Qual é o papel do TCU e de seus procuradores no impeachment

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Momento e conteúdo de decisões do órgão de controle impulsionaram o processo contra a presidente afastada. No primeiro dia de julgamento da petista no Senado, procurador Júlio Marcelo de Oliveira foi um dos protagonistas

FOTO: GERALDO MAGELA/AGÊNCIA SENADO – 25/8/2016

Júlio Marcelo de Oliveira, do TCU, fala a senadores

JÚLIO MARCELO DE OLIVEIRA, DO TCU, FALA A SENADORES

O primeiro dia de julgamento de Dilma Rousseff no Senado, na quinta-feira (25), teve como personagem central um procurador junto ao TCU (Tribunal de Contas da União) chamado Júlio Marcelo de Oliveira.

Sua presença num momento de decisão a respeito do futuro da presidente afastada ajuda a sintetizar como o órgão de controle fortaleceu, ao longo da crise política, o processo de impeachment.

Inicialmente, Oliveira participaria do julgamento como testemunha, cujas declarações têm valor de prova, mas acabou rebaixado para o status de informante, que somente apresenta sua opinião sobre um fato.

O presidente do Supremo Tribunal Federal, Ricardo Lewandowski, que comanda essa fase do processo de impeachment, concluiu que ele não tinha isenção por ter participado de um ato político contra Dilma.

Durante a sessão, ele respondeu a perguntas de senadores a respeito das manobras fiscais da gestão da petista, que para os defensores do impedimento configuram crime de responsabilidade e justificam a saída definitiva de Dilma da Presidência da República.

O que faz um procurador do TCU

Dentro do Tribunal de Contas da União há um Ministério Público especial, com seis procuradores. Eles não têm poder de pedir a abertura de ações penais, como os do Ministério Público Federal, por exemplo. Cabe a esses procuradores analisar os balancetes do governo e oferecer pareceres aos ministros do TCU, pedindo a apuração de fatos e apontando elementos para a aprovação ou reprovação das contas.

Por sua vez, o TCU, apesar de se chamar tribunal, não integra o Poder Judiciário. É um órgão auxiliar do Congresso Nacional, que ajuda os deputados e senadores a cumprirem sua função de fiscalizar como o governo está gastando o dinheiro do contribuinte.

O plenário do TCU é composto por nove ministros, indicados por critérios políticos, que formulam recomendações para o Congresso aprovar ou rejeitar as contas de um presidente. A palavra final é sempre dos deputados e senadores.

O advogado José Eduardo Cardozo, que defende Dilma, foi quem pediu na quinta-feira (25) que Júlio Marcelo de Oliveira fosse impedido de ser testemunha. Ele argumentou que o procurador seria o “autor intelectual” das teses que embasam o pedido de impeachment e estava vinculado publicamente a um dos lados do debate político. “A derrota da presidenta da República é a vitória do dr. Júlio Marcelo”, afirmou Cardozo.

Questionado pelos senadores sobre as pedaladas e os decretos de Dilma, Júlio Marcelo de Oliveira disse que eles se inseriam em um “grande plano de fraude fiscal” conduzido pela presidente afastada. Para o procurador do TCU, Dilma tinha o comando sobre as práticas que embasam o pedido de impeachment e o dolo (intenção de cometer crime) “grita nos autos”.

Por que o TCU é importante para o impeachment

O processo contra Dilma sustenta que duas condutas do governo da presidente afastada são crimes de responsabilidade fiscal, puníveis com a perda do mandato: as pedaladas fiscais (atrasar o repasse de verbas devidas a bancos que realizam pagamentos de política públicas do governo) e os decretos de suplementação orçamentária (autorizam determinados itens do Orçamento a gastar mais ou menos do que o previsto).

Ambas foram analisadas em pareceres de Júlio Marcelo de Oliveira e também identificadas pelo auditor de fiscalização do TCU Antônio Carlos Costa D’Ávila, que foi outro integrante do tribunal ouvido na quinta-feira (25) pelos senadores. Em razão da exclusão de Oliveira da lista de testemunhas de acusação, D’Ávila acabou sendo o único a depor no julgamento nessa condição.

O momento em que os pareceres foram elaborados, e como ele foram utilizados pelo plenário do TCU, ajudaram a impulsionar a denúncia contra a petista. Esta cronologia mostra como isso ocorreu:

Abril de 2015

O plenário do TCU conclui que as pedaladas de 2014 equivalem a um empréstimo simulado entre o governo federal e bancos públicos, o que é proibido pela Lei de Responsabilidade Fiscal. A decisão, de 15 de abril, usa como base parecer do procurador Júlio Marcelo de Oliveira.

