O Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF), em sessão nesta quarta-feira (26), considerou inviável o recálculo do valor da aposentadoria por meio da chamada desaposentação. Por maioria de votos, os ministros entenderam que apenas por meio de lei é possível fixar critérios para que os benefícios sejam recalculados com base em novas contribuições decorrentes da permanência ou volta do trabalhador ao mercado de trabalho após concessão da aposentadoria. A tese a ser fixada para efeito da repercussão geral deverá ser votada no início da sessão plenária desta quinta-feira (27).
Foram julgados sobre o tema os Recursos Extraordinários (RE) 381367, de relatoria do ministro Marco Aurélio, 661256, com repercussão geral, e 827833, ambos de relatoria do ministro Luís Roberto Barroso.
Prevaleceu o entendimento do ministro Dias Toffoli, apresentado na sessão de 29 de outubro de 2014. Ele afirmou que, embora não exista vedação constitucional expressa à desaposentação, também não há previsão desse direito. O ministro Toffoli salientou que a Constituição Federal dispõe de forma clara e específica que compete à legislação ordinária estabelecer as hipóteses em que as contribuições previdenciárias repercutem diretamente no valor dos benefícios, como é o caso da desaposentação, que possibilitaria a obtenção de benefício de maior valor a partir de contribuições recolhidas após a concessão da aposentadoria. Na ocasião, foi acompanhado pelo ministro Teori Zavascki.
Ministra Rosa Weber
O julgamento foi retomado na sessão desta quarta-feira com o voto-vista da ministra Rosa Weber, que seguiu o entendimento do relator do Recurso Extraordinário (RE) 661256, ministro Luís Roberto Barroso, de que a legislação é omissa no que diz respeito à desaposentação. Na visão da ministra, não existe proibição legal expressa a que um aposentado do Regime Geral de Previdência Social (RGPS) que tenha continuado a trabalhar obtenha novo benefício, com base nas novas contribuições.
A ministra observou que a filiação à previdência social é um vínculo jurídico que gera direitos e obrigações recíprocas e as novas contribuições vertidas pelo aposentado, por sua continuidade ou retorno ao mercado de trabalho, devem ser consideradas para cálculo de novo benefício. “Não identifico no artigo 18, parágrafo 2º, da Lei 8.213/1991, vedação expressa à desaposentação, considerada a finalidade de, a partir do cômputo de novo período aquisitivo, obter mensalidade de aposentadoria de valor maior” afirmou.
Ministro Edson Fachin
O ministro Edson Fachin acompanhou a divergência aberta pelo ministro Dias Toffoli, dando provimento ao RE 661256 por entender que o STF não pode suplantar a atuação legislativa na proteção aos riscos previdenciários. Em seu entendimento, cabe ao legislador, ponderando sobre o equilíbrio financeiro e atuarial do RGPS, dispor sobre a possibilidade de revisão de cálculo de benefício de aposentadoria já concedido em razão de contribuições posteriores.
O ministro Fachin destacou que a Constituição Federal consagra o princípio da solidariedade e estabelece que a Seguridade Social será financiada por toda sociedade, de forma direta e indireta. Ressaltou que o legislador constitucional, ao tratar da previdência social, dispôs que especificamente sobre os riscos que devem estar cobertos pelo RGPS, mas atribuiu ao legislador infraconstitucional a responsabilidade de fixar regras e critérios a serem observados para a concessão dos benefícios previdenciários.
Ministro Luís Roberto Barroso
Relator do RE 661256, o ministro Luís Roberto Barroso reafirmou o voto proferido por ele em outubro de 2014 quando deu provimento parcial ao recurso no sentido de considerar válido o instituto da desaposentação. Na sessão de hoje, ele aplicou a mesma conclusão ao RE 381367, de relatoria do ministro Marco Aurélio. Quanto ao Recurso Extraordinário 827833, o ministro Barroso reajustou o voto para negar provimento, ao entender que não há possibilidade de acumulação de duas aposentadorias pelo RGPS.
Ministro Luiz Fux
Para o ministro Luiz Fux, o instituto da desaposentação desvirtua a aposentadoria proporcional. “No meu modo de ver, trata-se de expediente absolutamente incompatível com o desiderato do constituinte reformador que, com a edição da Emenda Constitucional 20/1998, deixou claro seu intento de incentivar a postergação das aposentadorias”, disse o ministro ao ressaltar que a contribuição de uma pessoa serve para ajudar toda a sociedade. Segundo ele, a obrigatoriedade visa preservar o atual sistema da seguridade e busca reforçar a ideia de solidariedade e moralidade pública, entre outras concepções. Dessa forma, o ministro Luiz Fux deu provimento aos Recursos Extraordinários (REs) 661256 e 827833 e negou provimento ao RE 381367.
