Operações como Lava Jato e Zelotes têm exposto não só a classe política como também as grandes empresas do país.
Na última quinta-feira, foi a vez da maior empreiteira brasileira “ficar de joelhos”.
Em um comunicado veiculado na imprensa, a Odebrecht pediu perdão pelos atos ilícitos cometidos, concordou em pagar uma multa de R$ 6,7 bilhões e se comprometeu a colaborar com as investigações como parte do acordo de leniência assinado com o Ministério Público Federal.
O caso, com potencial de atingir um grande número de políticos em Brasília, pode ser também representativo de uma guinada no mundo corporativo.
Até pouco tempo, antes de virem à tona as grandes operações como Lava Jato e Zelotes, a corrupção parecia ser um bom negócio no Brasil.
Muitas vezes, a obtenção de um alvará ou de uma licença poderia sair mais em conta ou demorar menos tempo por meios escusos.
A corrupção também ajudava a aumentar a previsibilidade de um empreendimento, ganhar tempo e encontrar atalhos para driblar a burocracia. No balanço final, os meios ilegais poderiam representar uma economia real para uma empresa.
Além disso, atuar fora da conformidade das leis também era visto como vantagem porque poderia ser crucial para a viabilização de um empreendimento. Para obter contratos bilionários com a Petrobras, empreiteiras pagavam de 1% a 5% do valor do negócio em propinas, como revelou a Lava Jato.
Mas esse cálculo de que a corrupção compensa, segundo especialistas, pode estar mudando.
Conformidade
Alexandre Bertoldi, sócio-gerente do escritório de advocacia Pinheiro Neto, um dos mais tradicionais do país, afirma que era comum no meio empresarial que gestores “fechassem os olhos” para práticas ilícitas ou antiéticas ao delegar serviços a indivíduos, empresas ou escritórios de fachada. As operações mostram que talvez isso não seja mais tão tentador.
“Antes as pessoas sabiam o que estava errado. Era mentira dizer que não soubessem. Todo mundo sabia. Mas muitos tinham a sensação de que se não fosse assim, estariam em desvantagem em relação aos competidores. Hoje você está correndo o risco de ir para a cadeia. Isso é salutar para o ambiente de negócios,” afirma Bertoldi.
Um indício dessa guindada é a valorização que as empresas têm dado aos mecanismos de compliance, palavra em inglês que significa conformidade com leis e princípios éticos.
O termo carrega um sentido mais amplo no ambiente de negócios. Também pode ser entendido como programa de integridade, governança empresarial, ou ética corporativa.
Ele envolve a adoção por parte das empresas de mecanismos para apurar e prevenir práticas ilegais ou antiéticas. Esses mecanismos vão desde análise de riscos, instalação de investigações internas e canais para denúncia até o treinamento de executivos e funcionários para lidar com propostas e práticas que corram o risco de colocar a empresa no mau caminho.
‘Explosão’
Especialistas ressaltam, no entanto, que o caminho a percorrer para que as empresas do país alcancem os mais altos padrões de integridade ainda é longo.
“Antes, a palavra não tinha valor, ninguém sabia nem mesmo o significado, e agora compliance passou a ser parte do cotidiano,” afirma Esther Flesch, que lidera a equipe de conformidade do Trench, Rossi e Watanabe Advogados, escritório de advocacia contratado pela Petrobras após o início da operação Lava Jato.
A entrada em vigor da Lei Anticorrupção (12.846/2013), também conhecida como Lei da Empresa Limpa, ajudou a colocar o assunto na agenda.
No entanto, foram operações como Lava Jato e Zelotes que provocaram nas empresas o sentido de urgência verificado pelos especialistas.
O aumento da demanda pelos serviços de compliance foi sentido com força, especialmente no último ano.
“Nem mesmo o nosso escritório anteviu esse impacto. Tivemos que correr atrás. Foi uma explosão, não um aumento gradativo,” conta Bertoldi.
Há cinco anos, o Pinheiro Neto não tinha uma área dedicada ao serviço. No último ano, o escritório, que atende principalmente grandes empresas em operações estratégicas, empregou mais de 40 advogados com dedicação exclusiva a essas demandas.
Outro escritório de perfil similar a fazer investimentos expressivos na área foi o Mattos Filho, que aumentou seu quadro de sócios dedicados à conformidade, de um para três.
