Em abril deste ano, o Ipea publicou Uma Radiografia do Gasto Público Federal entre 2001 e 2015, de Sergio Wulff Gobetti e Vinícius Lima de Almeida.
Segundo os autores, “não são raros os erros de análise entre economistas, incluindo os ditos especialistas em finanças públicas, por sua falta de atenção a algumas ‘armadilhas’ das estatísticas fiscais acima da linha”.
O estudo lista algumas dessas mudanças que provocam distorções na análise de séries históricas do gasto público. Operações contábeis respondem por quase um quinto da “elevação” do aumento do gasto: “… a percepção de aumento do gasto também é distorcida pela inclusão de despesas intraorçamentárias nas estatísticas do resultado primário”.
Mais importante, o estudo denuncia o descuido da grande maioria das análises no tratamento da evolução dos gastos públicos proporcionalmente ao PIB, que claudicam ao desconsiderar as velocidades de crescimento (ou queda) do denominador (PIB) e do numerador (gasto) para a determinação da dinâmica da relação gasto público/PIB.
“As análises convencionais também subestimam a contração fiscal ao comparar as despesas em proporção do PIB e não dar a devida importância ao efeito da profunda recessão sobre o denominador. Se analisarmos as taxas reais de variação (utilizando o deflator do PIB para converter valores nominais em reais), observaremos que a contração fiscal em 2015 chegou a 3,9% no agregado das despesas primárias ajustadas e a 11,9%, se olharmos para os gastos de custeio e capital, sobre os quais o governo possui maior discricionariedade”.
A taxa real média de expansão das despesas primárias superou 4% entre 1999 e 2014, mas o significado macroeconômico desse crescimento deve ser avaliado a partir das variações na relação gasto público/PIB.
O ano de 2009 é apontado pelos “analistas de mercado” como a inauguração da suposta “nova matriz macroeconômica”, que teria elevado os gastos e conduzido (sete anos depois) à recessão e desequilíbrio fiscal. Curiosamente, a partir de 2009 as despesas primárias do governo central caem em aproximadamente 0,5% do PIB. Já de 2014 a 2015, essas despesas sofrem elevação de quase 1% do PIB. Um exemplo claro das relações entre os movimentos do PIB e seus efeitos sobre as receitas e as despesas fiscais.
Ao negligenciar o crescimento de 7,6% da economia brasileira em 2010 e a queda de 3,8% do PIB em 2015, a lógica dos autoproclamados especialistas em contas públicas se enrosca na contração das despesas primárias do governo central a partir de 2009 e naexpansão no ano de 2015, em relação ao PIB. É a singular dialética do “subiu, mas caiu” ou do “caiu, mas subiu”.
As opiniões mais “contundentes” trabalham com modelos inadequados que desconsideram a crescente e recorrente instabilidade das economias contemporâneas. Expostas aos percalços das flutuações globais de crédito, preços de ativos e de commodities, sobretudo as economias emergentes estão permanentemente submetidas a choques fiscais positivos e negativos que acompanham inexoravelmente as fases de auge e desaceleração.
Como apontado por Gobetti e Almeida, os investimentos em formação bruta de capital fixo e as transferências intergovernamentais, que cresciam até 2008 e 2010, respectivamente, caem a partir desses anos e, em virtude do ajuste fiscal, de forma mais acentuada em 2015.
Em suas considerações finais o estudo delata, sem premiação, a realidade do desajuste econômico ensaiado em 2015:
“Os resultados de 2015 indicaram que, mais uma vez, a principal variável de ajuste foram os gastos de investimentos, os realizados diretamente pelo governo e os realizados por meio de transferências a estados e municípios… Os dados indicam ainda que, em termos de custeio, a área de educação tem sido mais prejudicada que a de saúde… A questão principal suscitada por esse diagnóstico, entretanto, é saber o sentido de se fazer um ajuste fiscal que comprima os investimentos e os gastos em educação. Mesmo havendo focos de desperdício tanto nos investimentos quanto na área de educação, não parece razoável imaginar que o saneamento estrutural das finanças públicas comece por estas áreas, principalmente no atual contexto de crise. É preciso pensar uma agenda de reforma fiscal mais estrutural e gradual que possa passar por cortes e algumas revisões de benefícios sociais como pensões ou outros benefícios assistenciais pouco eficientes ou justos, mas reconheça a importância de consolidar o estado de bem-estar social no Brasil e oferecer saúde e educação pública de qualidade para a sociedade”.
Crédito: Artigo publicado na Revista CartaCapital – disponível na web 16/06/2016
Nota: O presente artigo não traduz a opinião do ASMETRO-SN. Sua publicação tem o propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.