O pedido do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, ao Supremo Federal Tribunal (STF) para investigar políticos citados nas delações da Odebrecht levou a operação Lava Jato a um novo patamar.
Se a maioria dos pedidos for aceita, um grupo de várias dezenas de políticos – que inclui ministros, governadores e congressistas de diversos partidos, além de ex-governantes e ex-parlamentares – terá suas condutas analisadas pela força-tarefa.
A Lava Jato deverá gerar o maior julgamento por corrupção da história do Supremo.
O desfecho do caso, porém, ainda está bem distante – e há temores de que mudanças legislativas ponham em xeque a punição de parte dos crimes cometidos.
Longa duração
“É inevitável algum grau de frustração popular com o tempo (da tramitação da Lava Jato no STF), porque ainda não se percebeu com clareza que o tempo do Judiciário seja tão diferente da ansiedade ou da pauta política do país”, diz à BBC Brasil Rubens Glezer, professor de Direito Constitucional da Fundação Getúlio Vargas (FGV) em São Paulo.
Em 2014, pesquisadores da FGV do Rio de Janeiro analisaram a duração de processos no STF entre 1988 e 2013.
Segundo o estudo, ações que envolviam direito penal – caso de grande parte das denúncias apuradas na Lava Jato – levaram em média 5,5 anos para serem julgadas.
Se seguirem essa média, os julgamentos dos políticos na “nova lista de Janot” que se tornarem réus chegariam a uma conclusão no final de 2022.
Um marco na história do STF, o julgamento do mensalão foi concluído quase nove anos após a abertura dos inquéritos.
Só entre a apresentação das denúncias (quando os investigados se tornam réus) e o início do julgamento se passaram seis anos.
Glezer diz que após o mensalão o Supremo mudou o procedimento para julgar casos semelhantes.
O mensalão foi julgado por todos os ministros do STF, em sessões televisionadas.
Agora julgamentos desse tipo não são transmitidos e ficam a cargo de uma das duas turmas do STF, que contam com cinco ministros cada.
Segundo Glezer, o número menor de ministros e a menor exposição das sessões tendem a acelerar os processos.
Ele afirma que o STF tem tratado a Lava Jato como prioridade.
Prazos
Em março de 2015, o então relator da Lava Jato no Supremo, Teori Zavascki, autorizou a abertura de 25 inquéritos para investigar 50 políticos na Lava Jato. Nessa fase, coletam-se provas contra os suspeitos.
Hoje, cinco desses políticos respondem como réus. A PGR já apresentou outras cinco denúncias e aguarda a posição do Supremo sobre os casos. A última denúncia acolhida, contra o deputado federal Vander Louber (PT-MS), levou um ano e três meses para ser apreciada.
Com a morte de Zavascki, em janeiro, a relatoria do caso passou para o ministro Edson Fachin.
Glezer diz que o intervalo entre a abertura do inquérito e a apresentação da denúncia pode ser longo, mas que isso não é necessariamente um problema. No caso dos novos inquéritos da Lava Jato, ele estima que a fase possa se estender por um ou até dois anos.
“O trabalho tem que ser bem feito para que se ofereça uma denúncia sólida, que seja recebida e leve à condenação dos denunciados. Senão, há o risco de que o Supremo a rejeite”, afirma.
O ritmo da tramitação do processo no STF destoa da velocidade com que a Lava Jato é julgada na primeira instância, onde são analisadas as denúncias contra pessoas sem foro privilegiado.
Em quase três anos de operação, o juiz Sérgio Moro já proferiu mais de cem condenações.
Muitos juristas e até mesmo ministros do Supremo costumam dizer que a corte não tem vocação para julgar casos de grande dimensão e que envolvam crimes complexos.
No Superior Tribunal de Justiça (STJ), a última instância da Justiça brasileira para as causas infraconstitucionais (não relacionadas diretamente à Constituição Federal), em comparação, há mais ministros que no STF (atualmente são 33) e turmas especializadas em temas jurídicos distintos, o que costuma agilizar os casos.
Segundo relatos na imprensa, o STJ deve ficar encarregado de analisar casos de governadores citados nos depoimentos da Odebrecht.
Dúvidas
Apesar da maior lentidão do STF, Glezer afirma que apenas 3% dos casos julgados pelo tribunal prescrevem (quando o prazo para a punição expira e os réus ficam livres de cumprir pena). Ele diz acreditar que a corte cuidará para que isso não ocorra com a Lava Jato, dada a visibilidade do caso.
Outro temor de defensores da operação é que congressistas mudem leis para se livrar de punições.
Vários partidos querem a aprovação de uma lei que anistie casos de caixa dois (quando candidatos recebem recursos não declarados à Justiça Eleitoral) ocorridos no passado, criminalizando apenas casos futuros.
A pressão pela aprovação da lei aumentou após a Odebrecht negociar um acordo de cooperação com a Procuradoria Geral da República para atenuar as penas de executivos condenados na Lava Jato. Muitos políticos temem ter sido delatados com base nas leis atuais.
Há ainda dúvidas sobre como o STF agirá nos casos em que políticos investigados que hoje têm foro privilegiado (governantes, ministros e legisladores) percam esse status, caso não se reelejam ou percam os cargos em trocas de governo.
Segundo Glezer, o Supremo não tem critérios claros para definir quando políticos que perdem o foro privilegiado devem responder em instâncias inferiores.
Na Lava Jato, a corte já adotou posições tidas como conflitantes.
No fim de fevereiro, o tribunal definiu que o ex-presidente José Sarney – que hoje não exerce cargo público e, em tese, não tem foro privilegiado – deveria ter seu caso julgado pelo STF.
Já o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva teve seu caso enviado à Justiça Federal em Curitiba, na primeira instância, após perder o cargo de ministro com o impeachment de Dilma Rousseff.
Para Glezer, as mudanças de foro podem gerar “uma ciranda processual, que com certeza prejudica o andamento dos casos e eleva o risco de prescrição”.
Crédito: João Fellet – da BBC Brasil em Brasília – disponível na internet 16/03/2017