Jogo da Baleia Azul: Até que ponto devemos nos preocupar?

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A Prefeitura de Curitiba (PR) emite alerta diante de tentativas de suicídio de jovens. Em Goiânia (GO), polícia investiga a automutilação de adolescentes. Belo Horizonte (MG), Pará de Minas (MG) e Arcoverde (PE) apuram mortes suspeitas com o mesmo perfil. O Ministério da Justiça aciona a Polícia Federal para investigar o jogo virtual que teria relação com esses e outros casos recentes de suicídios e automutilações pelo país.

Relatos sob investigação no Brasil em abril de 2017 citam adolescentes vulneráveis que estariam sendo encorajados a retirar a própria vida por meio de uma série de desafios online.

Sabe-se que esses desafios, conhecidos como “jogo da Baleia Azul”, tiveram origem em 2015 nas redes sociais da Rússia e se espalharam pela Europa nos últimos dois anos.

DepressãoDireito de imagemTHINKSTOCK
Image captionBrasil é o oitavo país do mundo em número de suicídios; 5,8% da população sofre de depressão


Na Rússia, as mortes de alguns adolescentes foram relacionadas ao jogo – embora não haja confirmação sobre esses relatos.

A ideia é que indivíduos estariam sendo convidados a completar um número de tarefas em 50 dias. As tarefas ficariam cada vez mais danosas à pessoa e terminariam com um desafio ao suicídio.

Há preocupação que a ideia esteja se espalhando pelo mundo – e pelo Brasil – por meio de redes sociais.

Mas como diferenciar o que é fato e boato nessa história, que por muitas vezes assume contornos de lenda urbana? Com questionamentos sobre a própria existência do desafio, e sem conexões comprovadas entre as mortes da Rússia e o jogo, quão preocupados devemos estar?

O que é a Baleia Azul?

Há certa confusão sobre a origem do nome, mas acredita-se que seja uma referência a um comportamento de certas baleias azuis, que aparecem em praias e morrem encalhadas.

Criança usa computadorDireito de imagemGETTY IMAGES
Image captionO Brasil registra aumento da preocupação sobre possíveis elos entre suicídios de adolescentes e grupos de pressão online

O nome estaria sendo usado por grupos de pressão na internet, que indicariam um “curador” ou “administrador” que encorajaria participantes a completar testes em 50 dias.

As tarefas iriam de demandas simples, como assistir um filme de terror, a pedidos mais sinistros, como automutilações e suicídio.

Infelizmente é comum que grupos em redes sociais atraiam adolescentes, causando danos à saúde mental desses jovens.

Origem dos grupos

O primeiro elo nessa cadeia de eventos foi o suicídio, em novembro de 2015, da adolescente russa Rina Palenkova, de 16 anos.

Fotos publicadas pela jovem antes do ato, a mensagem de despedida e supostas fotos do corpo viralizaram no Vkontakte, ou VK, espécie de Facebook russo.

O VK permite que usuários faturem atraindo tráfego para comunidades online criadas dentro da rede social. Com isso, alguns viram oportunidade de negócio no apetite de adolescentes por imagens e informações sobre o suicídio de Rina.

Assim surgiram os chamados “grupos da morte” da web russa. Esgotado o material autêntico sobre a jovem, tais grupos começaram a produzir ações interativas baseadas em narrativas fictícias – incluindo a de que Rina teria integrado uma seita secreta e sido a primeira a cumprir as etapas de uma “missão” que teria culminado no suicídio.

Do underground ao escândalo

Esses grupos deixaram de ser um fenômeno underground e se transformaram em escândalo na sociedade russa com a publicação, em maio de 2016, de uma reportagem-denúncia pelo jornal Novaya Gazeta, conhecido pelas críticas ao Kremlin.

Aviso da polícia francesaDireito de imagemPRÉFET DE LA MEUSE/FACEBOOK
Image captionA polícia da França publicou informação do Facebook sobre a tendência

A reportagem trazia o depoimento de uma mãe de uma menina de 12 anos que se suicidou. A mãe dizia ter investigado a tragédia e descoberto o elo da filha com os grupos.

Oscilando entre indignação emotiva e sensacionalismo, o material afirmava que “ao menos 80” entre 130 suicídios de jovens supostamente registrados na Rússia de novembro de 2015 a abril de 2016 envolviam vítimas que participavam desses grupos.

A reportagem provocou comoção, mas também críticas. Algumas diziam, por exemplo, que os números citados careciam de fontes e que administradores dos “grupos da morte” não tinham sido ouvidos.

Outros veículos da imprensa russa entraram na história e produziram outros relatos. Supostos curadores de “grupos da morte” consultados disseram que o objetivo era atrair jovens com tendências suicidas, e então dissuadi-los; outros, que tudo não passava de uma arapuca financeira.

Um dos curadores citados pela Novaya Gazeta, Filipp Budeikin, de 22 anos, disse que tudo não passava de “piada”. Em suas comunidades, contudo, Budeikin se referia aos jovens como “lixo biológico” a ser eliminado. Ele acabou preso em novembro de 2016, acusado de incitar pelo menos 15 suicídios, e aguarda julgamento.

Segunda onda

A imprensa russa voltou a mencionar o fenômeno no início deste ano, citando um surto de buscas online, nos países da antiga União Soviética, por expressões como “baleia” e “baleias azuis”, e a emergência da hashtag #ojogo na rede social VK.

