Boatos: Na era das redes sociais, usuários e especialistas ensinam como se proteger de informações falsas.

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‘”A boataria é perversa, pois abala a confiabilidade de postagens verdadeiras e relevantes”’ JESSYANE ALMEIDA, Professora de inglês.

Sabe o que têm em comum o feijão com larva que matou ao menos dez pessoas em São Paulo, a promoção da empresa aérea que dá duas passagens de graça e o aviso de que o serviço de mensagens gratuitas passará a ser pago? Tudo é boato, mas, frequentemente compartilhados, pelas redes sociais, alarmaram muitos consumidores. No mês passado, a morte de uma criança após consumir o achocolatado Itambezinho, em Cuiabá, também foi o estopim para a circulação, nas redes sociais e em aplicativos de mensagens, de outros casos inverídicos incluindo até marcas diferentes de bebidas. O caso ganhou enorme repercussão e dobrou a procura pelo SAC da Itambé — depois, a polícia esclareceu que um morador da região envenenou o produto, ou seja, o caso nada tinha a ver com a fabricação da bebida.

Segundo Gilmar Lopes, especialista em redes sociais, para ganhar força, o boato tem algumas características básicas: é anônimo; não tem data especificada; trata de assunto de grande interesse, como algo que afete a saúde; costuma ser alarmista; e envolve o nome de grandes empresas ou o de pessoas conhecidas, para endossar a “notícia”. Outro ponto comum, diz ele, é que quem publica o post pede que seja repassado ao maior número de pessoas possível.

— O problema é que, pelo sim, pelo não, a pessoa compartilha e acaba disseminando notícias falsas — destaca Lopes.

Para desmascarar um boato, o especialista recomenda o contato com a empresa citada e buscar checar se a notícia está sendo veiculada em sites de jornais tradicionais. Se não estiver na mídia, diz Lopes, a chance de ser uma mentira é muito grande.

Pesquisador do Centro de Tecnologia e Sociedade da FGVDireito Rio, o professor Pedro Augusto Pereira Francisco ressalta que nosso juízo crítico fica prejudicado quando as “notícias” são compartilhadas por uma pessoa conhecida, um amigo ou alguém da família. Além disso, a mensagem escrita, diz, tem um impacto subjetivo ainda maior. O consumidor, assim, também tem sua responsabilidade e deve pensar duas vezes antes de compartilhar.

— Ter uma posição mais crítica é essencial em se tratando de internet. Na dúvida, cheque a informação — sugere.

A engenheira Nívia Paula Freitas conta que repassou uma informação sobre o início da cobrança das mensagens via WhatsApp — um boato que vem sendo compartilhado há mais de um ano — sem conferir, pois a recebeu de uma irmã.

— Não costumo compartilhar nada, mas, como foi ela quem mandou, e a informação parecia relevante, repassei sem conferir — conta.

Procurado, o WhatsApp afirmou não ter planos de cobrar pelo serviço.

Nívia faz parte de um grupo de amigas num aplicativo de mensagem. Escaldadas por uma enxurrada de informações falsas, muitas delas já se dizem vacinadas contra a boataria das redes sociais.

— Antes de abrir qualquer link ou compartilhar, pesquiso na internet. Outro dia recebi no e-mail da empresa uma notificação policial. Como trabalhamos com obras e já tivemos uma queixa por barulho, meu marido logo se preocupou. Antes de entrar no link, no entanto, numa rápida busca, vi que se tratava de um golpe — diz a empresária Claudinez Suares.

Calejada, a dona de casa Gilmara Pimentel diz que não abre mais links e que, para compartilhar qualquer postagem, tem de ter certeza da fonte e da relevância do tema:

— Já cansei de receber informação falsa sobre prêmios e outras tentativas de golpe.

Outra participante do grupo, Renata Valério, professora, também diz se deparar com frequência com promoções falsas. A mais recente envolvia a Latam, prometendo a quem compartilhasse o post nas redes sociais duas passagens gratuitas em classe executiva. A empresa aérea já confirmou que a promoção é falsa e reforçou que todas as campanhas e ofertas são divulgadas exclusivamente nos canais oficiais da Latam. A maior armadilha das redes, na avaliação de Renata, são as postagens de informações verdadeiras, mas antigas, como se fossem recentes:

— Recebi um alerta de leite contaminado com água oxigenada, levei um susto. Depois me lembrei que essa era uma notícia que O GLOBO tinha dado há tempos, não havia novidade.

E O PRÊMIO ERA DE VERDADE

De tão desconfiada, a historiadora Luciane Reis por pouco não perdeu cerca de R$ 2 mil a que tinha direito por uma premiação da TIM. Apesar da insistência da operadora em contatá-la, ela temia fornecer seus dados e escreveu à Defesa do Consumidor, achando que poderia estar sendo vítima de um golpe. A TIM reforça que tem diversos canais de comunicação para esclarecer dúvidas e sobre a autenticidade de promoções, disponíveis 24 horas, todos os dias.

— Depois dessa, comecei a acreditar que é possível haver premiações reais. De qualquer forma, não forneço dados sem ter certeza sobre com quem estou falando — ressalta Luciane.

Para a professora de inglês Jessyane Almeida, a proliferação de notícias falsas cria desconfiança quando informações verdadeiras são compartilhadas:

— A boataria é perversa, pois abala a confiabilidade de postagens verdadeiras e relevantes.

O advogado Alexandre Frigério, do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), lembra que, em casos verídicos, as redes sociais podem ser um bom instrumento de alerta e de resolução rápida do problema.

DANO À IMAGEM DA EMPRESA

Regulamentador de vários produtos e administrador de um sistema de acidente de consumo, o Inmetro mantém uma equipe para monitorar o que circula pela rede e verificar se há risco para o consumidor.

— O caso do bebê que morreu sufocado no berço, que nos levou a convocar um recall, por exemplo, a princípio parecia um boato. Mas fomos verificar, e era real. Na dúvida, o consumidor deve encaminhar o caso ao Inmetro que faremos a verificação — diz Marcos Borges, engenheiro do instituto.

Segundo Francisco, da FGV Direito Rio, para as empresas, o maior risco do boato é o dano à imagem. O presidente da Itambé, Alexandre Almeida, diz que o caso do achocolatado, em Cuiabá, foi o primeiro de boataria com a empresa e que foi imprescindível ter agilidade para lidar com a crise. Ele acrescenta que a imprensa foi aliada ao publicar com rapidez a versão da companhia.

— Deslocamos profissionais de diversas áreas, incluindo gerentes, para atender o consumidor no SAC — conta o executivo.

Crédito: Matéria publicada dia 18/09/16 no jornal O Globo – disponível na web 19/09/2016

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