verdadeira câmera do “POV”, como os jovens gostam de falar, com filmagens em primeira pessoa. Os vídeo podem ter duração de até 5 minutos e depois a câmera desativa automaticamente.

No geral, a qualidade das imagens é boa, mas está longe de ser uma câmera de celular. No escuro não funciona tão bem, não tem zoom e a qualidade do microfone é mediana, captando sons quase sem grave. Os vídeos são feitos apenas na vertical, porque, obviamente, é assim que as pessoas postam nas redes nos dias atuais.

Os vídeos podem ser feitos por meio de comando de voz, ou por um botão também na haste direita: clique rápido é para foto; clique mais alongado libera os vídeos. Quando a câmera está filmando, um pequeno Led interno indica que há uma gravação em andamento. É importante lembrar: esses óculos não projetam imagens diretamente nos olhos, como o fazia o Google Glass, e nem tem um pequeno painel nas lentes. Para o segundo caso, a Meta anunciou o Ray-Ban Display, que não está disponível no País.

Após a captação, as imagens ficam armazenadas nos óculos e podem ser transmitidas posteriormente ao smartphone em um processo que é rápido, mas que não é automático.

A conexão com o telefone via Bluetooth dá a ele funções parecidas com as de fones de ouvido. Dá para escutar música e atender ligações. O som sai de pequenos alto-falantes na haste, posicionados na altura da orelha. No geral, as pessoas em volta não escutam — mas isso muda de figura caso você deixe o volume no máximo.

Meta AI, Instagram e WhatsApp

É claro que os óculos têm alta integração com os apps da Meta. Para começo de conversa, o aparelho só funciona e só pode ser configurado se você estiver no Meta AI, que tem uma aba dedicada ao acessório.

Com essa integração, é possível fazer traduções em tempo real, no mesmo esquema que os AirPods, da Apple — a tendência de eletrônicos que quebram barreiras linguísticas em tempo real está cada vez mais sólida. A pessoa fala no idioma dela e você ouve em português, direto no ouvido. Nos nossos testes em inglês o resultado foi bom — não excepcional —, com algumas frases ficando truncadas.

E dá para ir além: por meio de voz você pode controlar os óculos e perguntar o que ele está vendo. Se estiver em inglês, você pode pedir para traduzir. Os idiomas compatíveis são alemão, espanhol, francês, inglês, italiano e português.

Ainda com ajuda do Meta AI, você também pode pedir informações sobre o que está vendo — a câmera é acionada e ajuda a IA de Zuckerberg a “enxergar”. Se os óculos enxergarem texto em outro idioma, é possível pedir para que ele traduza. Os resultados nos testes foram bons.

Também é possível pedir informações que você procuraria no Google, como “vai chover hoje?”. Na maior parte das vezes, o recurso também funciona bem, embora questões de conectividade possam atrapalhar esse recurso.

Por certo, os óculos conversam muito bem com os outros apps da Meta, como Facebook, Instagram e WhatsApp. Dá, por exemplo, para postar vídeos diretamente nos Stories do Insta — o vídeo cria um ícone de óculos nas bolinhas com os perfis das pessoas, indicando que a captação foi feita com o acessório (e criando um ar de exclusividade que lembra o Instagram do velho testamento, voltando apenas para o iPhone).

No WhatsApp, é possível realizar uma série de ações quando a integração entre os óculos e o aplicativo não engasga, o que aconteceu algumas vezes durante o teste. Você pode pedir para a Meta AI enviar um áudio para um contato específico no app de mensagens. Ou então, dá para fazer uma videochamada com a câmera dos óculos ativadas, o que cria uma “live POV”.

Privacidade é questão

É justamente toda essa integração com os aplicativos da Meta que deixa as coisas um pouco assustadoras, afinal, o histórico da gigante sobre como ela lida com as nossas informações não é dos mais animadores — o caso mais famoso é o escândalo Cambridge Analytica, e o mais recente foi uma denúncia de uma universidade holandesa para supostas violações de usuários do Android.

Todas as interações que você tem por voz são transformadas em texto e armazenadas por padrão no app da Meta AI. Esses textos são usados para treinar os modelos de inteligência artificial (IA) da Meta. Você não tem a opção de não armazenar essas interações. Você só tem a opção de apagá-las no app da Meta AI.

E, a partir de 16 de dezembro, a Meta vai mudar sua política de uso para que todas as interações que temos com a Meta AI também sejam usadas para personalizar propaganda. Nenhuma surpresa aqui.

As fotos e vídeos que fazemos com os óculos são armazenadas no celular e não treinam IAs. Mas, se você ativar a opção de mandar isso para a nuvem da companhia, esses arquivos também vão alimentar os modelos da companhia. A opção de mandar arquivos automaticamente para os servidores da empresa é desativada no app da Meta AI.

Se você tiver interações do tipo “O que eu estou vendo?”, isso também é usado para treinar IA — todas as vezes que os óculos são ativados para “enxergar”, as imagens são enviadas para os servidores da companhia. A regra não se aplica quando você faz uma live no Instagram ou uma videochamada no WhatsApp, pois as imagens não são armazenadas.

Os seus dados de geolocalização também são enviados para servidores da Meta, e, ao tentar configurar os óculos, você é avisado que ele não funciona tão bem sem que esses dados não sejam compartilhados.

Por fim, é esquisito usar uma câmera na cara e sair gravando por aí, porque isso causa uma sensação de invasão de privacidade das pessoas, algo típico de filmes e séries de ficção científica. Os óculos até têm um Led externo, quando a câmera está acionada, para indicar as pessoas ao redor que há uma gravação rolando. Mas a verdade é que a maioria das pessoas não vai se atentar a isso.

Além da esquisitice extrema, a questão da privacidade foi uma das principais causas para o insucesso do Google Glass. No entanto, considero que as gerações mais novas têm uma relação diferente com a ideia de privacidade e, talvez, isso não seja uma questão para quem cresceu aprendendo a postar, a se expor e a seguir influenciadores justamente nas redes da Meta. São tempos estranhos, de fato. E algumas barreiras geracionais são intransponíveis.

Saldo final

Com tudo isso, o Ray-Ban Meta é um aparelho que consegue ser, ao mesmo tempo, muito legal e muito assustador. Como eletrônico, ele é muito bom e aponta para a evolução na categoria de vestíveis: tem recursos interessantes, se conecta ao que costuma seduzir a maioria das pessoa e mantém um apelo como acessório de moda.

É uma mistura tão interessante que já há rumores de que Apple e Samsung estão trabalhando em aparelhos do tipo. Aqui no Brasil, se não fosse pelo preço, daria para cravar o Ray-Ban Meta como um candidato de alto potencial para bombar.

Por outro lado, ele é uma grande máquina de coleta e processamento de dados da Meta, o que, considerando o histórico da empresa, é preocupante. A grande pergunta é: você topa ter óculos estilosos, com funções bacanas, para ficar imerso no mundo da Meta?

Crédito: Bruno Romani / O Estado de São Paulo – disponível na internet 24/11/2025

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