Ministro Ricardo Lewandowski
O ministro Ricardo Lewandowski acompanhou a corrente vencida que reconheceu o direito do segurado à desaposentação. Segundo ele, diante da crise econômica pela qual passa o país, não é raro que o segurado da previdência se veja obrigado a retornar ao mercado de trabalho para complementar sua renda para sustentar a família. Para o ministro é legalmente possível ao segurado que retorna ao mercado de trabalho renunciar à sua primeira aposentadoria para obter uma nova aposentadoria mais vantajosa. “A aposentadoria, a meu ver, constitui um direito patrimonial, de caráter disponível, pelo que se mostra legítimo, segundo penso, o ato de renúncia unilateral ao benefício, que não depende de anuência do estado, no caso o INSS”, concluiu.
Ministro Gilmar Mendes
O ministro Gilmar Mendes votou no sentido de negar o direito à desaposentação por entender que, se o segurado se aposenta precocemente e retorna ao mercado de trabalho por ato voluntário, não pode pretender a revisão do benefício, impondo um ônus ao sistema previdenciário, custeado pela coletividade. Para o ministro o artigo 18, parágrafo 2º, da Lei 8.213/1991, não deixa dúvida quanto à vedação da desaposentação no âmbito do ordenamento previdenciário brasileiro. “O dispositivo é explícito ao restringir as prestações da Previdência Social, na hipótese dos autos, ao salário-família e à reabilitação profissional”, afirmou. Da mesma forma, segundo ele, o Decreto 3.048 é “cristalino” quanto à irreversibilidade e à irrenunciabilidade da aposentadoria por tempo de contribuição.
“Não se verifica, portanto, uma omissão normativa em relação ao tema em apreço. As normas existem e são expressas na vedação à renúncia da aposentadoria de modo a viabilizar a concessão de outro benefício com o cálculo majorado”, disse o ministro, acrescentando que o conteúdo das normas está em consonância com preceitos adotados no sistema constitucional de Previdência Social, especificamente os princípios da solidariedade e do equilíbrio financeiro e atuarial da seguridade social. O ministro citou dados da Advocacia Geral da União de que um eventual reconhecimento do direito à desaposentação pelo STF teria impacto de R$ 1 bilhão por mês aos cofres da Previdência Social. Para ele, se a matéria deve ser revista, isso cabe ao Congresso Nacional, com base nos parâmetros que a Constituição Federal determina, e não ao Poder Judiciário.
Ministro Marco Aurélio
Em seu voto, o ministro Marco Aurélio manteve sua posição já proferida como relator do RE 381367, favorável à possibilidade de desaposentação, assegurado ainda ao contribuinte o direito ao recálculo dos proventos da aposentadoria após o período de retorno à atividade, adotando a mesma posição nos demais recursos.
Ministro Celso de Mello
O ministro Celso de Mello relembrou no início de seu voto a histórica afirmação pelo STF, em seus julgados sobre o Regime Geral da Previdência Social, dos postulados da solidariedade, universalidade, equidade e do equilíbrio financeiro e orçamentário. O parágrafo 5º do artigo 195 da Constituição estabelece a necessidade de existência de fonte de custeio para a criação ou ampliação de benefício, explicitando o princípio do equilíbrio atuarial.
A alteração introduzida em 1997 na Lei 8.213/1991 previu explicitamente que o aposentado que permanecer em atividade não faz jus a prestação da previdência, exceto salário família e reabilitação profissional. Isso revelou a intenção do legislador, que deixou de autorizar um direito que poderia ser entendido pelo beneficiário como estabelecido. A lacuna antes existente na legislação quanto ao tema não implicaria, nesse caso, a existência do direito. “Esse tema se submete ao âmbito da própria reserva de parlamento, que deve estar subordinada ao domínio normativo da lei”, afirmou.
Ministra Cármen Lúcia
Em seu voto, a presidente do STF, ministra Cármen Lúcia adotou a posição segundo a qual não há fundamento na legislação que justifique o direito à desaposentação. “Me parece que não há ausência de lei, embora essa seja matéria que possa ser alterada e tratada devidamente pelo legislador”. A Lei 8.213/1991 trata da matéria, e o tema já foi projeto de lei, portanto, para a ministra, não houve ausência de tratamento da lei, apenas o tratamento não ocorreu na forma pretendida pelos beneficiários. Os preceitos legais adotados, por sua vez, são condizentes com os princípios da solidariedade e com a regra do equilíbrio atuarial.
Resultados
Ao final, o Plenário, por maioria, negou provimento ao RE 381367, vencidos o ministro Marco Aurélio (relator), que o provia, e, em menor extensão, os ministros Rosa Weber, Luís Roberto Barroso e Ricardo Lewandowski, que o proviam parcialmente.
No RE 661256, com repercussão geral, o Plenário deu provimento ao recurso, por maioria, vencidos, em parte, os ministros Luís Roberto Barroso (relator), Rosa Weber, Ricardo Lewandowski e Marco Aurélio.
Por fim, o RE 827833 foi provido, por maioria, vencidos a ministra Rosa Weber, o ministro Luís Roberto Barroso, que reajustou o voto, e os ministros Ricardo Lewandowski e Marco Aurélio, que negavam provimento ao recurso.
STF 27/10/2016