Após 17 anos de espera, a Política Nacional de Inteligência (PNI) começou a vigorar ontem(30) com a publicação, na íntegra, do decreto presidencial 8.793/16. Em entrevista exclusiva à Agência Brasil, o atual diretor-geral da Agência Brasileira de Inteligência, Wilson Trezza, e o futuro ocupante do cargo, o oficial de inteligência Janer Tesch, disseram que, ao aprovar a PNI, o presidente Michel Temer demonstra compromisso em fortalecer a atividade de inteligência no Brasil.
“Ainda não temos muito o que falar do governo Temer, porque ele tomou posse há pouco tempo, no dia 12 de maio. Mas ele tem manifestado compromisso com o fortalecimento da atividade de inteligência, e este ato de aprovação da PNI é uma demonstração de que o compromisso será levado a efeito”, disse Wilson Trezza.
Ocupando há oito anos o cargo de diretor-geral da Abin, Trezza dará lugar, nos próximos dias, a Janer Tesch, oficial de Inteligência há mais de três décadas. “Sou profissional de carreira já há quase 32 anos. Recebemos o desafio com o tamanho da responsabilidade que ele representa, de encontrar a atividade na dinâmica em que ela se encontra hoje, com os desafios que se apresentam diante de uma proximidade da Olimpíada e em torno de uma gestão governamental que se apresenta, agora, com o governo Temer”, disse o futuro diretor da agência.
Tanto Trezza quanto Tesch dizem que, após a publicação da PNI, os próximos desafios da Abin abrangem a questões relativas a orçamento, pessoal, estabelecimento do Plano Nacional de Inteligência, e a consolidação da Abin como órgão central do Sistema de Inteligência.
Plano Nacional de Inteligência
“Conforme prevê a PNI, as prioridades devem ser definidas pelo governo, em termos temáticos. Teremos uma diretriz da Presidência [da República] para a atividade de inteligência. Deve sair em breve. O assunto agora é o estabelecimento da diretriz, com base na PNI, que vai orientar também o Plano Nacional de Inteligência. Há uma sequência de atos decorrentes da [publicação da] PNI que são muito importantes para a atividade da inteligência do país como um todo. Não só da Abin”, disse Trezza.
O plano ao qual o diretor se refere define, entre outras questões, a periodicidade e os tipos de informações que serão produzida pela inteligência brasileira, além de ordenar o funcionamento e a produção da atividade no país. “Vai otimizar nosso esforço de inteligência para um resultado melhor. Quando cada um sabe o que fazer, quando e para quem encaminhar, isso se torna bem mais fácil”. “É um conjunto de orientações para os profissionais e para a atividade de inteligência, que coloca a inteligência definitivamente dentro dos parâmetros que se espera do ponto de vista legal, ético e moral. Enfim, tudo aquilo que é importante para que se tenha uma atividade à altura do país que é o Brasil hoje”, acrescentou Trezza.
Política Nacional de Inteligência
Segundo Trezza, a PNI foi publicada na íntegra, sem nenhum veto, e de acordo com o que foi aprovado pelo grupo de trabalho composto por oito ministérios coordenados pela Abin, e tendo incluídas as sugestões feitas pela Comissão Mista de Controle da Atividade de Inteligência, do Congresso Nacional. “Por força de lei, a comissão faz sugestões ao texto da PNI. Embora seja uma iniciativa exclusiva do Executivo, nesse caso específico, ela passa pela comissão para sugestões. Algumas foram acatadas, outras não. Mas ela está de acordo tanto com o grupo de trabalho aprovado pelo presidente da República, quanto com as sugestões que foram incorporadas, vindas da comissão de controle da atividade”, informou Trezza.
O grupo de trabalho encerrou as atividades de formulação da PNI no final de 2009. No governo do presidente Lula, em 2010, o plano foi encaminhado ao Congresso para ser debatido na comissão. Sugestões foram incorporadas ao documento, que foi devolvido ao então presidente Lula, no final de 2010. “Em outubro de 2010, havia um decreto pronto para ser assinado pelo presidente, mas ele entendeu, na época, que gostaria de deixá-lo para ser o primeiro ato do governo da presidente Dilma. De lá para cá, por razões diversas, ela [política nacional] não foi publicada”, disse o diretor, sem detalhar quais seriam as razões para não ter sido assinada pela presidente afastada.
Trezza afirmou que, além de definir os objetivos da inteligência nacional, a PNI estabelece os parâmetros pelos quais a atividade será pautada, bem como seus instrumentos: orçamento, Doutrina Nacional de Inteligência, recursos humanos e ordenamento jurídico nacional, além do Plano Nacional de Inteligência. “A Política [PNI] é importante, entre outros aspectos, porque é uma exigência legal. A atividade em si não muda. Mas passa a ser executada de acordo com orientações, diretrizes de governo e de exigências legais. Ela tem, também, alguns componentes que são fundamentais não só para a Abin, mas para todas as áreas de inteligência do país”.
Após a publicação da PNI, novos desafios surgem para que a inteligência brasileira cumpra seu papel, no sentido de proteger a segurança e os interesses do Estado e da sociedade brasileira. “Estamos em curso com uma série de iniciativas que vão oferecer para a Inteligência melhores condições de atuação. Depois da PNI, e agora com essas orientações, o próximo passo é definir [a partir da elaboração do Plano Nacional de Inteligência] o papel de cada integrante do Sistema Brasileiro de Inteligência, em que área ele vai concentrar os seus esforços e como vai cooperar para que a inteligência brasileira possa cumprir seu papel de assessoramento ao processo decisório do presidente da República e do Poder Executivo”.
Além da questão da PNI, está em curso no Congresso Nacional uma proposta de emenda constitucional que, segundo Trezza, “finalmente constitucionaliza” a atividade de inteligência. A proposta tem como relator o deputado Ricardo Ferraço (PSDB-ES). De acordo com o diretor, ela já foi finalizado e deverá, em breve, ser encaminhada para apreciação no Senado. “Curiosamente, não tínhamos na Constituição nenhuma referência à atividade de inteligência, que é uma atividade eminentemente de Estado e que se pretende que seja perene. Ele coloca, definitivamente, no texto constitucional a atividade de inteligência. Isso é fundamental, porque, na Constituição, já estão as atividades de polícia, de defesa. Até a Polícia Ferroviária Federal está na Constituição, mas até hoje não temos a inteligência. É um passo muito importante para a constitucionalização da atividade e para que ela seja, de fato, um instrumento perene do Estado”.
SNI
Uma das grandes dificuldades pela quais passa a atividade de inteligência brasileira é a associação dela, que muitas pessoas fazem, com as atividades exercidas pelo antigo Serviço Nacional de Informação (SNI), durante o período da ditadura militar. “Não podemos desconhecer a realidade dos fatos. Essa associação existe, mas houve uma mudança muito grande nos últimos anos em relação a essa questão. Essa visão equivocada não é em relação à Abin, mas à atividade de inteligência. Se confunde o que é atividade de inteligência com o que era atividade de informações. A atividade de inteligência não é desenvolvida como um instrumento de sustentação de governos ou do Estado. Ela é um instrumento acessório para o processo decisório dos representantes da sociedade, que estão conduzindo os negócios de Estado”, explicou o diretor.
Agência Brasil de Notícias 01/07/2016