Ao mesmo tempo, reportagens do site americano de checagem Snopes e do grupo Radio Free Europe/Radio Liberty concluíram que não havia evidências que ligassem atos de violência na Rússia – suicídio ou agressões a terceiros – ao jogo virtual.

A Radio Free Europe, por exemplo, descreveu um mundo em que os dois lados do jogo pareciam não levar nada muito a sério – “curadores” que pediam dinheiro em vez de tarefas mórbidas e “vítimas” que se inscreviam por brincadeira .

ComputadorDireito de imagemGETTY IMAGES
Image captionImprensa russa voltou a mencionar o fenômeno em 2017, citando aumento de buscas online, nos países da antiga União Soviética, por expressões como “baleia” e “baleias azuis”

Também no começo de 2017, o assunto chamou a atenção de tabloides britânicos, como Daily Mirror e The Sun, que resgataram o material original da Novaya Gazeta. Assim a história chegou ao Ocidente.

A narrativa começou a atrair atenção no Brasil no início de abril, provocando preocupações e e um furor midiático semelhantes aos observados na Rússia e em ex-repúblicas soviéticas.

Para o pesquisador americano Benjamin Radford, autor de livros sobre lendas urbanas, a situação tem “todas as características de um pânico moral”, nome dado por cientistas sociais a temores que se espalham de modo irracional.

Radford identifica nessa tendência elementos familiares a outros casos de medo coletivo: uma ameaça tecnológica a crianças e adolescentes; a situação clássica de “forasteiro perigoso”, em que a ameaça parte de um estranho manipulador; e o elemento de teoria da conspiração.

“Há pouca evidência de que o jogo já tenha causado algum suicídio, ou mesmo que exista”, disse ele, embora reconhecendo que a história em torno do jogo seja algo “possível”.

Na última semana, o ministro da Justiça, Osmar Serraglio, atendeu pedidos do prefeito de Curitiba, Rafael Greca, e de quatro deputados federais para que a Polícia Federal investigue o jogo Baleia Azul.

Segundo o Ministério da Justiça, há relatos sobre adesão e vitimização de adolescentes que aceitaram desafios propostos pelo jogo em Estados como Paraná, Minas Gerais, Pernambuco, Maranhão e Amazonas. Ainda não há prisões relacionadas aos casos.

Devo me preocupar?

Embora autoridades na Rússia e no Brasil estejam investigando possíveis elos entre o suicídio de adolescentes e grupos de pressão na internet, não há relatos confirmados de ligação com o jogo da Baleia Azul.

O que a policia procura nessas investigações são conversas prévias entre as vítimas e usuários de redes sociais que possam ter influenciado as ações. No Brasil, incitação ao suicídio é crime com pena de dois a seis anos de prisão, em caso consumado.

Também há relatos de casos de suicídio em investigação na Ucrânia, Casaquistão e no Quirguistão, com foco com grupos online.

Deep webDireito de imagemTHINKSTOCK
Image captionNão há até agora relatos confirmados de ligação de suicídios com grupos de pressão online

Como identificar sinais?

Grupos como a organização britânica de proteção à criança NSPCC oferecem conselhos sobre como detectar sinais de assédio online de crianças e práticas de construção de conexão emocional para obtenção de confiança – e também sobre como proteger a criança do avanço dessas situações.

Há uma série de possíveis sinais, mas eles não são óbvios porque criminosos costumam procurar a discrição para evitar serem detectados.

Entre os sinais e comportamentos mais comuns a serem observados são crianças que:

  • ficam com muitos segredos, sobretudo sobre o que fazem na internet;
  • estão passando muito tempo na internet e em redes sociais;
  • mudam a tela de visualização quando alguém se aproxima;
  • ficam caladas ou com raiva após usarem a internet ou enviarem mensagens de texto;
  • possuem muitos números de telefone e e-mails novos no celular.

O que fazer?

O Ceop, agência do governo britânico de combate à exploração infantil online, ressalta que às vezes a mudança de comportamento da criança é algo completamente normal, e que é importante não reagir de modo exagerado.

Ter uma conversa calma e aberta, diz a agência, é uma maneira eficaz de determinar as causas de qualquer mudança de comportamento, lidando com preocupações de maneira franca e oferecendo suporte e apoio moral.

Um programa educacional preparado pela organização ThinkUKNow também diz ser importante deixar claro ao jovem que qualquer conversa não irá resultar em punição. Segundo a ONG, crianças costumam evitar relatar sua preocupação caso acreditem, por exemplo, que seu acesso à internet será restringido.

Outro grupo de aconselhamento britânico, o Get Safe Online, diz ter conhecimento dos relatos “horríveis” relacionados ao jogo e lamentou que grupos estejam dispostos a “abusar dessas plataformas (redes sociais)”.

Tony Neate, executivo do grupo, afirma que o diálogo é essencial para enfrentar questões de pressões de grupo caso a criança esteja “agindo estranhamente”.

“Isso permitirá a criança dar um passo atrás, para longe das pressões”, diz ele, acrescentando que isso ajudará o jovem a perceber que não se trata de “algo que eles tenham que seguir”.

Crédito: Carlos Orsi de São Paulo para a  BBC Brasil – disponível na internet 30/04/2017

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