Pesquisa privada no IBGE sofre resistências. Presidente do órgão defende estudos sob encomenda. Funcionários e pesquisadores temem por credibilidade

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O IBGE avalia a possibilidade de captar mais recursos com pesquisas. O presidente do instituto, Paulo Rabello de Castro, que assumiu o cargo no fim de junho, afirma que o órgão de estatística oficial poderia explorar melhor os dados que já produz e realizar cruzamentos especiais de informações a pedido de clientes. Segundo Castro, há serviços que atualmente são prestados por consultorias privadas com dados do IBGE que poderiam ser feitos pelo próprio instituto. Ele defende parcerias para pesquisas por encomenda, que não teriam necessariamente os resultados divulgados de forma pública.

As propostas foram recebidas com apreensão pelos funcionários da casa. Dione Oliveira, diretora do sindicato nacional dos servidores do instituto, teme que a venda de informações e o acesso privado a pesquisas sob encomenda ponham em risco a credibilidade do órgão:

— Há preocupação sobre a perda de autonomia. Somos o instituto oficial de estatística, prezamos pela independência e autonomia, livre de pressões. Nossas pesquisas são de amplo acesso público.

O presidente do IBGE esclarece que, por enquanto, não há “projeto específico para alterar a forma como o instituto produz, divulga e dá acesso a suas pesquisas”, mas que há potencial para geração de recursos para o instituto:

— O IBGE constatou que usuários intensivos, que são normalmente pessoas jurídicas, pesquisadores da área comercial, têm acesso intensivo à massa de dados do IBGE, e utilizam essa massa de dados de uma forma pela qual o IBGE não compartilha o benefício que eles auferem por essa pesquisa privilegiada. Há firmas especializadas que entram no banco de dados do IBGE, fazem esses cruzamentos especiais, às vezes até com apoio de funcionários do IBGE, e não dão divulgação pública para aquilo que foi produto de pesquisa deles.

JÁ HÁ CONVÊNIOS, DIZ CASTRO

Castro argumenta que já são feitas pesquisas especiais e citou a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) de Acesso à Internet e à Televisão e Posse de Telefone Móvel Celular para Uso Pessoal, feita em conjunto com o Ministério das Comunicações, e a parceria recente com a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). No caso da primeira, diz ele, é do interesse do ministério a divulgação pública dos dados, mas no caso da Anvisa, segundo ele, o convênio não prevê necessariamente a publicação dos dados.

— Se eu faço um trabalho especial, com cruzamentos especiais, para alguém que pagou por essa informação, o resto do público não tem acesso porque é um trabalho comprado por alguém, como hoje isto já acontece — afirma.

Pesquisadores que já passaram pelo IBGE veem com reserva a possibilidade de realização de levantamentos que não terão seus resultados exibidos ao público. Ex-presidente do IBGE e pesquisador do Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade (Iets), Simon Schwartzman afirma que o órgão “não deve abrir mão da informação pública”. Para ele, a realização de tabulações e processamentos especiais não vai mudar a vida do IBGE, mas a produção de dados específicos já pode ser mais complicada e levar a um desvio das funções originais do instituto. De qualquer forma, o que ele vê com preocupação é a possibilidade de restrição ao acesso dos dados:

— Não acho que o IBGE deveria produzir um dado particular, que seja de propriedade da empresa que contratou. Não se pode abrir mão do princípio de que a informação é pública. É preciso ter cuidado para não ficar mais voltado para atender ao cliente e não à sociedade.

SINDICATO CONTRA PRESIDENTE

Castro afirmou que não é possível afirmar se os valores arrecadados com tais iniciativas seriam significativos para o orçamento do instituto, mas diz que hoje o IBGE não aproveita essas pesquisas feitas por usuários com base no banco de dados do órgão.

—O fato é que hoje o IBGE, em relação a essas pesquisas de especialistas, fica literalmente chupando o dedinho.

Atualmente professor da UFF e pesquisador da Fundação Getulio Vargas (FGV), Claudio Considera foi gerente de contas nacionais do IBGE e também vê com certo receio essa ideia, por causa do segredo estatístico.

— Pesquisas especiais podem gerar problemas ao IBGE se empresas ou pessoas pesquisadas acharem que outros podem ter acesso à informação.

Considera destaca que, mesmo com todo o cuidado que se espera que o IBGE tenha numa situação dessas, a venda de pesquisas particulares pode gerar dúvidas:

— Acho que é muito arriscado vender pesquisas particulares. Não vai resolver o problema de orçamento do IBGE e arrisca a credibilidade.

O sindicato nacional de funcionários do IBGE entrou com representação na Controladoria Geral da União (CGU), denunciando conflito de interesses e improbidade administrativa com a nomeação de Castro para o cargo. O presidente do instituto classificou o movimento como irresponsável e diz não ter sido procurado pelo sindicato.

— O IBGE vive de credibilidade, à medida em que fazem achaques totalmente injuriosos e irresponsáveis à figura do presidente, é o IBGE que fica prejudicado.

Castro afirma que já se desligou de todas as empresas de consultoria de mercado das quais fazia parte.

Crédito: matéria publicada no jornal O Globo do dia 08 de janeiro 2017 – disponível na web 09/01/2017

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