Odebrecht/Lava Jato: Acerto de leniência deve ter “filhotes estaduais”. Operador do Ministro José Serra (PSDB-SP) admite repasse no exterior em 2010.

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Os acordos de delação premiada da empreiteira Odebrecht e de seus executivos levarão a Operação Lava Jato para diversos Estados brasileiros nos próximos meses. Na bagagem dos procuradores, irão provas de desvios e propostas de indenização para ressarcir cofres públicos locais.

O trabalho terá que ser feito pois parte dos delitos confessados pela construtora à força-tarefa do caso em Curitiba diz respeito a obras de administrações estaduais e municipais, e devem ser investigados pelo Ministério Público de cada região.

A base será o acordo fechado com Odebrecht, tecnicamente chamado de leniência, por envolver pessoa jurídica, em dezembro. Na avença, a empresa se comprometeu a desembolsar pelo menos R$ 5,3 bilhões para indenizar a Petrobras e entes públicos.

Os promotores locais responsáveis pela fiscalização dos projetos afetados pelos atos de corrupção da construtora poderão aderir ao acordo principal feito em Curitiba.

Neste caso, poderão garantir que parcelas do valor estipulado com a empreiteira sejam destinadas a indenizar as administrações prejudicadas com os desvios de recursos.

As atividades pelo país serão realizadas por membros da 5ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal, especializada em processos de combate à corrupção, e da força-tarefa.

Cerca de dez procuradores farão a separação dos temas que deverão ser levados a cada Estado.

Os procuradores também deverão fazer uma estimativa de qual seria o valor a ser destinado aos órgãos locais a título de ressarcimento pela construtora.

Em caso de adesão dos promotores locais ao acordo principal, eles se comprometerão a não apresentar ações de improbidade administrativa contra a Odebrecht.

Ao evitar esse tipo de processo, a construtora fica livre de possíveis punições judiciais de impedimento de contratar com os poderes públicos das cidades e Estados.

A previsão é a de que o valor de R$ 5,3 bilhões acertado pelos procuradores da Lava Jato com a Odebrecht seja suficiente para cobrir essas indenizações locais.

Porém, se as promotorias não aderirem ao acordo principal, as provas de desvios serão devolvidas à empreiteira.

O gigantismo da delação da Odebrecht, com mais de 800 depoimentos, levou a esse tipo de estruturação inédita.

No caso da leniência fechada com a construtora Andrade Gutierrez, por exemplo, em que o número de situações de ilicitudes foi muito menor, foi possível envolver os promotores estaduais já nas negociações anteriores à assinatura do acordo.

CASOS CRIMINAIS

Esses contatos entre a força-tarefa da Lava Jato e as promotorias estaduais não incluirão, a princípio, o fornecimento de provas para investigações de natureza criminal.

Isso ocorre pois na área penal o desmembramento dos casos depende do Judiciário.

No tocante às ações criminais, o compartilhamento será definido pelo ministro do Supremo Tribunal Federal Teori Zavascki, em relação a pessoas com foro privilegiado, e pelo juiz federal Sergio Moro.

Além de penas aplicadas em ações cíveis e penais na Justiça, a Odebrecht ainda poderá ser punida pelos poderes executivos locais, já que o acordo firmado em dezembro não inclui eventuais sanções administrativas. A empresa poderá, por exemplo, ser declarada inidônea e ficar impedida de assinar contratos públicos.

Em relação a esse tipo de medida, o procurador da República Carlos Fernando dos Santos Lima, um dos coordenadores da força-tarefa, diz que a expectativa é a de que o trabalho da Lava Jato sirva de estímulo aos representantes do Poder Executivo.

“Esperamos que o acordo de leniência da Odebrecht com o Ministério Público incentive os Executivos [de cidades e Estados] não a punirem as empresas que colaboram, mas a buscarem novos acordos”, afirmou Lima.

OUTRO LADO
A empreiteira Odebrecht afirmou que busca colaborar com Operação Lava Jato.

Em nota encaminhada por sua assessoria de imprensa, a construtora preferiu não se manifestar sobre as ações do Ministério Público Federal nos Estados, mas reafirmou o “compromisso de colaborar com a Justiça”.

“A empresa está implantando as melhores práticas de compliance, baseadas na ética, transparência e integridade”, de acordo com a nota.

PRÓXIMO PASSO – NEGOCIAÇÕES NOS ESTADOS

Nos depoimentos dos acordos surgiram desvios e ilicitudes que devem ser processados por promotorias estaduais

Um órgão do Ministério Público Federal fará o trabalho de selecionar esses casos para levá-los aos promotores

Promotorias estaduais poderão aderir ao acordo geral firmado com a Lava Jato

Se houver adesão, Estados ficarão com parte da multa acertada com a Lava Jato

Operador de Serra admite repasse da Odebrecht no exterior em 2010

O empresário e ex-deputado federal Ronaldo Cezar Coelho (PSDB) admite que recebeu recursos da empreiteira Odebrecht no exterior relacionados à campanha de 2010 do então candidato a presidente José Serra (PSDB).

