Fórum Nacional da Educação critica proposta de escola sem partido

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O Fórum Nacional de Educação (FNE) emitiu uma nota pública criticando o Projeto de Lei 193/2016, que inclui entre as diretrizes e bases da educação o programa “Escola sem Partido”. O órgão, composto por 50 entidades considera que, se aprovada, a proposta trará “sérias consequências para toda a sociedade brasileira”.

De autoria do senador Magno Malta (PR-ES), o projeto está na Comissão de Educação, sob a relatoria de Cristovam Buarque (PPS-DF) e, no atual cenário político polarizado, vem provocado discussões acaloradas entre defensores e opositores da ideia. No portal e-cidadania do Senado, a matéria já recebeu até o momento mais de 183 mil votos a favor e 196 mil contra. Entre outras coisas, o projeto proíbe os professores, no exercício de suas atividades, de: promover os seus próprios interesses, opiniões, concepções ou preferências ideológicas, religiosas, morais, políticas e partidárias; favorecer, prejudicar ou constranger os alunos em razão de suas convicções políticas, ideológicas, morais ou religiosas, ou da falta delas e fazer propaganda político-partidária em sala de aula ou incitar seus alunos a participar de manifestações, atos públicos e passeatas.

A matéria também diz que “o poder público não se imiscuirá na opção sexual dos alunos nem permitirá qualquer prática capaz de comprometer, precipitar ou direcionar o natural amadurecimento e desenvolvimento de sua personalidade, em harmonia com a respectiva identidade biológica de sexo, sendo vedada, especialmente, a aplicação dos postulados da teoria ou ideologia de gênero”.

O FNE esclarece que “não existe neutralidade no ato pedagógico, uma vez que a própria educação é um ato político, portanto, imbuído de intencionalidade, não no sentido partidário, mas no sentido de ampliar, aprofundar e garantir direitos na formação para a cidadania, com reconhecimento das diferenças e no combate das desigualdades com justiça social”. Para as entidades, o projeto “intimida e criminaliza os (as) profissionais no exercício da sua profissão, contrariando o direito à liberdade de cátedra, garantido pela lei maior do país, a Constituição Federal”.

“Pela defesa dos princípios já destacados e pela educação como prática da liberdade emancipatória, repudiamos discursos e práticas que sob a suposta defesa de pluralidade, ancoram projetos que podem prejudicar a histórica conquista da sociedade brasileira de uma educação como propulsora de cidadania plena”, conclui a nota.

Veja a íntegra do documento aprovado pelo FNE:

41ª Nota Pública do Fórum Nacional de Educação – Contra o Escola sem Partido e em favor da liberdade de ensinar e aprender.

Brasília, 20 de setembro de 2016. 

O Fórum Nacional de Educação (FNE) é um espaço de interlocução entre a sociedade civil e o governo, é um órgão de estado,  composto por 50 entidades, articulador das conferências nacionais de educação e uma das esferas legais de monitoramento e avaliação do Plano Nacional de Educação 2014-2024 (PNE). O FNE é uma instância de participação social e representa milhões de estudantes, trabalhadores e trabalhadoras, pais, mães e responsáveis, gestores (as), conselheiros (as) e defensores (as) do direito à educação pública presentes em todo o território nacional.

Alicerçado em sua legitimidade institucional, o FNE dirige-se às instituições republicanas e à sociedade brasileira para reiterar sua defesa ao direito à educação pública, gratuita, laica, democrática, inclusiva, de qualidade social e livre de quaisquer formas de discriminação.

Considerando os avanços legais, conquistados em amplos processos de luta e participação social, o FNE reitera que a educação pública brasileira se pauta sobremaneira nos princípios estabelecidos pela Constituição Federal de 1988,  pela sua regulamentação na forma da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB – Lei 9394/1996), no Documento Final da CONAE 2014 e na Lei nº 13.005/2014 (PNE).

A Constituição e a LDB definem que a educação escolar “inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”, e que o “ensino será ministrado com base nos seguintes princípios: (…) liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a cultura, o pensamento, a arte e o saber; pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas; respeito à liberdade e apreço à tolerância; gestão democrática do ensino público; garantia de padrão de qualidade” entre outros.

Diante de tais considerações, reafirma que o direito à educação diz respeito essencialmente à formação da pessoa, que como tal é constitutiva de múltiplas dimensões, às quais a escola precisa estar atenta, tendo em vista a formação plena, conforme previsto na LDB. Neste sentido, o direito humano à educação exige que se cuide do “pleno desenvolvimento do educando e seu preparo para o exercício consciente da cidadania” (art. 2° LDB). Essas finalidades e princípios têm por objetivo promover uma educação escolar de qualidade social, que contribua para o desenvolvimento e a emancipação humana, contribuindo para a formação de cidadãos(ãs) com capacidade crítica, compromisso social e autonomia responsável, capazes de conviver e trabalhar em harmonia com a diversidade que caracteriza a sociedade.

É importante destacar que não existe neutralidade no ato pedagógico, uma vez que a própria educação é um ato político, portanto, imbuído de intencionalidade, não no sentido partidário, mas no sentido de ampliar, aprofundar e garantir direitos na formação para a cidadania, com reconhecimento das diferenças e no combate das desigualdades com justiça social.