Três dias antes, em 12 de abril, movimentos pelo impeachment de Dilmareuniram 100 mil pessoas na Avenida Paulista, em São Paulo, em uma das grandes manifestações contra a petista.

Outubro de 2015

O plenário do TCU recomenda em 7 de outubro a reprovação das contas de 2014 do governo federal, utilizando como principal argumento as pedaladas.

Foi a segunda vez na história do órgão que ele tomou uma decisão nesse sentido, comemorada com fogos de artifício em frente à sua sede, em Brasília — a primeira ocorreu em 1937 no governo Getúlio Vargas. A decisão sobre as contas de 2014 também usou como base parecer do procurador Júlio Marcelo de Oliveira.

No dia 16 de outubro, os advogados Hélio Bicudo, Janaína Paschoal e Miguel Reale Jr. apresentam a denúncia de impeachment contra Dilma que está sendo julgada pelo Senado. A petição cita, em cinco parágrafos diferentes, um parecer do procurador sobre as pedaladas e os decretos. No mesmo mês, movimentos pelo impeachment de Dilma organizam um novo protesto em São Paulo.

Dezembro de 2015

O plenário do TCU nega, em 9 de dezembro, recurso apresentado pelo governo e confirma que as pedaladas constituíam um empréstimo maquiado, proibido pela lei.

Na semana anterior, em 3 de dezembro, o então presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), hoje afastado do mandato, havia deflagrado o processo de impeachment contra Dilma.

Junho de 2016

O plenário do TCU aprova relatório do ministro José Múcio, relator das contas do governo federal, afirmando que as pedaladas de 2015 também seriam empréstimos maquiados com bancos públicos.

A decisão, anunciada um mês depois de o Senado ter afastado Dilma do exercício do cargo, ganha importância porque há um entendimento de que irregularidades cometidas por um presidente antes do mandato vigente não têm valor de prova num impeachment. Como apenas as contas de 2014 haviam sido reprovadas pelo TCU, isso não seria suficiente para atingir Dilma, que tomou posse do segundo mandato em janeiro de 2015.

Após o relatório referente a 2015 ser aprovado, é aberto prazo para a petista apresentar sua defesa. Esse prazo só se encerra agora em setembro. Ou seja, ainda não há uma decisão final do TCU sobre essas contas.

Como estão as recomendações do TCU

O órgão já recomendou a rejeição das contas de 2014 de Dilma, mas elas ainda não foram analisadas pelo Congresso, que tem a palavra final.

O relator do tema na Comissão Mista de Orçamento, senador Acir Gurgacz (PDT-RO), pediu a aprovação das contas, com ressalvas, mas elas não foram votadas pelo colegiado. Depois de passar pela comissão, as contas devem ser avaliadas pelo plenário.

Como o TCU ainda não concluiu sua análise das contas de 2015, a decisão final do Congresso nesse caso deve se estender ainda mais.

A denúncia de impeachment aceita em dezembro de 2015 pelo então presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, com base nos relatórios do procurador do TCU anexados à denúncia dos advogados Hélio Bicudo, Miguel Reale Jr e Janaína Paschoal, andou mais rápido do que a avaliação oficial das contas de Dilma pelos parlamentares, algo que também poderia acabar num processo de impedimento.

De qualquer forma, o TCU, mesmo sem uma decisão final a respeito das contas de 2015, ajudou a dar argumentos técnicos aos defensores do afastamento de Dilma do Palácio do Planalto.

Apesar do debate técnico, decisão está praticamente selada

Independentemente dos argumentos técnicos sobre o impeachment, a chance de a petista retomar o mandato é ínfima. A tendência é o Senado condenar Dilma pelo cometimento de crime de responsabilidade, que resultará na perda do seu mandato e na proibição de assumir cargos públicos por oito anos.

Nesse cenário, o presidente interino Michel Temer será confirmado no cargo de presidente da República até o final de 2018, e não poderá ser investigado e processado por atos estranhos ao exercício do mandato.

O julgamento de Dilma prossegue nesta sexta-feira (26), quando deverão ser ouvidas as testemunhas de defesa da presidente afastada. A petista irá pessoalmente falar aos senadores na segunda-feira (29). Seu antecessor, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, promete acompanhá-la na sessão.

Crédito: Nexo Jornal  – disponível na web 26/08/2016

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