Por maioria de votos, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) reafirmou entendimento no sentido de que é inconstitucional o exercício do direito de greve por parte de policiais civis e demais servidores públicos que atuem diretamente na área de segurança pública. A decisão foi tomada na manhã desta quarta-feira (5), no julgamento do Recurso Extraordinário com Agravo (ARE) 654432, com repercussão geral reconhecida.
A tese aprovada pelo STF para fins de repercussão geral aponta que “(1) o exercício do direito de greve, sob qualquer forma ou modalidade, é vedado aos policiais civis e a todos os servidores públicos que atuem diretamente na área de segurança pública. (2) É obrigatória a participação do Poder Público em mediação instaurada pelos órgãos classistas das carreiras de segurança pública, nos termos do artigo 165 do Código de Processo Civil, para vocalização dos interesses da categoria”.
O recurso foi interposto pelo Estado de Goiás contra decisão do Tribunal de Justiça de Goiás (TJ-GO) que, na análise de ação apresentada naquela instância pelo Estado contra o Sindicato dos Policiais Civis de Goiás (Sinpol/GO), garantiu o direito de greve à categoria por entender que a vedação por completo da greve aos policiais civis não foi feita porque esta não foi a escolha do legislador, e que não compete ao Judiciário, agindo como legislador originário, restringir tal direito.
O representante do sindicato salientou, durante o julgamento no Supremo, que os policiais civis de Goiás permaneceram cinco anos – entre 2005 e 2010 – sem a recomposição inflacionária de seus vencimentos, e que só conseguiram perceber devidamente a recomposição após greve realizada em 2014, o que mostra que a greve é o principal instrumento de reivindicação à disposição dos servidores públicos. Segundo o advogado, retirar o direito de greve desses servidores significa deixá-los à total mercê do arbítrio dos governadores de estado. Quanto à vedação do exercício do direito de greve previsto constitucionalmente aos militares, o representante do sindicato defendeu que não se pode dar interpretação extensiva a normas restritivas presentes no texto constitucional.
A advogada-geral da União citou, em sua manifestação, greves realizadas recentemente por policiais civis nos estados de Goiás, no Distrito Federal e no Rio de Janeiro, ocasiões em que houve um grande número de mandados de prisão não cumpridos e sensível aumento da criminalidade. Para ela, esses fatos revelam que a paralisação de policiais civis atinge a essência, a própria razão de ser do Estado, que é a garantia da ordem pública, inserido no artigo 144 do texto constitucional como valor elevado. Os serviços e atividades realizados pelos policiais civis, inclusive porque análogos à dos policiais militares, devem ser preservadas e praticadas em sua totalidade, não se revelando possível o direito de greve, concluiu, citando precedentes nesse sentido do próprio Supremo. Ela citou precedentes do Supremo nesse sentido, como a Reclamação 6568 e o Mandado de Injunção (MI) 670.
O mesmo entendimento foi manifestado em Plenário pelo vice-procurador-geral da República. Para ele, algumas atividades estatais não podem parar, por serem a própria representação do Estado. E entre essas atividades, se incluem as atividades de segurança pública, tanto interna quanto externa.
Direito fundamental
O relator do caso, ministro Edson Fachin, votou no sentido do desprovimento do recurso do estado. De acordo com o ministro, a proibição por completo do exercício do direito de greve por parte dos policiais civis acaba por inviabilizar o gozo de um direito fundamental. O direito ao exercício de greve, que se estende inclusive aos servidores públicos, tem assento constitucional e deriva, entre outros, do direito de liberdade de expressão, de reunião e de associação, frisou o relator. O direito de greve não é um direito absoluto, mas também não pode ser inviabilizado por completo, até porque não há, na Constituição, norma que preveja essa vedação. Para o ministro, até por conta da essencialidade dos serviços prestados pelos policiais civis, o direito de greve deve ser submetido a apreciação prévia do Poder Judiciário, observadas as restrições fixadas pelo STF no julgamento do MI 670, bem como a vedação do porte de armas, do uso de uniformes, títulos e emblemas da corporação durante o exercício de greve.
O voto do relator foi acompanhado pela ministra Rosa Weber e pelo ministro Marco Aurélio, mas seu entendimento ficou vencido no julgamento.
Carreira diferenciada
O ministro Alexandre de Moraes abriu a divergência em relação ao voto do relator e se manifestou pelo provimento do recurso. Para o ministro, existem dispositivos constitucionais que vedam a possiblidade do exercício do direito de greve por parte de todas as carreiras policiais, mesmo sem usar a alegada analogia com a Polícia Militar. Segundo o ministro, a interpretação conjunta dos artigos 9º (parágrafo 1º), 37 (inciso VII) e 144 da Constituição Federal possibilita por si só a vedação absoluta ao direito de greve pelas carreiras policiais, tidas como carreiras diferenciadas no entendimento do ministro.
De acordo com o ministro Alexandre de Moraes, tendo como função a garantia da ordem pública, a carreira policial é o braço armado do Estado para a garantia da segurança pública, assim como as Forças Armadas são o braço armado do Estado para garantia da segurança nacional.
Outro argumento usado pelo ministro para demonstrar como a carreira é diferenciada, foi o de que a atividade de segurança pública não tem paralelo na atividade privada. Enquanto existem paralelismos entre as áreas públicas e privadas nas áreas de saúde e educação, não existe a segurança pública privada, nos mesmos moldes da segurança estatal, que dispõe de porte de arma por 24 horas, por exemplo, salientou o ministro.
Para o ministro, não há como se compatibilizar que o braço armado investigativo do Estado possa exercer o direito de greve, sem colocar em risco a função precípua do Estado, exercida por esse órgão, juntamente com outros, para garantia da segurança, da ordem pública e da paz social.
No confronto entre o direito de greve e o direito da sociedade à ordem pública e da paz social, no entender do ministro, deve prevalecer o interesse público e social em relação ao interesse individual de determinada categoria. E essa prevalência do interesse público e social sobre o direito individual de uma categoria de servidores públicos exclui a possibilidade do exercício do direito de greve, que é plenamente incompatível com a interpretação do texto constitucional.
Acompanharam esse entendimento os ministros Roberto Barroso, Luiz Fux, Dias Toffoli e Ricardo Lewandowski e a ministra Cármen Lúcia, presidente do STF. Para o ministro Barroso, quem porta arma deve se submeter a regime jurídico diferenciado, não podendo realizar greve. Contudo, o ministro sugeriu como alternativa que o sindicato possa acionar o Poder Judiciário para que seja feita mediação, de forma a garantir que a categoria tenha uma forma de vocalizar suas reivindicações, nos moldes do artigo 165 do Código de Processo Civil.
O redator para o acórdão será o ministro Alexandre de Moraes.
STF 06/04/2017