Thiago Jabor Pinheiro, sócio do escritório e responsável pela equipe afirma: “Não há uma empresa grande no Brasil que não tenha adotado esses mecanismos (de conformidade).”
O aumento da procura também foi sentido pelas grandes firmas globais de consultoria que atuam no Brasil.
“Mais do que dobrou a nossa demanda do ano passado para cá,” garante Ronaldo Fragoso, sócio-líder de gestão de riscos da Deloitte.
Empresas como PwC, EY e KPMG também descrevem aumento significativo na demanda.
Custos
Mas o que exatamente explica essa correria por programas para evitar a corrupção em empresas brasileiras?
O principal motivo apontado pelos especialistas é a percepção sobre o aumento do custo de não ter vigente um mecanismo de governança, ou o chamado custo da ‘não-compliance’.
Ser conivente com práticas corruptas pode sair caro. E isso passou a ser sentido de muitas maneiras.
A mais evidente são as consequências diretas. A lei prevê multas de até 20% sobre a receita para empresas condenadas por práticas ilícitas.
O acordo de leniência assinado pela Odebrecht é um exemplo do quanto a corrupção pode pesar no bolso de empresários.
“As empresas passaram a ter medo das multas, já que uma multa chega a quebrar uma empresa,” afirma Ana Paula Candeloro, que é professora do Insper e coautora do livro Compliance 360º.
No âmbito da Lava Jato, além das multas, as empreiteiras condenadas também ficaram impedidas de firmar contratos públicos ou de adquirir novos créditos bancários até assinarem acordos de leniência.
“A destruição de valor foi significativa,” afirma Fragoso, que também cita o caso da mineradora Samarco, que enfrenta uma multa bilionária pela responsabilidade no rompimento da barragem em Mariana, no final de 2015.
“Esses casos levaram as empresas a pensar que teria sido melhor prevenir,” afirma ele.
Outro fator que passou a entrar no cálculo foi o temor dos executivos de se verem pessoalmente envolvidos em um escândalo. Essa noção levou o problema até o mais alto escalão de gerenciamento.
Na Lava Jato, diversos executivos foram condenados e presos – o caso mais notável sendo o de Marcelo Odebrecht, que foi condenado a 19 anos de prisão. Já na Zelotes, o presidente do Bradesco, Luiz Carlos Trabuco, virou réu por suspeita de participação em esquema de sonegação de impostos.
“Poucos executivos conhecem alguém que não esteja envolvido de alguma forma nas operações em andamento. Isso traz uma noção muito viva de que não há mais impunidade,” avalia José Compagno, sócio-líder de investigação de fraudes para América Latina da consultoria EY.
Marco Castro, sócio-líder de auditoria da PwC no Brasil, afirma que o papel da opinião pública e das redes sociais traz um custo ainda maior para as empresas envolvidas em corrupção. “Hoje a voz da sociedade é ouvida de forma amplificada como nunca antes.”
De acordo com ele, a presença constante da fiscalização dos cidadãos tem um impacto sobre a cultura que influencia diretamente o ambiente de negócios.
“O dano à imagem e à reputação por não conseguir cumprir com o que a sociedade e seus próprios funcionários esperam ficou muito alto,” afirma.
Longo caminho
Apesar de todo o furor, os especialistas concordam que o Brasil ainda precisa caminhar muito para atingir os níveis de conformidade praticados nos Estados Unidos e na Europa.
Nicole Verillo, consultora do Programa Brasil da Transparência Internacional, também registra uma movimentação das empresas rumo a práticas éticas, mas faz ressalvas.
Ela afirma que os níveis nacionais de conformidade acompanham os níveis de países emergentes, mas “ainda são muito ruins”.
Segundo Nicole, “o próprio setor privado assume que há empresas com programas de compliance para inglês ver, que não são efetivos de fato”.
Bertoldi lembra que os custos de implementação de um programa de conformidade também podem ser um entrave. Por mais que o programa possa ajudar a prevenir desastres, o mercado brasileiro passa por um momento difícil.
“Algumas empresas estão preocupadas em sobreviver. Implantar o programa não é tão caro, mas é caro mantê-lo,” lembra o advogado. “No limite, você cria um departamento especializado com um impacto sobre o orçamento. Evita que você barateie a operação,” diz.
Crédito Luís Bulcão Pinheiro de Londres para a BBC Brasil – disponível na web 08/12/2016