Conselheiro informal do governo Temer, Citi promove privatizações brasileiras nos EUA.

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O presidente Michel Temer é “um dos melhores políticos do Brasil” porque “tem coragem” para tocar reformas impopulares, apoia a venda de ativos públicos para investidores estrangeiros e tem boa relação com o Congresso para aprovar estas medidas.

Quem afirma é Charles R. Johnston, diretor global de assuntos governamentais do Citigroup, um dos maiores conglomerados bancários dos Estados Unidos.

O trabalho do executivo é fazer a ponte para negociações entre clientes do banco e governos de mais de cem países.

Apostando no programa de privatizações do governo brasileiro, que pretende transferir áreas de mineração e exploração de petróleo e gás (incluindo o pré-sal), usinas e empresas de energia, portos, ferrovias e outros, o banco americano patrocinará um encontro entre seus principais clientes e ministros brasileiros em Nova York no mês que vem.

Não será a primeira vez. Em setembro do ano passado, dias depois do lançamento do pacote, o banco apresentou bilionários a Temer e aos ministros Henrique Meirelles (Fazenda) e Moreira Franco (Secretaria-Geral da Presidência), que foram pessoalmente ao encontro de negócios em um hotel em Manhattan.

“O projeto (de privatizações) está colocando o Brasil no caminho certo”, diz o executivo.

Não há nenhum contrato ou vínculo formal de cooperação entre o banco e o governo Temer. Mas a máxima dos investidores de Wall Street permanece intacta: “Não existe almoço grátis” nos Estados Unidos.

“É claro que estamos aqui tentando proteger os interesses do banco”, diz Johnston em entrevista à BBC Brasil em Washington. “Mas também tentamos realçar oportunidades.”

Para o executivo, as citações de Temer e pelo menos cinco ministros em delações da Odebrecht pela operação Lava Jato o Brasil não espantam o otimismo dos investidores com as reformas da previdência e trabalhista.

“(Temer) é um dos melhores políticos do Brasil, graças à sua experiência no Congresso, para fazer reformas importantes acontecerem”, avalia Johnston.

“Investigações sobre corrupção são sempre constrangedoras, mas acredito de coração que o governo está tentando acabar com a corrupção.”

Segundo a Secretaria-Geral da Presidência, a promessa do programa de privatizações e concessões é arrecadar R$ 45 bilhões e gerar 200 mil empregos indiretos e diretos.

Citi e as privatizações

Em meio aos preparativos para o novo encontro entre políticos brasileiros e seus clientes, o executivo se classifica como “conselheiro econômico” quando questionado sobre o papel específico do Citigroup nas privatizações brasileiras.

“Ajudamos governos a estruturarem projetos em sintonia com os interesses dos mercados de capital privado”, afirma. “Neste caso, obviamente, projetos de infraestrutura, seja nos Estados brasileiros ou em projetos federais.”

Charles R. JohnstonDireito de imagemUSCIB
Image captionJohnson diz acreditar ‘de coração’ que governo quer acabar com corrupção

Segundo o executivo, o banco pode participar de diferentes formas de privatizações em outros países.

A atuação vai desde recomendar investimentos em empresas com boa chance de rentabilidade a seus clientes, passando por financiar a compra destes ativos e prestar consultoria técnica e jurídica sobre o tema.

“Uma das belezas do programa é algo que notamos aqui em Washington também”, diz Johnston. “É preciso conectividade entre diferentes órgãos, cooperação entre diferentes órgãos, e isso certamente é algo que (Moreira) Franco está tentando alcançar.”

Procurado para informar se existe algum documento que oficialize a relação do banco junto ao governo brasileiro, o escritório do Citibank em São Paulo afirmou que “não há nenhum vínculo contratual”.

“O Citi apoia a aproximação entre investidores estrangeiros e o governo, por meio de reuniões e conferências, visando ampliar o conhecimento desses investidores sobre os projetos e oportunidades no Brasil”, disse o banco, em nota.

À BBC Brasil, por telefone, o secretário de articulação para investimentos de Temer, Marcelo Allain, também negou vínculos diretos.

“O Citibank não é conselheiro nenhum formal do governo, nem poderia ser”, disse.

“Simplesmente, quando fazemos estas reuniões com o mercado, pedimos que eles organizem ou apresentem clientes que tenham interesse no Brasil. Nesse papel, eu acho que de fato o Citi está ajudando bastante.”

Transparência

A interação entre bancos que têm grandes investidores internacionais como clientes e governos que pretendem fazer privatizações é frequente.

Para especialistas neste tipo de negociação, entretanto, é preciso atenção para “o limite ético entre viabilizar operações importantes para os cidadãos em geral e favorecer um grupo econômico”.

Na opinião do economista Ciro Biderman, professor de políticas públicas da FGV e pesquisador do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT, na sigla em inglês), “não há como se relacionar com o setor privado sem conhecer o setor privado”.

“Mas isso tem que ser feito com toda a transparência, especialmente do lado do governo.”

O especialista sugere que todos os encontros entre ministros e executivos de bancos ou empresas sejam divulgados em agendas públicas.

“E, depois das reuniões, tudo o que tiver sido discutido tem que ser amplamente divulgado.”