Os repasses seriam ressarcimento a Coelho por ele ter adiantado o pagamento de despesas da campanha tucana.

Segundo o criminalista Antonio Cláudio Mariz de Oliveira, advogado de Coelho, tais valores foram incluídos na adesão do empresário ao recente programa de regularização de ativos no exterior.

Folha revelou, em outubro, que Coelho foi apontado pela Odebrecht em negociações de delação premiada com a força-tarefa da Lava Jato como um dos operadores de R$ 23 milhões repassados pela construtora, via caixa dois, à campanha de Serra.

O empresário, integrante da coordenação política do tucano em 2010, foi responsável pelo acerto de uma parte desse valor fora do país, de acordo com a construtora.

A Odebrecht afirmou ainda que o dinheiro foi repassado em uma conta na Suíça.

José Serra, atual ministro das Relações Exteriores, diz que suas campanhas sempre foram feitas de forma lícita e com as finanças sob a responsabilidade do partido.

Em novembro, a colunista da Folha Mônica Bergamo informou que Coelho havia aderido ao programa de regularização de ativos no exterior prevista na chamada Lei de Repatriação.

Mariz afirma que essa adesão envolveu os valores recebidos da Odebrecht e dinheiro resultante de investimentos do empresário.

Segundo o criminalista, Coelho pagou um montante correspondente a 30% do valor que estava no exterior, a título de impostos e multa.

O ex-deputado federal, porém, preferiu não repatriar o dinheiro, o que é uma possibilidade prevista na lei, afirma Mariz.

Ao aderir ao programa, os titulares de valores fora do país ficaram isentos da aplicação de punições relativas a sonegação fiscal, apropriação indébita, crimes tributários, evasão de divisas e lavagem de dinheiro relativa a esses delitos.

A explicação de Coelho para os repasses da Odebrecht relativos à campanha de Serra de 2010 está alinhada a depoimentos de executivos da empreiteira de que as transferências não envolveram o pagamento de propina.

CAIXA DOIS

A delação da empreiteira indica a prática do crime de caixa dois previsto na legislação eleitoral, que é muito menos grave e tem prazo de prescrição menor que os delitos ligados a corrupção previstos no Código Penal.

As pessoas citadas na colaboração premiada da Odebrecht somente poderão ser chamadas a prestar depoimento depois que o STF (Supremo Tribunal Federal) avaliar se os acordos assinados com executivos da empreiteira cumpriram os requisitos legais.

O STF recebeu as delações logo após a construtora fechar em dezembro os termos das colaborações com a força-tarefa da Lava Jato em Curitiba e a Procuradoria-Geral da República.

O ministro Teori Zavascki, responsável pelos processos da Lava Jato no STF, afirmou que seu gabinete está trabalhando mesmo no período do recesso do Judiciário, em janeiro, para acelerar a análise dos acordos.

Integrantes do Ministério Público Federal estimam que serão necessários pelo menos mais dois meses para a homologação das colaborações premiadas pelo STF.

De acordo com os procuradores, cada um dos 77 funcionários da Odebrecht envolvidos nos acordos terá que passar por uma audiência no tribunal para que digam se as colaborações foram isentas de qualquer tipo de coação.

OUTRO LADO

O ministro das relações exteriores José Serra diz suas campanhas eleitorais foram feitas de acordo com a lei e tiveram a contabilidade sob a responsabilidade de seu partido, o PSDB.

Nota enviada pela assessoria do tucano aponta que “o ministro José Serra não comenta supostos vazamentos de supostas delações”.

O texto da assessoria aponta que Serra “reitera que todas as suas campanhas eleitorais foram feitas nos termos da legislação vigente, com as finanças sob a responsabilidade do partido”.

Também por meio de nota encaminhada por sua assessoria de imprensa, a empreiteira Odebrecht afirma que “não se manifesta sobre o tema, mas reafirma seu compromisso de colaborar com a Justiça”.

De acordo com a nota, “a empresa está implantando as melhores práticas de compliance, baseadas na ética, transparência e integridade.”

A construtora e 77 de seus funcionários assinaram acordos de delação premiada para relatar às autoridades atos ilícitos cometidos em favor da companhia em contratos da Petrobras e outros assinados com entes da administração pública federal, estadual e municipal.

As colaborações dependem de aprovação do STF.

Crédito: Flávio Ferreira/Folha de São Paulo matéria publicada dias 07 e 08 de janeiro de 2017 – disponível na web 09/01/201

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