Neste sentido, a formação ético-política à qual nos referimos, diz respeito essencialmente a uma educação que possibilite ao educando e às educandas, enquanto seres históricos, o conhecimento pleno da realidade e de seus condicionantes, proporcionando uma leitura crítica do mundo e o perceber-se como sujeitos constitutivos de identidade e com possibilidades concretas de intervir neste mundo em busca de igualdade e justiça social.

Não é possível formar um sujeito pleno, com tais características sem que na escola discuta o mundo presente, suas contradições, suas desigualdades, discriminações e vulnerabilidades, suas injustiças, suas diferenças e as múltiplas possibilidades de transformação social, formulando suas próprias proposições acerca do mundo e do seu estar no mundo.

A proposta do Movimento “Escola Sem Partido” e de outros movimentos e proposições legislativas afins, que definitivamente não são sem partido e nem sem religião ou ideologia, são nocivas para o alcance dos objetivos da educação estipulados acima, pois pretendem destituir a educação do seu sentido reflexivo e colocá-la numa condição de suposta neutralidade, completamente incompatível com o tempo presente, com as conquistas sociais, com a democracia e com todo o arcabouço científico e legal que dão sustentação a uma educação que não deve ser mecânica ou reprodutivista ou tecnicista e de um ser humano que saia da condição de objeto para a condição de sujeito histórico.

Uma proposta que entre outros efeitos perversos, banaliza os problemas da educação, impede a formação democrática e cidadã, inibe o desenvolvimento do conhecimento científico e nega os saberes do estudante, além de inibir a atuação do movimento estudantil dentro das escolas como um dos impulsionadores da participação política e cidadã dos e das estudantes, colocando-o como mero instrumento doutrinador e aparelho partidário, prejudicando a socialização que permitiria conhecer e respeitar as diversidades e diferenças. Por outro lado, uma proposta que intimida e criminaliza os (as) profissionais no exercício da sua profissão, contrariando o direito à liberdade de cátedra, garantido pela lei maior do país, a Constituição Federal.

Propostas desta natureza prejudicam ainda, os educandos e as educandas da Educação de Jovens e Adultos (EJA), que, de maneira geral, vivem a dura realidade da exclusão, da discriminação e da falta de oportunidades, marcas fortes da desigualdade social, racial e de gênero a que são submetidos. Estes sujeitos já sofreram exclusão dos espaços educativos quando eram crianças e adolescentes e foram discriminados por serem mulheres negras, mulheres indígenas, pessoas LGBT, moradoras das periferias, do campo, das águas e das florestas, pessoas com deficiência entre tantas outras marcas de nossa diversidade.

Ao longo da história de nosso país, a Educação Pública sofre ataques de setores conservadores e retrógrado se a cada dia uma política deliberada de desqualificação do ensinar docente e do aprender discente evidencia o propósito de retirar direitos previstos na Constituição Cidadã (1988) como conquista do povo brasileiro.

O Projeto de Lei nº 193 de 2016 que tramita no Senado Federal e seus similares na Câmara dos Deputados, nas Assembleias Legislativas e Câmaras Municipais, se aprovados, trarão sérias consequências para toda a sociedade brasileira.

Nas palavras da procuradora federal dos Direitos do Cidadão, Deborah Duprat, na Nota Técnica 01/2016 da PROCURADORIA FEDERAL DOS DIREITOS DO CIDADÃO (PFDC) de 21 de Julho passado, em análise e manifestação sobre a Proposição Legislativa 867/2015, que inclui, entre as Diretrizes e Bases da Educação Nacional, o “Programa Escola sem Partido”,

O PL subverte a atual ordem constitucional, por inúmeras razões: (i) confunde a educação escolar com aquela que é fornecida pelos pais, e, com isso, os espaços público e privado; (ii) impede o pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas (art. 206, III); (iii) nega a liberdade de cátedra e a possibilidade ampla de aprendizagem (art. 206, II); (iv) contraria o princípio da laicidade do Estado, porque permite, no âmbito da escola, espaço público na concepção constitucional, a prevalência de visões morais/religiosas particulares. (DUPRAT, 2016).

Pela defesa dos princípios já destacados e pela educação como prática da liberdade emancipatória, repudiamos discursos e práticas que sob a suposta defesa de pluralidade, ancoram projetos que podem prejudicar a histórica conquista da sociedade brasileira de uma educação como propulsora de cidadania plena. Portanto, defendemos a escola como força inovadora, com educação pública de qualidade social, igualitária, crítica, emancipatória, com equidade de gênero e promoção da cultura da paz, com efetivo reconhecimento das diferenças e construção da justiça social para todos e todas, cada um e cada uma.

Somos pela defesa da Escola Libertadora e pela defesa da garantia e do aprofundamento dos direitos educacionais conquistados por nossas crianças, adolescentes, jovens, adultos e idosos!

Somos pela defesa de um projeto de Educação com o objetivo de efetivar a educação libertadora a que têm direito os trabalhadores e as trabalhadoras que não puderam estudar quando eram crianças e adolescentes.

Lembrando o patrono da Educação brasileira, afirmamos que “a educação como prática da liberdade, ao contrário daquela que é a prática da dominação, implica a negação do homem abstrato, isolado, solto, desligado do mundo, assim também a negação do mundo como uma realidade ausente dos homens”.

Finalmente, somos contrários a qualquer ação que signifique retrocesso para as conquistas do povo brasileiro.

Fórum Nacional de Educação

Aprovada por unanimidade.

Crédito: Congresso em Foco – disponível na web 26/09/2016

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