O professor, que trabalhou com o tema na Prefeitura de São Paulo por quatro anos, ressalta que encontros entre investidores e governo são importantes durante o processo de privatizações.

“Você precisa saber qual é a expectativa do setor privado e testar o mercado para ver o que eles estão interessados ou não”, diz. “O importante é que não haja troca de informações privilegiadas.”

Na avaliação de Biderman, o otimismo dos investidores não costuma se contaminar por investigações como a Lava Jato.

“Basta pegar os índices internacionais de percepção de corrupção. Quando o país está crescendo, independente do contexto, esses índices caem. Se a economia está em queda, a noção de corrupção dispara.”

Michel Temer em BrasíliaDireito de imagemAFP
Image captionCom aprovação de 10%, segundo Datafolha, Temer é elogiado por diretor do Citigroup: ‘Ele persiste’

Reformas

O Citi está presente no Brasil há mais de cem anos – começou abrindo contas para americanos que vieram trabalhar no país no início do século passado.

Seu executivo não poupa elogios a Temer: “Mesmo sabendo que sua popularidade é muito baixa, o presidente persiste”, diz ele, afirmando que o banco prevê retomada no crescimento econômico brasileiro no próximo semestre, após uma sequência de quedas.

O índice de aprovação do peemedebista, segundo a última pesquisa Datafolha (dezembro), é de 10%.

Como principal diferença entre os governos Dilma e Temer, Johnston aponta a aprovação do teto dos gastos, que limita investimentos do governo pelos próximos 20 anos – críticos preveem retrocessos em áreas como saúde e e educação, o que o Planalto nega.

“Foi um recado para os estrangeiros de que o Brasil está realmente empenhado em controlar o orçamento.”

O diretor do Citi também comemora o empenho de Temer nas reformas trabalhista (que deve discutir mudanças nas relações entre empresas e funcionários), da previdência (que pretende fixar a idade mínima para aposentadoria em 65 anos) e tributária (que pode unificar impostos, como ocorre em outros países).

“Todo mundo sabe: quando a sua economia está em maus lençóis, é preciso tomar decisões difíceis politicamente”, afirma.

O entusiasmo também se reflete do lado brasileiro.

Há duas semanas, após se reunir pessoalmente com Temer no Palácio do Planalto, o presidente mundial do Citigroup, Michal Corbat, distribuiu nota à imprensa afirmando que “apoia as medidas de ajuste fiscal” e que “o Brasil é um mercado muito relevante” para o banco.

Michel Temer, Eliseu Padilha, Henrique Meirelles e Diogo OliveiraDireito de imagemAFP
Image captionApesar de implicarem homens fortes do governo, investigações da Lava Jato tranquilizam investidores estrangeiros, segundo Johnson

Lava Jato e Trump

Além do próprio presidente, os ministros Moreira Franco (Secretaria-Geral da Presidência, responsável pelo programa de privatizações), Eliseu Padilha (Casa Civil), Bruno Araújo (Cidades), Gilberto Kassab (Ciência e Tecnologia e Comunicações) e Aloysio Nunes (Relações Exteriores) foram citados em delações recém-homologadas de executivos da Odebrecht.

Outros homens fortes do governo, como os presidentes do Senado e da Câmara dos Deputados, Eunício Oliveira (PMDB-CE) e Rodrigo Maia (DEM-RJ), além e os senadores Romero Jucá (PMDB-RR) e Aécio Neves (PSDB-MG), também aparecem em delações como envolvidos em supostos atos de corrupção.

Todos negam as acusações.

Para o executivo do Citigroup, o simples fato de as investigações continuarem em andamento tranquiliza investidores estrangeiros.

“Quando um governo, de forma não discriminatória e obedecendo a regras jurídicas, busca acabar com a corrupção e investigá-la, a comunidade internacional recebe um sinal de que a regra da lei faz a diferença no país”, diz.

“Nós, do Citi, já vimos países onde investigações do tipo são interrompidas.”

À BBC Brasil Johnston diz acreditar que a relação comercial entre Brasil e Estados Unidos possa caminhar para um acordo de livre-comércio entre os dois países.

Uma pesquisa divulgada em janeiro pelo FED (Federal Reserve, o banco central dos EUA) e pela rede CNBC mostrou que 51% do mercado americano indica o protecionismo de Trump como ameaça número um ao crescimento dos Estados Unidos.

Para o diretor de assuntos governamentais do Citigroup, entretanto, esta imagem de Trump é um mal-entendido que “serve para atrair leitores” para a imprensa.

“Admito que na campanha soou desta maneira. O slogan ‘America First’ (ou ‘América em primeiro lugar’) talvez seja infeliz de uma perspectiva de relações econômicas internacionais”, afirma.

“O que esse governo Trump realmente quer é garantir que as relações comerciais sejam justas. Livres, com certeza, mas também justas. É mais uma questão de cumprimento da lei do que de protecionismo.”

Hoje, o Brasil é o 12º maior parceiro de negócios dos Estados Unidos, mas tem prejuízo na balança de exportações: vende US$ 35 bilhões anuais, enquanto compra US$ 59,5 bilhões (os EUA têm superavit de US$ 23,6 bilhões nesta relação).

Crédito: Ricardo Senra da BBC Brasil em Washington – disponível na internet 28/03/2017.

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