A BBC Brasil perguntou a seus leitores quais dúvidas eles tinham sobre a operação Lava Jato, que completa três anos nesta sexta-feira.
Por meio de uma ferramenta de interação chamada Hearken, recebemos mais de 70 perguntas em poucos dias e escolhemos as seis melhores e mais recorrentes para irem a votação na última terça-feira. Foram registrados 521 votos em menos de 12 horas. A questão vencedora, que recebeu 327 deles, indaga: “Por que o juiz Sergio Moro não manda prender integrantes do PSDB reiteradamente citados na Lava Jato?”
A BBC Brasil já listou as acusações contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e as suspeitas que pairam contra o presidente Michel Temer (PMDB). Agora, vamos abordar os indícios de envolvimento de tucanos, agora atingidos em cheio pelas delações da Odebrecht.
Ainda não foi divulgado o conteúdo dos pedidos de investigação feitos após as revelações de executivos da empreiteira, mas a imprensa já noticiou que os três presidenciáveis do partido – os senadores Aécio Neves (MG) e José Serra (SP), e o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin – estão entre os alvos.
Aécio diz ter agido dentro da lei, enquanto Serra e Alckmin afirmam que se manifestarão apenas depois que as informações forem oficiais.
Os ministros Aloysio Nunes (Relações Exteriores) e Bruno Araújo (Cidades), o ex-deputado e prefeito de Ribeirão Preto, Duarte Nogueira, e o governador do Paraná, Beto Richa, também estariam entre os tucanos alvos de pedidos de investigações. Os citados negam irregularidades ou dizem que se manifestarão após a divulgação formal dos inquéritos.
Todos estão na relação de nomes apelidada de “segunda lista de Janot”, em referência ao procurador-geral da República, Rodrigo Janot. Ela foi enviada ao STF mais de dois anos depois da “primeira lista”, que continha apenas um tucano: o ex-governador e senador Antonio Anastasia (MG), cujo inquérito foi arquivado.
Segundo executivos da Odebrecht, os presidenciáveis do PSDB teriam recebido dinheiro de caixa 2. Aécio também é acusado de ter ajudado empreiteiras a fraudar uma licitação em Minas Gerais.
Procurado pela BBC Brasil, o PSDB nacional enviou uma nota em que disse ter sempre defendido a realização de investigações, “pois considera que esse é o melhor caminho para esclarecer eventuais acusações e diferenciar os inocentes dos verdadeiros culpados”.
Tucanos têm afirmado que é necessário “separar o joio do trigo”, buscando diferenciar quem enriqueceu com corrupção de quem recebeu dinheiro via caixa 2 para financiar atividades políticas.
Mas – perguntaram os leitores – por que as acusações contra o partido demoraram mais para vir à tona em comparação com o que pesa contra PT, PMDB e PP, por exemplo? Confira quatro motivos:
1. O PSDB não integrava a base aliada quando a Lava Jato atingiu políticos
As investigações que alvejaram PT, PMDB e PP na “primeira lista de Janot” começaram por baixo, com doleiros, operadores, diretores da Petrobras e outras pessoas sem foro privilegiado, sujeitas ao julgamento do juiz Sergio Moro, da 13ª Vara Federal de Curitiba.
A Lava Jato era no início uma investigação contra lavagem de dinheiro e, depois, se descobriu que esse dinheiro sujo tinha como origem a corrupção de políticos e empreiteiras.
Como o PSDB não estava no governo federal desde 2002, não tinha influência na Petrobras ou em outras estatais que ficaram marcadas por esquemas de corrupção em que os indicados políticos fraudavam licitações, escolhendo empreiteiras para superfaturar obras e repassar uma parte do lucro ilegal a políticos e partidos.
A PGR (Procuradoria-Geral da República) chegou a pedir a investigação do senador Aécio Neves e do deputado Teotônio Vilela Filho, ex-presidente nacional do PSDB, por crimes teriam ocorrido entre 1998 e 2000. Na época, Aécio era deputado e Fernando Henrique Cardoso ocupava a presidência da República.
Os supostos crimes foram relatados na delação do ex-presidente da Transpetro, Sergio Machado. Este ano, porém, a própria Procuradoria pediu o arquivamento do pedido, e foi atendida pelo relator da operação Lava Jato no STF, o ministro, Edson Fachin, pois houve prescrição dos eventuais crimes no final de 2016.
Apenas após os corruptores – ou seja, as empreiteiras – começarem a delatar, o que ocorreu recentemente com a Odebrecht, passaram a ser revelados casos no nível estadual que abrangem políticos de fora da base aliada nos governos Lula e Dilma Rousseff.
2. Os tucanos mais notórios citados têm foro privilegiado
Se os pedidos da “segunda lista de Janot” forem aceitos, Aécio e Serra, por terem mandato de senador, devem ser investigados com a supervisão do STF (Supremo Tribunal Federal). Já as medidas contra Alckmin devem correr no STJ (Superior Tribunal de Justiça), que é a corte determinada pelo foro privilegiado dos governadores.
As cortes superiores são mais lentas para julgar as chamadas ações originárias (ações em que elas são a primeira instância). Sua especialidade são os recursos, onde se reavalia os trabalhos de uma instância inferior. Além disso, o STF tem menos velocidade e costume para julgar ações criminais, que são minoria dos processos que correm por lá.
Essa lentidão acaba se reforçando em todos os pedidos que demandam autorização de um juiz – bloqueio de bens e contas, condução coercitiva, prisão temporária, prisão preventiva, quebra de sigilos e grampo telefônico, por exemplo.
De todos os políticos que tinham prerrogativa de foro no STF quando começaram a ser investigados na Lava Jato, apenas dois foram presos: o ex-deputado Eduardo Cunha – que teve o mandato de deputado cassado, perdeu foro e acabou preso por ordem do juiz Sergio Moro, da primeira instância – e o ex-senador Delcídio do Amaral, um caso excepcional de prisão em flagrante autorizada pelo Supremo depois que ele foi gravado tentando atrapalhar as investigações.
Todos os outros políticos presos na Lava Jato já não tinham mandato ou cargo quando a operação bateu na porta.
Como os inquéritos relacionados aos tucanos com foro correm mais lentamente, as pessoas sem foro que são alvo dessas investigações (como os eventuais operadores) se beneficiam da lentidão.
3. Primeiro grande nome tucano citado estava morto
O primeiro tucano de alto calibre a aparecer, Sérgio Guerra, ex-presidente nacional do PSDB, foi citado pelo primeiro delator da operação, Paulo Roberto Costa. O problema: ele morreu 11 dias antes da operação Lava Jato ser deflagrada.
De acordo com Costa, Guerra teria atuado para que uma CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) criada em 2009 para investigar a Petrobras terminasse em “pizza”.
Foi aberto um inquérito contra o deputado federal Eduardo da Fonte (PP-PE) que estaria envolvido nesse caso, mas a investigação foi arquivada.
4. Aécio Neves tem sido poupado em delações?
Há indícios de que as delações vindas da construtora Andrade Gutierrez, fechadas ainda em novembro de 2015 e homologadas no primeiro semestre de 2016, tenham poupado o senador.
O suposto envolvimento de Aécio foi divulgado pela imprensa e consta da delação de um dos executivos da Odebrecht sobre a construção da Cidade Administrativa em Minas Gerais. Odebrecht, Andrade Gutierrez, OAS e Queiroz Galvão participaram do consórcio.
O delator Sérgio Machado, ex-presidente da Transpetro, gravou conversa com o ex-presidente e ex-senador José Sarney em que eles comentam que a delação da Andrade Gutierrez “vem muito pesada em cima do PT, mas poupa o Aécio”.
Perguntado sobre isso pelo jornal O Globo, o procurador Carlos Fernando dos Santos Lima, da força-tarefa de Curitiba, disse: “Todos aqueles que não falaram sobre Cidade Administrativa (do Estado de Minas Gerais) deixaram de revelar um fato importante, que hoje nós sabemos o que aconteceu. Entretanto, isso é uma investigação do Supremo Tribunal Federal e não temos esse material conosco, pois envolve pessoas com prerrogativa de foro”.
A PGR passou a exigir que a Andrade Gutierrez complementasse sua delação.
Partido ‘aproveitou a onda’
Perguntado se políticos do PSDB acreditavam que não seriam atingidos pelas operações, o cientista político Cláudio Couto, professor do departamento de gestão pública da FGV-SP (Fundação Getúlio Vargas de São Paulo), afirmou que muitas legendas possivelmente não achavam que a Lava Jato chegaria a elas.
“Todo mundo, de alguma maneira, estava achando que eles não seriam atingidos.”
Para o pesquisador, a operação ganhou uma dimensão tão grande que novas denúncias surgem com facilidade, independentemente da preferência política dos investigadores.
Ele afirma que as preferências político-partidárias deles se expressam em alguns momentos, como no vazamento do grampo contendo conversas do ex-presidente Lula e na apresentação PowerPoint dos procuradores que denunciaram o petista.
“De uma forma ou de outra, o custo que a Lava Jato teve para o PT foi brutal. A gente teve uma presidente impedida e o PT sofreu um golpe – no sentido de pancada mesmo – que foi a perda de 60% das prefeituras. E o partido que mais se beneficiou disso foi o PSDB. Então, mesmo que o PSDB soubesse que seria atingido, era o momento de aproveitar a onda”, conclui.
Crédito: Paula Reverbel da BBC Brasil em São Paulo – disponível na internet 18/03/2017.